O Governo socialista termina 2016 em tendência de estabilização, após um ano em que teve de saltar sucessivas barreiras, umas colocadas pela pressão europeia de consolidação orçamental, outras pelos acordos políticos com os seus parceiros de esquerda.

Neste primeiro ano de vida, o Governo minoritário esteve debaixo de permanente ‘stress’ político perante problemas conjunturais que requeriam respostas urgentes: Ou porque surgia uma ameaça de instabilidade numa instituição bancária; ou porque havia compromissos calendarizados com os parceiros de solução política (o mais complexo o das 35 horas semanais de trabalho); ou, ainda, porque a União Europeia apertava nas exigências de consolidação orçamental.

Logo no início do ano, o executivo socialista foi forçado pela Comissão Europeia a alterar a sua proposta de Orçamento do Estado. Após semanas de negociações tensas, em fevereiro, Bruxelas deu finalmente "luz verde" a um Orçamento que repunha salários e pensões cortados entre 2011 e 2015 e que iniciava uma progressiva eliminação da sobretaxa de IRS, embora em simultâneo aumentasse impostos indiretos sobre os combustíveis ou o tabaco e recuasse em medidas como a descida da taxa social única (TSU) para salários baixos.

Mas os problemas não ficaram por aqui. A partir de maio, a Comissão Europeia discutiu a aplicação de sanções a Portugal e Espanha por défices excessivos (superiores a 3%) em 2015 - proposta que foi aprovada formalmente em julho pelo Eurogrupo. Durante meses, o Governo esteve envolvido em intensas negociações com as instituições europeias, primeiro para evitar a aplicação de uma multa, depois para afastar a possibilidade de Portugal ser alvo de congelamento de fundos comunitários, questão que só se resolveu favoravelmente ao país em setembro.

O Governo termina 2016 com a perspetiva de Portugal registar um défice inferior a 3% (dentro das regras europeias), com o desemprego em aparente queda contínua, mas com uma dívida na casa dos 130% do Produto Interno Bruto (PIB) e taxas de juro a dez anos entre os 3,5 e os 3,8% - um ponto percentual acima dos níveis registados em outubro de 2015.

Além do impasse na venda do Novo Banco e dos prejuízos avultados resultantes do Banif (cerca de 2,25 mil milhões de euros), o Governo acompanhou de perto mudanças acionistas no BPI e BCP, e esteve envolvido com as instituições europeias num complexo processo negocial de recapitalização pública da Caixa Geral de Depósitos (CGD), cuja injeção financeira do Estado (2,7 mil milhões de euros) terá lugar em 2017. Mais do que pelo processo de recapitalização do banco público, que teve aprovação de Bruxelas, o executivo esteve debaixo de fogo à direita e à esquerda pelos elevados valores de remuneração que aceitou estabelecer para os membros da nova administração da CGD. Uma controvérsia ainda agravada pela resistência da equipa liderada por António Domingues em entregar ao Tribunal Constitucional declarações de rendimento e de património, e que terminou com demissão deste, substituído no início de dezembro como presidente executivo da CGD por Paulo Macedo, ex-ministro da Saúde do Governo PSD/CDS-PP.

Neste ano, o Governo envolveu-se também em processos para reverter concessões a privados dos transportes de Lisboa e do Porto feitas pelo anterior executivo e, em paralelo, renegociou com o consórcio Gateway o acordo de privatização da TAP de 2015, assegurando ao Estado a manutenção de 50% do capital da transportadora aérea nacional.

No plano institucional, o Executivo beneficiou de um clima de cooperação política com o novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que no entanto vetou em setembro o diploma que permitia à Administração Tributária o acesso a informação bancária.

Os maiores percalços para António Costa aconteceram em agosto, quando se descobriu que três secretários de Estado tinham ido ver jogos de Portugal no Euro 2016 em viagens pagas pela Galp, e antes, em abril, quando João Soares se demitiu de ministro da Cultura, após ter prometido no Facebook dar umas "salutares bofetadas" aos articulistas Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente. Costa aceitou a demissão de João Soares - e aproveitou a ocasião para substituir o secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Wengorovius Meneses -, mas, no caso da Galp, reiterou a confiança nos seus secretários de Estado Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Oliveira, fazendo, contudo, aprovar um código de conduta para o futuro.

Esquerda no governo, mas sem ser Governo e a medir forças entre si

Catarina Martins e Jerónimo de Sousa assinaram inéditas “posições conjuntas” com o PS, assim como os “Verdes”, encetando um diálogo para a governação à esquerda no parlamento, relegando PSD e CDS-PP para a oposição, apesar da vitória nas eleições legislativas de 2015.

Os líderes bloquista e comunista, fortalecidos por ajudarem a “desalojar” a direita do poder e viabilizar o Governo socialista, viram os respetivos mandatos partidários renovados num 2016 de marcação mútua.

Logo em janeiro de 2016, nas eleições que vieram a consagrar Marcelo Rebelo de Sousa como o Presidente da República, houve picardia à esquerda, uma vez que a candidata bloquista, Marisa Matias, ficou no terceiro lugar (10%) e o ex-padre comunista, Edgar Silva, ficou-se pelo quinto posto (4%). Jerónimo de Sousa, visivelmente incomodado com o "resultado aquém das expectativas", rejeitou a ideia de apresentar uma "candidata mais engraçadinha" a Belém e falou da política "séria e de verdade" do PCP.

Nos primeiro e segundo trimestres do ano, incluindo a elaboração do Orçamento do Estado para 2016, na primavera, foram várias as ocasiões em que o BE dominou primeiras páginas e aberturas de telejornal, enquanto o PCP, recorrendo ao jornal oficial "Avante!", criticou a postura "fanfarrona" e a atenção mediática atribuída ao rival da esquerda. O BE participava, desde fevereiro, em diversos grupos de trabalho temáticos, com Governo e independentes, sobre política orçamental. O PCP manteve um núcleo restrito de negociadores exclusivamente com o executivo do PS.

A propósito da nomeação de cinco novos elementos para o Tribunal Constitucional, em julho, o BE foi consultado pelo PS, tal como o PSD, para indicar um dos nomes dos novos juízes do Palácio Ratton e o PCP queixou-se de ser discriminado por ter ficado de fora.

Em setembro, foi notícia o "imposto Mortágua" - adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) para património de luxo -, anunciado pela deputada e vice-presidente da bancada bloquista Mariana Mortágua. A resposta veio outra vez no "Avante!", pelo líder do grupo parlamentar do PCP, João Oliveira, que acusou uns partidos, que fazem parte da atual solução governativa, de "espalhar com as patas" enquanto outros andam a "juntar com o bico", pois "uma ideia que podia vir a ser uma boa proposta fiscal foi imediatamente transformada num alvo de todo o tipo de bombardeamento especulativo" por parte da oposição.

Já durante a discussão sobre o Orçamento do Estado para 2017, o secretário-geral comunista lamentou que o BE se ponha "em bicos de pés" sobre iniciativas dos comunistas e elogiou "a franqueza" do primeiro-ministro e a postura constitucional do Presidente da República.

Em novembro, na polémica sobre a nova administração da Caixa Geral de Depósitos, tanto BE como PCP foram contra a escusa dos gestores em declarar rendimentos e património e os seus altos salários, mas só os bloquistas se juntaram a PSD e CDS-PP para aprovar a obrigatoriedade daquela diligência. O PCP recusou votar ao lado da oposição, confiando no Tribunal Constitucional.

Adeus, Portas. Olá, Cristas.

Assunção Cristas protagonizou a única mudança de liderança partidária de 2016, sucedendo a Paulo Portas na presidência do CDS-PP, e poucos meses depois da eleição em Congresso estava na corrida pela presidência da Câmara de Lisboa.

Assunção Cristas tornou-se a sétima líder do CDS, a primeira mulher nesse cargo, pondo fim a um ciclo de 16 anos da mais longa presidência centrista, do carismático Paulo Portas. A presidência de Cristas foi pontuada por um único momento de agitação interna, em agosto, quando o partido historicamente alinhado na política angolana com a UNITA é convidado e resolve estar presente, pela primeira vez, no Congresso do MPLA.

Nessa altura, são verbalizadas críticas a Assunção Cristas que vão além da participação no congresso do partido do regime em Angola e Raúl de Almeida, apoiante de Lobo D'Ávila, acusa a líder de se comportar mediaticamente como uma "atriz de telenovelas" enquanto no país os incêndios assolam concelhos governados pelo CDS, como Albergaria. As críticas silenciam-se depois do anúncio, na ‘rentrée’ do partido, no concelho de Oliveira do Bairro, da candidatura da líder à presidência da Câmara de Lisboa.

Nas primeiras eleições da era Cristas, as regionais dos Açores, o partido aumentou o seu grupo parlamentar de três para quatro deputados, reelegendo mandatos pelas ilhas Terceira e São Jorge e reforçando o número de parlamentares eleitos pelo círculo de compensação de um para dois. A líder pediu recentemente que o CDS se concentre nas eleições autárquicas de 2017, as únicas, frisou, que estão no calendário.

Marcelo, pela estabilidade e pelos afetos

Eleito em janeiro, Marcelo iniciou funções a 9 de março deste ano. Aos 67 anos, o ex-comentador político e professor universitário de direito elencou os seguintes princípios para o seu mandato presidencial: "Afetos, proximidade, simplicidade e estabilidade”. Apesar de vir da mesma área política, Marcelo cortou radicalmente com o estilo presidencial de Cavaco, que saiu de Belém aos 76 anos e tem agora um gabinete o recuperado Convento do Sacramento, em Lisboa, onde estará a concluir as prometidas memórias dos seus tempos da presidência.

Marcelo Rebelo de Sousa inovou logo no dia da investidura, em que chegou a pé ao Palácio de São Bento e assinalou a data com um encontro de religiões e um concerto, em Lisboa, estendendo depois as cerimónias ao Porto, dois dias mais tarde.

O novo Presidente teve um início de mandato intenso, com mais de 250 iniciativas - entre visitas, encontros e audiências - nos primeiros 100 dias em funções. Os portugueses têm-no ouvido quase diariamente, e com frequência várias vezes ao dia, a comentar e enquadrar os mais variados temas da atualidade, num tom de distensão e, no essencial, convergente com o Governo, embora com reparos.

Tem insistido em acordos de médio prazo em áreas como a saúde, a justiça, a educação e a segurança social e apelado à valorização da concertação social, num momento em que se negoceia o valor do salário mínimo nacional.

Uma das suas afirmações mais polémicas aconteceu a 24 de maio, sobre a possibilidade de haver instabilidade política após as eleições autárquicas de 2017. "Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da República vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas. Depois das autárquicas, veremos o que é que se passa", declarou. No entanto, apressou-se a justificar as suas palavras na manhã seguinte, enquadrando-as como uma referência à tradição de as autárquicas terem consequências nas lideranças partidárias.

Nestes nove meses, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não recorreu ao Tribunal Constitucional e utilizou três vezes o poder de veto político, em relação a dois diplomas do parlamento sobre a gestação de substituição e a estatização dos transportes do Porto - o primeiro dos quais acabaria promulgado numa segunda versão - e a um decreto do Governo sobre acesso a informação bancária.

Até hoje, realizou 20 deslocações ao estrangeiro, três das quais visitas de Estado, a primeira em maio, a Moçambique, e as outras em outubro, à Suíça e a Cuba - onde teve um encontro com o líder histórico cubano Fidel Castro, entretanto falecido. As suas saídas do país foram quase todas de curta duração, para encontros institucionais ou cimeiras, e a maioria a capitais de países europeus: Vaticano, Espanha, Itália, Alemanha e Reino Unido. O chefe de Estado esteve também no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, França, e foi recebido em Casablanca pelo rei de Marrocos. Deslocou-se duas vezes às Nações Unidas, em Nova Iorque, a primeira em campanha pela candidatura de António Guterres a secretário-geral desta organização, e a segunda para ver o seu amigo de longa data e antigo primeiro-ministro prestar juramento antes de iniciar funções em 01 de janeiro. Marcelo Rebelo de Sousa viajou ainda três vezes para assistir a jogos do Euro 2016, em França, incluindo a final, que Portugal venceu. Este ano, destacam-se ainda as inéditas comemorações do 10 de Junho em Paris com os portugueses residentes em França, juntamente com o primeiro-ministro, e a deslocação ao Brasil em agosto para a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Em território nacional, realizou três edições de uma iniciativa a que chamou "Portugal Próximo", no Alentejo, em Trás-os-Montes e na Beira Interior, e visitou a Região Autónoma da Madeira, incluindo os subarquipélagos das Desertas e Selvagens. Evitou os Açores em ano de eleições regionais, mas tem agendadas duas visitas a esta região em 2017.

Marcelo Rebelo de Sousa justificou esta intensa atividade declarando que quer "fazer tudo o que puder" neste mandato de cinco anos: "Não estou à espera de um segundo mandato para depois fazer o que não consegui fazer no primeiro”. De referir, porém, que o Presidente da República tem sugerido em inúmeras ocasiões que não pretende fazer um segundo mandato, mas nunca assumiu claramente esse compromisso.

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