Na rua, nada. A folia ficou em casa, os carros alegóricos nas garagens, os desfiles dos corsos não passaram de uma miragem digital. Ovar, Estarreja, Mealhada, Torres Vedras ou Loulé tiveram mesmo de volver esforços para fazer a festa possível. Porque hoje a Internet não serviu só para acompanhar desporto, trabalhar ou ver Netflix. Serviu também para não fazer esquecer o Carnaval.
A estranheza é digna dos tempos que se vivem. Porque Carnaval é sinónimo de festa por estas alturas e por muitas bandas. É rua, é festa, é calor humano. O pé não fica quieto, as pessoas dançam enquanto exibem fatos e máscaras. Há ziguezague nas ruelas, há fila para ver o desfile. Há gente nas bancadas e "sambódromos" improvisados à boa dimensão portuguesa.. Mas fica difícil passar o dia quando não dá para ajudar a alimentar as ruas com a música que sai dos corpos vibrantes.
A pandemia virou a vida do avesso. Disso ninguém duvida, todos o sabemos há quase um ano. Mas fica estranho não haver espaço para "enquanto houver um folião na rua, o Carnaval de Torres Vedras continua", a título de exemplo. Assim reza a história desde 1930; assim custa parar em 2021. Mas é o que tem de ser. É a regra. E por isso o folião teve de sair à rua em casa. Nesta cidade do Oeste e em muitas outras terras.
Depois, é a tal coisa. Enquanto uns lamentam o parco festejo, há quem tenha vivido apenas mais um dia normal e igual a tantos outros. Pouco ou nada teve de que ver com espírito carnavalesco. O mais provável é até que, se não fosse a televisão a recordar, o dia passasse mesmo incólume em localidades pouco ligadas ao festim. A terça-feira de Carnaval era só mais uma terça-feira. Até o governo fez questão de o relembrar quando teve pouca tolerância para o dia.
Só que tal não significa que muitas autarquias não o fizessem. O governo não o fez, mas os locais não esquecem os seus costumes, mantendo algumas das tradições através da internet. Em alguns sítios, tal como em Macedo de Cavaleiros (Bragança), os Caretos de Podence celebraram o Entrudo Chocalheiro à varanda e a queima para terminar o dia é meramente simbólica. Um pouco como a data que hoje se assinala.
Simbólico porque foi tudo cancelado. De Norte a Sul, do continente às ilhas. Na Madeira, por exemplo, o cartaz turístico do Carnaval foi todo por água abaixo — até com o encerramento das atividades comerciais às 17:00 e recolher obrigatório às 18:00 durante toda a semana para evitar qualquer ideia que surgisse. Na Nazaré, um dos carnavais que mais apela à comutação alheia e sem grande horário a seguir teve a autarquia a desincentivar qualquer iniciativa popular. E isto são apenas alguns exemplos. Há mais.
Os cortejos carnavalescos viveram (ou vivem) como uma grande maioria sente que vive: online. Não é que não houvesse baile ou samba. Houve, graças a várias transmissões e pedidos de movimentos que não deixaram que o dia passasse sem tirar o pé do chão. Houve quem pedisse ao folião para se mascarar e ir à janela para ser fotografado. E assim foi a sina do folião pandémico de 2021. Bateu o samba e até botou a máscara, mas no chão da sala. Na rua, máscara só a da covid-19.
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