Quase dois meses volvidos sobre o início da invasão russa da Ucrânia – iniciada a 24 de fevereiro – o chefe de Estado ucraniano discursa na quinta-feira na Assembleia da República, depois de já se ter dirigido aos deputados de vários países tais como o Japão, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França ou a Austrália.
Tendo-se destacado por utilizar exemplos nacionais para comparar a situação da Ucrânia com a de momentos históricos dos países a que se dirige – em Espanha, referiu-se ao bombardeamento de Guernica; em França, abordou a batalha de Verdun, durante a primeira guerra mundial – Zelensky também não se tem coibido de criticá-los: no parlamento alemão, por exemplo, afirmou que a ajuda alemã tinha chegado “demasiado tarde”.
Naquela que será a primeira vez que um chefe de Estado estrangeiro discursa na Assembleia da República por videoconferência, a intervenção de Zelensky constituirá também um marco nas relações bilaterais entre Portugal e a Ucrânia, cujos contactos ao mais alto nível têm sido escassos desde a dissolução da União Soviética e subsequente independência ucraniana, em 1991.
Nos 31 anos que decorreram desde então, nunca nenhum Presidente da República português fez uma visita de Estado à Ucrânia. Em sentido contrário, a última visita de um chefe de Estado ucraniano a Portugal foi em dezembro de 2017, com a deslocação de um dia de Petro Poroshenko a Lisboa, onde se encontrou com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro, António Costa, e o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Desde então, com a tomada de posse de Zelensky em 20 de maio de 2019, as relações bilaterais entre Portugal e a Ucrânia ficaram sobretudo marcadas por um episódio: a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, em 19 de março de 2020, num centro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa.
Numa conversa telefónica com Marcelo Rebelo de Sousa em dezembro de 2020, Zelensky agradeceu a “justa compensação” de 800 mil euros dada pelo Estado à família de Homenyuk, mas pediu uma “investigação completa e imparcial sobre as circunstâncias da morte”.
Na ocasião do telefonema, Marcelo convidou Zelensky a visitar Portugal durante a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021, tendo o chefe de Estado ucraniano retribuído com outro convite para que o seu homólogo se deslocasse à Ucrânia. Nenhuma das visitas se concretizou.
Em 24 de fevereiro de 2022, dia em que a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia, a classe política portuguesa, com exceção do PCP, condenou unanimemente e “de forma veemente” a “ação militar russa” que, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, constituiu uma “violação ostensiva e flagrante do direito internacional”.
A condenação fez-se acompanhar de medidas de apoio militar – em 26 de fevereiro, o Governo anunciou o envio de coletes, capacetes, óculos de visão noturna, entre outros –, imposição de sanções económicas à Rússia no quadro da União Europeia (UE), e a disponibilização de vistos humanitários para refugiados ucranianos.
Três dias após o início da guerra, numa conversa telefónica com Marcelo, Zelensky agradeceu o encerramento do espaço aéreo português aos aviões russos, “o apoio à retirada da Rússia do SWIFT e o apoio concreto a nível da defesa”.
“Portugal forneceu armas, equipamentos de proteção individual, entre outros, à Ucrânia. Juntos somos mais fortes”, escreveu Zelensky na sua conta oficial da rede social Twitter.
Desde então, os contactos ao mais alto nível têm sido escassos – Marcelo reconheceu, em 8 de abril, que não falou recentemente com o seu homólogo ucraniano –, com as primeiras ‘brechas’ a começarem a aparecer nas relações entre Portugal e a Ucrânia a partir de março, devido à posição do Governo português quanto à adesão ucraniana à União Europeia (UE).
Depois de, em 10 de março, à entrada para a cimeira de Versalhes, António Costa ter afirmado que essa adesão não era o que a Ucrânia “hoje precisa”, devido à morosidade e imprevisibilidade do processo, Zelensky avaliou individualmente cada uma das posturas dos 27 líderes europeus durante a cimeira do Conselho Europeu de 24 de março.
No que se refere à posição de Portugal, Zelensky foi sintético, utilizando apenas três palavras: “Bem, está quase…”. No dia seguinte, a embaixadora ucraniana em Portugal, Inna Ohnivets, em entrevista à Rádio Renascença, reforçou as palavras do Presidente, afirmando que a Ucrânia estava à espera de “uma posição mais ativa do Governo português” sobre a matéria.
Perante as críticas do Presidente ucraniano, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que Portugal está a fazer “tudo o que é possível” e “tudo o que pode” para ajudar a Ucrânia, reconhecendo, no entanto, que “quem está a viver uma guerra queira sempre mais”.
António Costa também afirmou que Portugal tem prestado “todo o apoio à Ucrânia que é necessário”, nomeadamente ao nível humanitário, mas também de “fornecimento de equipamento militar, inclusive equipamento letal”.
Desde o início da guerra na Ucrânia, Portugal já enviou entre 60 e 70 toneladas de material de guerra para a Ucrânia, segundo disse, em 6 de abril, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho.
Na segunda-feira passada, a ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, anunciou que seriam enviadas “em breve” mais 99 toneladas de material médico e militar para a Ucrânia, como forma de reafirmação do “apoio de Portugal à resistência dos ucranianos contra a agressão da Rússia”.
Ao apoio de tipo militar, acresce ainda a imposição de sanções à Rússia, nas quais Portugal participa no quadro europeu, assim como o acolhimento a cidadãos ucranianos ou residentes na Ucrânia: segundo dados divulgados na segunda-feira, Portugal tinha autorizado até à data 31.543 pedidos de proteção temporária de pessoas que fugiram da guerra da Ucrânia.
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