Talvez esta não seja a forma mais ortodoxa de iniciar uma agenda de lançamentos, mas na fase que o país atravessa é quase tão importante sinalizar as ausências como as novidades. Com as medidas do atual estado de emergência — que obrigaram ao fecho das livrarias — o setor livreiro voltou à mesma imobilização sentida a partir da primavera de 2020, agravada pelo facto de, desta vez, estar também vigente o impedimento da venda de livros nos super e hipermercados.
Como tal, a grande maioria das editoras adiaram os seus lançamentos para este mês na expectativa que em março a eventual melhoria da situação pandémica resulte num aliviar das restrições. Ainda assim, nem por isso fevereiro ficou privado de novos livros, sendo esta a seleção que se segue.
Pragas e milagres num mundo cão
A imaginação, quando manejada com mestria, pode ser tão prodigiosa quanto assustadora, e isso é particularmente verdade no que toca à ficção especulativa. Jack London publicou “A Praga Escarlate” em 1912, tendo como protagonista um dos poucos sobreviventes de uma pandemia que devastou a civilização em 2013, contando a sua história 60 anos depois. E, após prever o surgimento dos fascismos em “O Tacão de Ferro”, o autor norte-americano imaginou aqui como lidaríamos com uma doença devastadora. Os paralelos são mais do que óbvios. Este livro, até aqui inédito em Portugal, saiu pela Antígona, com tradução de Ana Barradas.
Também pela mesma editora, mas trocando os cenários pós-apocalípticos pela imensidão do espaço sideral, sai este mês a reedição de “Solaris”. Obra maior do polaco Stanisław Lem, este clássico de ficção científica — conhecido também pelas adaptações ao cinema de Andrei Tarkovsky em 1972 e Steven Soderbergh em 2002 — encontrava-se esgotado em Portugal desde que foi (re)lançado em 2018. Mantendo a tradução direta do polaco por Teresa Fernandes Swiatkiewicz, o livro — que estará disponível no dia 22 — coloca um grupo de exploradores espaciais num planeta perante um oceano que também é uma forma de vida alienígena, servindo a trama de base para explorar os limites da racionalidade e da comunicação humana.
Mudando o foco dos homens para os seus melhores amigos, um dos grandes eventos de fevereiro é o retorno do espanhol Arturo Pérez-Reverte à ficção. Depois de publicar “Uma História de Espanha” pela Edições Asa, a mesma editora disponibiliza agora “Cães Maus Não Dançam”. A narrativa acompanha Negro, um rafeiro cruzado de mastim espanhol e cão‑de‑fila brasileiro bem experimentado na vida de rua, enquanto procura por dois dos seus amigos desaparecidos. Descrita como uma aventura intensa e inclemente, a obra vai estar em pré-venda apenas até 7 de fevereiro, voltando ao mercado depois em março.
E falando de regressos ao mercado, a E-Primatur dedica-se este mês a trazer uma obra de Charles Dickens esquecida — pelo menos pelo mercado português, já que não há nenhuma reedição desde 1981. Lançado à boa maneira oitocentista — através de folhetim — “A Vida e Aventuras de Nicholas Nickleby” foi um dos primeiros romances do mestre inglês e, tomando como pretexto o cargo de assistente do director de uma escola que o protagonista titular aceita, é uma obra em que Dickens fez uma análise muito crítica do sistema de ensino britânico, tendo ele próprio constatado em pessoa as condições horríveis de alguns estabelecimentos do seu tempo. Previsto para sair em 2020, mas alvo de adiamentos devido à pandemia, deverá ser editado este mês, ainda sem dia definido.
Por fim, outra recuperação é a de “O Milagre de São Francisco”, com a Livros do Brasil a continuar a sua demanda por disponibilizar a obra de John Steinbeck. Editado em 1935, este foi um dos primeiros grandes êxitos do Nobel norte-americano. Situando a ação em Monterey, cidade vizinha da “sua” Salinas, na Califórnia, e tendo como protagonistas um grupo de paisanos mexicano, o livro reatualiza o mito do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda na forma como descreve as aventuras do bando. Sai no dia 11.
Em português. Ossos e desvios
Uma das consequências da sucessão de adiamentos é a parca edição de ficção nacional. Parca, mas não inexistente, sendo fevereiro assim marcado sobretudo pelo lançamento de mais uma obra de João Reis. “Se Com Pérolas ou Ossos” é o novo romance do escritor/tradutor, saindo desta feita pela Minotauro, e a sua trama centra-se num jovem autor português que se instala em Seul, na Coreia do Sul, para escrever um romance, sendo que a sua dificuldade de criação o leva a dispersar-se e a entrar numa espiral decadente. Meta-narrativa com o dedo apontado ao meio editorial português, sai a 18 de fevereiro.
Já no território da poesia, faça-se um desvio, tal como Rosa Oliveira o fez. “Desvio-me da bala que chega todos os dias” é o seu novo livro, uma pequena edição de 40 páginas. Depois de obras premiadas como “cinza” e “tardio” — ambas editadas pela Tinta-da-China — este trata-se um livro de cariz mais experimental, coligindo poemas escritos ao longo dos últimos anos num formato plaquete e acompanhamento das ilustrações de João Concha. Com tiragem limitada a 250 exemplares, este é um lançamento a cargo da não (edições).
Abraços, felicidade e planos para salvar o mundo. Livros para pensar
O mundo encontra-se a braços com a Covid-19, não se sabendo ao certo quando todos iremos ultrapassar esta pandemia. Este não é, contudo, o único desafio que enfrentamos, e provavelmente também não será o mais grave, se compararmos com previsões apocalípticas das alterações climáticas. Bill Gates sabe-o e é por isso que chamou ao seu novo livro “Como evitar um desastre climático”. O bilionário fundador da Microsoft tornado filantropo (e, mais recentemente, vítima de teorias da conspiração quanto à pandemia), edita assim uma obra que resulta do que andou a aprender sobre este tema e que se apresenta assim como um guia acessível para nortear a atuação não só de representantes políticos, mas também de todos nós, para eliminar as emissões de gases com efeito de estufa e conseguir atingir a neutralidade carbónica. Sendo um lançamento à escala global marcado para 16 de fevereiro, por cá será editado pela Ideias de Ler, chancela da Porto Editora.
Do lado oposto do espetro, a felicidade. Apesar de ser um dos grandes nomes ainda vivos da filosofia francesa do século XX, Alain Badiou — que também é professor, romancista e militante comunista — não tem em Portugal traduções suficientes que equivalham à sua importância. A Edições 70, todavia, retifica em parte essa situação com o lançamento de “Metafísica da Verdadeira Felicidade”, um pequeno ensaio onde o filósofo disseca esse tão desejado quanto elusivo conceito, argumentando, entre outras coisas, que é vivendo com contacto com a filosofia que se pode almejar ser feliz.
E já que se menciona felicidade, esta dificilmente pode existir sem afetos. Numa altura em que muitos de nós ressaca por contacto físico, a Antígona reedita “O Livro dos Abraços”, de Eduardo Galeano, recuperando esta obra previamente esgotada. Misto de relato autobiográfico, comentário político e carta de amor à América Latina e aos seus filhos destituídos, este livro — ilustrado pelo próprio autor — é uma boa porta de entrada à obra do escritor e jornalista uruguaio.
O futuro é feminino, mas o presente também
De todas as formas como o mundo podia melhorar, uma das mais notórias seria se a questão de desigualdade de género fosse resolvida. Essa é parte do pensamento da investigadora Linda Scott, professora emérita em Oxford, que tem em “A Economia XX” um manifesto para a valorização e emancipação social, laboral e financeira das mulheres. O caminho que já foi feito, defende, é bom, mas insuficiente, e ainda há muito por fazer. O livro sai a 25 de fevereiro pela Actual.
Enquanto esse futuro mais brilhante não chega, há que cuidar do presente, e a atual pandemia tem colocado mais stress do que nunca sobre as pessoas, mas em particular as mulheres, que são afetadas de forma desproporcional em relação aos homens. É perante este cenário que a Ideias de Ler aponta para a pertinência de “Burnout”. Da autoria das irmãs Emily e Amelia Nagosky — sendo a primeira doutorada em comportamento de saúde —, este livro pretende ser um guia de auto-ajuda baseado em conhecimento científico de forma a quebrar os ciclos de stress das mulheres.
Outra forma de auxílio passa pela partilha de experiências e a de Eve Ensler é particularmente pungente. Conhecida pela célebre peça de teatro feminista “Monólogos da Vagina”, a escritora, dramaturga e ativista assina em “Desculpa” uma carta de desculpa que nunca recebeu do seu pai, que a abusou física e sexualmente. Misto de ajuste de contas com o passado, experiência de catarse e carta para nortear outras sobreviventes, este livro é editado pela Minotauro e tem lançamento previsto para 25 de fevereiro.
De Macau a Moçambique, cartografia de um passado colonial
Seis anos depois de iniciar a sua viagem de regresso à vida colonial portuguesa que experienciou em criança com o primeiro volume de “O último dos colonos”, João Afonso dos Santos lança agora o segundo tomo, “O último dos colonos - Até ao cair da folha”. Crescendo ao lado do irmão, o eterno Zeca Afonso, em Moçambique, o advogado viveu o fim do império colonial português em todas as suas vertentes, da insurreição dos colonizados aos modos de vida dos colonos. Este livro de memórias tem edição pela Sextante Editora, saindo a 11 de fevereiro.
A noroeste, a história de vida de outra família portuguesa estava à espera de ser contada, desta vez no Congo Belga. Trata-se da família Abrantes, representada aqui por um de sete irmãos, Sílvio A. Abrantes, que assina “Por Onde Aquele Rio Corre”. Com lançamento marcado para dia 9 pela Guerra & Paz, este volume pretende não só ser um livro de memórias, mas também um documento histórico da presença portuguesa nesta colónia, a atual República Democrática do Congo, e de alguns dos seus mais marcantes momentos, como a independência em 1960.
Por fim, e se é de independência que se fala, a Tinta-da-China apresenta “Macau: Novas Leituras”, obra organizada a oito mãos que se debruça sobre o período de 20 anos que passou desde a transferência da administração portuguesa de Macau para a República Popular da China. Debruçando-se sobre a poesia, o cinema e até a toponímia da região, a obra traça as permanências da cultura portuguesa neste espaço do extremo-oriente.
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