"Com os primeiros dias de setembro, terminou o período consagrado pela moda à vilegiatura de Sintra. Desde que o mês de agosto finda, até que S. Carlos começa, prescrevem as praxes que a estação marítima suceda à estação de montanha. Enchem-se nesta época, até deitar por fora, as praias de banhos da saída do Tejo e do litoral desde Setúbal até Âncora. Lisboa inteira debanda. [...] Mas de todas as praias portuguesas, é principalmente Cascais a que herda de Sintra a elite do seu verão". O texto é retirado de "As Praias de Portugal: Guia do banhista e do viajante", escrito por Ramalho Ortigão, em 1876, referindo-se a Cascais, rainha das praias portuguesas, sob o alto patrocínio da Família Real.

O autor de "As Farpas" retratou minuciosamente a paisagem, os hábitos, as "acomodações turísticas", deixou conselhos e recomendações, fossem elas "precauções higiénicas", duração de mergulhos e "socorros aos afogados", assim como uma "reconstituição dos temperamentos e dos caracteres pelo banho frio". 20 locais, todos a norte de Setúbal: Foz, Pedrouços, Póvoa de Varzim, Granja, Espinho, Ericeira, Nazaré, Figueira da Foz e Setúbal, praias de Leça e Matosinhos, as praias "de Pedrouços a Cascais" e as "praias obscuras", Âncora, Apúlia, Furadouro, Costa Nova, S. Martinho do Porto, Assenta, Santa Cruz, S. Pedro de Moel, Porto Brandão, Alfeite e Fonte da Pipa.

Ora reconheçamos que não temos o dom literário de Ortigão. E acrescentamos que a ida a praia há muito que deixou de ser privilégio da aristocracia e de gente fina que se fazia acompanhar pela criadagem, assim como as justificações para por o pé na água vão muito além dos fins medicinais.

Muitas das praias atrás elencadas, ainda hoje, são paragens obrigatórias de verão que passa de geração em geração. Sem pretender apresentar um guia exaustivo sobre a areia e sal, de praias mais bonitas ou mais in, começamos de chinelos e creme de proteção elevada e terminamos de casaco de lã vestido numa seletiva viagem pela costa continental portuguesa para depois apanharmos o voo e barco até aos Açores e Madeira. Há seguramente outras praias para além das que se seguem, não duvidamos, pelo que citamo-las quase de memória, com a certeza que estão, seguramente, cada uma delas, na cabeça de cada um de nós.

Apanhar o comboio para a praia e comer uma bola de Berlim no Barril

As âncoras alinhadas na Praia do Barril, em Pedras d"el Rei, Tavira, para onde se chega passando uma ponte provisória com décadas e saltando para bordo de um comboio que faz lembrar o mítico anúncio dos chocolates de leite "Fantasia de Natal" são postais da praia com as melhores bolas de Berlim de que há memória e que, ano após ano, o "senhor Guerreiro" vende às famílias que em cada verão se estendem num areal que, infelizmente, vai estreitando.

Começa aqui a nossa viagem, numa praia que me é familiar, para onde fui em pequeno, durante os tempos de faculdade e agora casado, bom rapaz e com filhos. Esta zona do Algarve tem ainda como referência a praias de Monte Gordo e a Praia Verde, numa tradição que nasce na era democrática. Seguindo, damos um salto até à praia da Falésia, Albufeira, deslumbramo-nos com a Praia da Rocha, o Alvor ou com o areal da Meia Praia, em Lagos. Chegados a Sagres, soprados pelo vento, entramos na água gelada nas praias lá em baixo e assistimos ao pôr-do-sol cá em cima, na ponta mais ocidental de Portugal continental.

Rumamos a norte. A costa vicentina, outra tradição bem recente, servirá, por certo, para formar novas gerações de veraneantes. Aljezur, Odeceixe, Zambujeira do Mar, que entrou no mapa muito por culpa dos festivais de música, até Vila Nova de Mil Fontes. E aqui, neste refúgio alentejano, a divisão familiar ganha vida no areal e ondas do Malhão, uma praia que se divide em três, ou na paisagem escarpada dos Aivados.

Novo pulo. Grândola é Vila Morena e nas suas praias convivem ditas elites e famílias do Alentejo profundo que têm nestas areias finas a praia mais à mão. Entramos em Tróia, em Setúbal, e no mar azul turquesa da Figueirinha e chegamos a Sesimbra.

Na Ericeira o Mar é mais azul e o sol só depois do meio-dia

Neste jogo da memória, e no caso com propriedade de conhecimento de 25 verões bem passados, passamos para norte de Lisboa e para um local com tradição secular já referenciado por Ortigão. A Ericeira, vila de pescadores e de surfistas, hoje transformada em condomínios com piscina e vista de mar. A Ericeira do mar batido, dos limos e pedregulhos que subiam e desciam o areal consoante a força do mar, da areia grossa, das crianças atiradas para dentro de água quase à sua sorte para aprenderem a dar as primeiras braçadas com a ajuda dos "banheiros", nome hoje substituído por Nadadores-Salvadores, da primeira ida para dentro de água com pranchas, dos toldos às riscas, dos queques e dos biscoitos comprados na Casa Gama, das brincadeiras nas Furnas e as noites na discoteca Ouriço (sim, porque sítio de praia que é praia tem de ter alguma desculpa para se ver o nascer do sol), em suma, na vila que se arroga em que ali "o mar é mais azul". Sim, é. Mas, acrescentamos que para ver a cor do céu, que se espera ser azul nesta época, só mesmo, muitas vezes, depois do meio-dia.

A neblina matinal é característica, aliás, de toda esta costa, começando antes na Praia das Maçãs, Praia Grande e estendendo-se por Santa Cruz, Peniche, Baleal, Foz do Arelho, São Martinho do Porto e São Pedro de Moel, com as rebentações na areia e a disposição e arquitetura das moradias de férias influenciadas pelo estilo modernista e marcadas pela personalidade dos projetos e em que, seguindo um roteiro pelas mesmas, deparamos com o nome das famílias, ou na Nazaré, outrora frequentada por gente fina acompanhada das suas empregadas que iam a banhos para tratar maleitas e cuja promoção externa alterna entre os gritos das peixeiras de "room, chambre e zimmer" e a praia do Norte com o "canhão" adormecido neste mês.

Seguindo a Costa de Prata, o extenso areal da Figueira da Foz e o Casino, local de muitos flirts, a Praia de Mira, única do país com Bandeira Azul há 30 anos consecutivos e a sua Barrinha, uma piscina gigante natural, local colocado no mapa com as "invasões francesas" de turismo, a Tocha, Quiaios ou Torreira e os fundões da Furadouro, já em Aveiro, é só repescar e refrescar a memória.

Os Casinos à beira-mar plantados nas águas que quebram ossos

Entrada na Costa Verde, às praias do Norte. Na Invicta, o copo de fim de dia nos Inglesinhos, Leme e Luz, a Praia de Leça, outrora a preferida da colónia inglesa que residia no Porto, com o Clube de Vela Atlântico e vista para o restaurante Brisa Mar ou para Marisqueira de Matosinhos, o areal de Espinho e da Póvoa do Varzim, com tradição cosmopolita e com Casinos à beira-mar plantados para animar os serões e Vila do Conde.

Para Esposende, se na Apúlia, dividida entre a pesca e a apanha do sargaço, colorida por toldos e barcos, com dunas que protegem do vento forte e águas pouco revoltas com iodo qb cujo efeito terapêutico está à vista, já em Ofir com o seu Pacha, a cura é outra.

Em Viana do Castelo, em Afife e a Praia do Cabedelo, spots da preguiça ao sol e das caminhadas nas dunas e do surf. Tal como Ramalho Ortigão escreveu, há também Vila Praia de Âncora, no Minho. Acrescentamos Moledo, em Caminha, rica em iodo, provavelmente uma das praias menos democráticas do país. As águas geladas, quebra-ossos, as ventanias estivais convidam mais às camisolas de lã do que a proteções solares. O mar aqui abraça o rio, namora a montanha e tem debaixo de olho o forte da Ínsua e Espanha, na outra margem. Este é o fim de linha na costa continental portuguesa de que nos despedimos em beleza alimentados pelo famoso croquete do "Palma".

Águas quentes no meio do Atlântico

Voamos para as ilhas, a Madeira em primeiro lugar. Se a tradição de outrora muitos madeirenses faziam das Canárias, Espanha, a sua praia de eleição, o extenso areal da ilha de Porto Santo, as piscinas do Lido ou as piscinas naturais de Porto Moniz tem resistido no tempo neste paraíso de águas. Já os Açores, cada ilha, entre Fajãs, pedras e areia fina e escura, cada qual terá, com certeza, a sua história. Biscoitos e Prainha, na terceira, Almoxarife, no Faial e Ribeira Grande, em São Miguel, constituem exemplos que aqui destacamos.

Se começamos com o excerto de um clássico da literatura portuguesa, deixamos no final, como sugestão, em especial para uma nova geração, quiçá mais itinerante, o livro "Tanto Mar", de Pedro Adão e Silva e João Catarino, escrito numa viagem num "Pão de Forma" pela costa continental portuguesa. Por certo, algumas das 10 praias descritas como as melhores para surfar lhe são familiares. Muitas outras poderíamos acrescentar. Para surfar, para nadar, mergulhar, bronzear ou namorar, umas fazem parte da nossa história e outras entrarão para memória futura.

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