“É possível considerar algum Governo de esquerda sem o PCP? É possível considerar alguma política de esquerda em Portugal sem o PCP? Nem sem o PCP e muito menos contra o PCP. (…) Nós consideramos que somos um polo de convergência e não há nenhuma convergência sem a nossa participação”, defende Paulo Raimundo em entrevista à agência Lusa.
O líder comunista reforça que uma convergência à esquerda sem o PCP “não é concretizável, não é possível”, mas ressalva que essa “convergência não vale pela convergência, vale pelo conteúdo das convergências”.
“Nós não passamos cheques em branco, nem ficamos dependentes apenas da vontade dos outros. Quando nós temos um processo de convergência, é preciso que se construa essa convergência, não é subscrever em nome disto ou daquilo tudo e um par de botas”, sublinha.
Paulo Raimundo refere que, caso o PS venha a formar Governo, o PCP irá apoiar “tudo o que é positivo e votar contra tudo o que é negativo” e, questionado se isso significa que irá avaliar eventuais entendimentos proposta a proposta, respondeu: “Claro, não tenha dúvida nenhuma sobre isso”.
O secretário-geral do PCP rejeita a ideia de que uma avaliação proposta a proposta possa pôr em causa a estabilidade governativa, contrapondo que a ‘geringonça’, em 2015, não foi estável por basear-se num acordo escrito, mas devido à “correlação de forças que existia e a resposta aos problemas concretos”.
“Parte do princípio de que aquele acordo escrito que foi assinado em 2015 teve alguma consequência na nossa postura. Não teve. Aliás, o meu camarada Jerónimo de Sousa disse isso várias vezes: nós não precisamos de acordos escritos, precisamos é da palavra dada”, afirma.
Questionado se essa postura não é uma maneira de procurar escapar a responsabilidades, Paulo Raimundo considera que, pelo contrário, representa o assumir de ainda mais responsabilidades, porque o PCP teria de “dar a cara pela proposta concreta” que decidir aprovar ou inviabilizar.
O líder do PCP considera que “o cenário de 2015 não se vai repetir agora, é impossível repetir-se”, em particular por razões que se prendem diretamente com aquela época.
“Nós, em 2015, o que fizemos, por responsabilidade da luta do nosso povo e com a força que os trabalhadores e o povo deram à CDU, foi criar maioria suficiente para afastar o PSD e o CDS do Governo. Esse foi o primeiro objetivo, que não está colocado neste momento”, afirma.
Por outro lado, Paulo Raimundo salienta que há atualmente “um elemento novo” que não existia em 2015, referindo-se aos “dois últimos anos de maioria absoluta do PS que mostrou ao que vem”.
“A única forma de trazer o PS a posições positivas, a propostas positivas, a respostas concretas aos problemas, não é dar força ao PS, é dar força ao PCP e à CDU, porque é isso que vai condicionar, como condicionou no passado, as soluções para o país e a alternativa que nós precisamos para o país, do qual o PS não é portador”, declara.
Questionado se, caso a Aliança Democrática ganhe as eleições, mas haja uma maioria de esquerda, o PCP admitiria um acordo escrito, Paulo Raimundo diz considerar que esse cenário “não se vai colocar”, mas questiona se há algum partido em Portugal que tenha “mais experiência do que o PCP no combate à direita?”.
Paulo Raimundo defende que esse combate se faz “na vertente política, ideológica, mas é também combate no concreto”, salientando que, quando se vê “um PS a ceder, naquilo que é de fundo e estruturante, a toda a teoria, retórica e narrativa da direita, não é dando mais força ao PS que se combate a direita”.
Quais os objetivos da CDU?
“Se o objetivo que temos é aumentar os votos, a percentagem e os deputados e se, no final, se ficar exatamente na mesma - com os mesmos votos, a mesma percentagem, os mesmos deputados -, é claro que não corresponde ao objetivo que temos”, afirma Paulo Raimundo.
No entanto, o líder comunista manifesta uma grande confiança de que a CDU vai crescer nas próximas eleições legislativas, em 10 de março, mas também nas eleições regionais nos Açores, em 4 de fevereiro, salientando que essa confiança assenta em “factos concretos”, considerando que o partido está “ligado à realidade e aos problemas”.
“Nós temos tido dinâmicas muito próprias, umas de gente mais próxima de nós, outras mais afastadas, que estão a dar esse passo de apoio público à CDU, gente que nunca o tinha feito”, sublinha, acrescentando que isso dá “muita confiança” à coligação.
O secretário-geral do PCP mostra-se confiante de que os membros da CDU irão estar “satisfeitos no dia 10 de março à noite” e acrescenta que, caso a coligação cresça em número de votos e de deputados, os objetivos estariam “cumpridos do ponto de vista eleitoral”.
“Nós não temos um objetivo numérico, mas um dos contributos de que o nosso povo e os trabalhadores precisam é de que nós recuperemos os deputados, desde logo aqueles que em 2022 perdemos”, refere.
Questionado se considera que há distritos onde será mais difícil conseguir recuperar representação - como em Santarém ou Évora -, Paulo Raimundo responde que a coligação fez “apostas muito audazes” nesses círculos, referindo-se à escolha de Bernardino Soares e Alma Rivera como cabeças de lista.
Tanto em Évora como em Santarém, o secretário-geral do PCP considera que é visível a falta que fazem deputados comunistas, salientando que nenhum partido apresentou qualquer proposta referente ao círculo alentejano no Orçamento do Estado para 2024, ao contrário dos comunistas, que “apresentaram 13”.
Paulo Raimundo manifesta confiança na eleição nestes dois distritos, mas também em círculos eleitorais “que à partida serão mais exigentes”, como Faro ou Braga, nos quais a CDU não conseguiu obter representação nas últimas legislativas.
“E claro, reforçar eleitoralmente quer no Porto, quer em Lisboa, quer em Setúbal, quer em Beja, em todo o lado”, acrescenta.
Questionado se, em distritos como Santarém, Évora ou Beja, não teme uma fuga de votos da CDU para o Chega, Paulo Raimundo responde que “é matematicamente demonstrável” que essa transferência de votos não existe, mas observa que a “questão fundamental” é que um voto no partido liderado por André Ventura é um “voto perdido”.
“O voto daqueles que estão descontentes, que estão insatisfeitos, justamente indignados ou é depositado naqueles que realmente vão aos problemas de fundo, atacam as questões de injustiça e desigualdade (…) ou, se é desviado para outros, então é um voto perdido”, defende.
Para Paulo Raimundo, é preciso “dar combate aos tais grupos económicos dos 25 milhões de euros por dia”, porque “aí é que está a causa central da injustiça”, mas também combater as privatizações, “porque é a causa funda da corrupção e da negociata”.
“Esses outros apenas querem esses votos não para alterar nada disto que estamos a falar, mas para acentuar ainda mais essa política ao serviço desses grupos económicos e das privatizações e, por conseguinte, ao serviço da corrupção”, conclui.
As propostas:
Raimundo salientou que o PCP está “muito convencido na justeza” das propostas que constam no seu programa eleitoral, mas não nega “que haja propostas de outros que sejam positivas”, manifestando-se disponível “para discutir” caso haja uma maioria de esquerda.
Paulo Raimundo salientou que, no período em que houve uma convergência à esquerda, entre 2015 e 2021, não foi o programa do PCP que esteve em execução, mas, ainda assim, o partido procurou não desperdiçar “nenhuma oportunidade para ir mais longe, para pôr mais do lado dos trabalhadores e não do capital”.
Entre as prioridades que o PCP define para eventuais entendimentos com o PS no pós-legislativas, Paulo Raimundo destacou em particular as questões relativas ao “mundo do trabalho”, designadamente “os salários, o direito dos trabalhadores, o fim da caducidade da contratação coletiva”.
O líder comunista considerou que o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, está a “ver mal” quando considera que não se deve mexer na legislação laboral, salientando que “a realidade do país impõe outra política e outras medidas que não essas que ele está a refletir”.
Paulo Raimundo considerou que a necessidade de estabilidade na legislação laboral invocada por Pedro Nuno Santos para recusar alterações significa, na prática, “instabilidade na vida de milhares e milhares trabalhadores”, assim como “precariedade”, “salários baixos” e “insegurança brutal”.
Para o secretário-geral do PCP, a afirmação de Pedro Nuno Santos é o assumir que, na prática, “esta instabilidade na vida de milhares de pessoas vai continuar, os baixos salários vão continuar”.
“Pergunta-me assim: acha que o PCP pode acompanhar uma afirmação dessas? Acho que não. E vai-me perguntar a seguir: então qual é o caminho para a aproximação? Nenhum, a não ser que o PS venha não é às propostas do PCP, é à realidade da vida”, referiu.
A par das questões laborais, Paulo Raimundo destacou também como prioridade para entendimentos uma medida do programa eleitoral da CDU para garantir que 1% do Produto Interno Bruto (PIB) é investido na resposta pública da habitação, e que sejam disponibilizadas 50 mil novas casas.
A resposta aos problemas dos médicos, enfermeiros e pessoal do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é também outra das prioridades destacadas por Paulo Raimundo, sendo que a CDU propõe no seu programa a majoração de 50% da remuneração base destes profissionais e o acréscimo de 25% na contagem do tempo de serviço.
Por outro lado, Paulo Raimundo defendeu também que é necessário impedir que o poder político esteja “completamente subjugado” ao poder económico, o que considerou estar a acontecer atualmente, criticando o PS por “ter desertado deste combate por opção”.
Salientando que ainda não conhece o programa eleitoral do PS, Paulo Raimundo disse também ter ouvido uma afirmação feita por Pedro Nuno Santos de que o Orçamento do Estado para 2024 é para ser cumprido, mas avisou que esse documento não responde aos problemas do país.
“Há aqui no mínimo uma contradição entre as proclamações que são feitas do ‘agora é que é’ e depois seguir à risca o documento aprovado que, na prática, inviabiliza” que isso aconteça, disse.
Relativamente à possibilidade de eventuais divergências sobre política internacional, como relativamente à guerra na Ucrânia, poderem vir a afetar a estabilidade governativa em caso de maioria de esquerda, Paulo Raimundo rejeitou essa hipótese.
“Isso nunca foi motivo. Não foi motivo em 2015, em 1974. Não nos peçam para alterar os nossos posicionamentos internacionais, da mesma forma que nós não exigiremos ao PS ou a outro partido qualquer que altere os seus posicionamentos internacionais. Concentremo-nos no concreto naquilo em que é possível convergir”, pediu.
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