“A polícia usou força irracional (…) Não havia necessidade de levar alguns jovens para à esquadra”, disse à Lusa o deputado Sulu Sou.

Já o deputado Au Kam San, pai das duas mulheres detidas e organizador da vigília que decorreu no interior de uma habitação, diz ter ficado em “choque”.

“Nunca imaginei que uma assembleia pudesse ser assim definida. Se esta definição absurda se mantiver, qualquer pessoa de Macau pode ser acusada de reunião ilegal em qualquer altura”, apontou, na rede social Facebook.

Au Kam San referiu assim à justificação que as autoridades deram para deter as suas filhas por mais de três horas, até por volta das 02:00 de hoje (19:00 de quinta-feira em Lisboa).

“Verificou-se que duas mulheres eram suspeitas de violar as instruções relevantes deste departamento e realizaram atividades de manifestação”, indicou o Corpo de Polícia de Segurança Pública.

“Como as duas mulheres mencionadas acima eram suspeitas de violar as leis de ‘Direitos de reunião’ (…), a polícia levou-as a este departamento para uma investigação mais aprofundada”, acrescentou-se na mesma nota.

As detenções aconteceram por volta das 22:30 de quinta-feira (15:30 em Lisboa), no largo do Leal Senado, local onde normalmente se realiza a vigília para lembrar os milhares de mortos no dia 04 de junho de 1989, um acontecimento que Pequim até aos dias de hoje não reconhece.

O deputado partilhou uma fotografia tirada por uma das suas filhas onde se pode ver duas velas de plástico e um panfleto alusivo à data e ainda a sua outra filha sentada num banco em frente à igreja de São Domingos.

Au Kam San, um dos organizadores da vigília, que desta vez teve de ser feita na casa da sede da União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia, porque as autoridades proibiram a vigília para assinalar no território o massacre de Tiananmen. A data foi assinalada, com transmissão ‘online’, por cerca de 10 pessoas, dentro de uma casa, entre as quais as duas mulheres detidas.

A vigília no largo do Leal Senado foi proibida pela polícia devido risco pandémico que se vive no território, uma justificação validada pelo Tribunal de Última Instância. Macau não regista casos novos há cerca de dois meses e teve no total 45 infetados com a covid-19.

Sulu Sou também viu a sua ideia rejeitada, pelas autoridades, de fazer várias ‘mini-vigílias” em diferentes locais emblemáticos da cidade, com reuniões até cinco pessoas, de forma a respeitar as diretrizes contra aglomerações instauradas por causa da pandemia.

“Acredito que quanto mais o Governo suprimir a sociedade civil, mais os cidadãos resistirão”, afirmou hoje à Lusa.

A poucos quilómetros de distância, na vizinha Hong Kong, que juntamente com Macau são os únicos sítios na China onde Tiananmen pode ser lembrado, milhares de pessoas ignoraram as ordens policiais e assinalaram o evento.

A transferência da administração de Macau ocorreu no final de 1999, pouco mais de dois anos depois de a China ter recuperado a soberania sobre a antiga colónia britânica de Hong Kong.

Na antiga colónia britânica verificou-se, uma vez mais, confrontos com a polícia, que tentou impedir as reuniões públicas, também não autorizadas no território pela mesma razão: a covid-19.

Em ambos os territórios, Pequim aplicou o princípio “Um País, Dois Sistemas”, que permitiu a Hong Kong e Macau manterem o sistema capitalista e o seu modo de vida, incluindo direitos e liberdades de que gozavam as respetivas populações.

As duas regiões têm autonomia em todas as áreas, exceto na diplomacia e na defesa.