Os textos do poeta francês foram os escolhidos para o recital que hoje decorreu no Teatro da Cornucópia, em Lisboa, e que marcou o fim da atividade da companhia de teatro, fundada há 43 anos.

A Cornucópia anunciou na sexta-feira que ia fechar portas, justificando a decisão com o facto de a companhia de teatro discordar com os atuais modelos de gestão.

"Pensamos que, ao longo destes anos, fizemos muito e menos mal, mas também julgamos já ter idade para ousar dizer que não sabemos nem queremos adaptar-nos a modelos de gestão a que dificilmente nos habituaríamos a cumprir. Isso faríamos mal. Talvez seja tempo de parar a atividade", podia ler-se no comunicado divulgado na sexta-feira pelo teatro.

Uma hora antes das 16:00, o horário programado para o início do recital, de entrada gratuita, uma fila com mais de uma centena de pessoas era visível junto das portas do teatro, em pleno bairro do Príncipe Real.

Nem todas conseguiram assistir ao recital, que contou com a participação de atores e músicos que têm trabalhado ao longo dos anos com a companhia. Já decorria o espetáculo e outra centena de pessoas aguardava entrada no ‘hall’ do teatro.

Com uma lotação de 115 lugares sentados (visivelmente ultrapassada), a sala do Teatro da Cornucópia encheu-se de uma plateia intergeracional, incluído várias crianças, e alguns notáveis. A assistir na primeira fila estavam nomes como Edite Estrela (deputada socialista), Rui Vieira Nery (musicólogo), Augusto M. Seabra (colunista e crítico), Rita Blanco (atriz) e Leonor Xavier (jornalista e escritora).

No palco, um piano de cauda, um púlpito azul, um alinhamento de cadeiras e uma mesa de madeira enquadravam as palavras de Guillaume Apollinaire, um dos mais importantes ativistas culturais da vanguarda, do início do século XX, que ecoavam pelas vozes dos vários atores presentes, também eles representativos de várias gerações.

A quebrar o silêncio e a concentração, a entrada da atriz Márcia Breia em cena e o abraço longo e emotivo a Luís Miguel Cintra, que fundou o Teatro da Cornucópia em 1973, com Jorge Silva Melo.

Ao longo de quatro décadas, a Cornucópia centrou-se sobretudo na dramaturgia contemporânea, "com a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função ativa na realidade cultural portuguesa", como se lê no ‘site’ do grupo de teatro.

Encenaram-se peças de Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, mas também Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett e António José da Silva.

Conta, segundo elenca o teatro, “126 criações no histórico, três estreias mundiais, 25 textos dramáticos portugueses, dezenas e dezenas de atores de todas as gerações, encenadores convidados, espetáculos acolhidos e coproduzidos".

Em 1975, a companhia mudou-se para o Teatro do Bairro Alto (antigo Centro de Amadores de Ballet), onde permaneceu até à atualidade.

Hoje, o ministro da Cultura considerou que o Teatro da Cornucópia tem uma história extraordinária e "uma situação especial" e afirmou que, se a companhia decide que quer sobreviver, o Governo está disposto a conversar.

"A companhia anunciou que queria encerrar. A partir do momento em que decide sobreviver, vamos conversar", declarou Luís Filipe Castro Mendes aos jornalistas, com o Presidente da República ao seu lado, no palco do Teatro da Cornucópia, em Lisboa, depois de os dois terem estado à conversa com a direção da companhia.

Luís Castro Mendes lembrou ainda que "há uma dotação para 2017, que é igual à dotação" de 2016, e que a renda do teatro "também está garantida até ao fim de 2017".

Hoje foi igualmente lançado o segundo volume do livro "Teatro da Cornucópia - Espectáculos de 2002 a 2016", que reúne informação sobre 52 criações, e o DVD do espetáculo "Fim de citação", de Joaquim Pinto e Nuno Leonel.

Uma petição ‘online’ a defender o estatuto do Teatro da Cornucópia como património nacional e a contestar o fim daquela companhia de teatro reunia hoje à tarde mais de 460 assinaturas.