Existem casos, “que felizmente são excecionais”, em que “temos a aprovação dos credores e o juiz ignora a vontade soberana de aprovação dos credores e empurram as famílias para a insolvência”, disse à agência Lusa a advogada Filomena Villas Raposo.
Para o advogado Helder Mendes, estas decisões são “altamente imorais”.
“Acreditamos que o processo está ganho e com surpresa assistimos ao seu indeferimento” por parte do tribunal, lamentou Helder Mendes, sublinhando que estas sentenças atiram pessoas “ativas e que geram valor” para a condição de “novos pobres”.
João (nome fictício), 54 anos, decidiu pedir ajuda quando já não conseguia pagar as dívidas. No processo de insolvência, acordou com os seus credores um plano de pagamento, que foi indeferido pelo tribunal.
Com um rendimento mensal de 1.600 euros, João acordou pagar aos credores 800 euros por mês durante sete anos, tendo sido surpreendido com a decisão do tribunal.
“Quando vi o despacho fartei-me de chorar, considero indecente o que está lá escrito”, lamentou à Lusa.
No despacho, a que a Lusa teve acesso, o juiz afirma que “é essencial alterar despesas e adequá-las á nova situação financeira criada” pelo insolvente.
“Quem não tem dinheiro para viver numa casa vive num quarto, mas não pode é pedir ao Estado (…) que suporte o pagamento de despesas não compatíveis com a nova condição financeira” do devedor, refere o documento.
“Sustento mínimo condigno é assegurar as despesas de alimentação, vestuário (…) e alojamento, que se não for numa casa será num quarto, e se não numa zona agradável, será numa mais económica”, lê-se ainda no despacho.
Foi ainda decidido que ficaria a ganhar o equivalente ao ordenado mínimo nacional, doze meses por ano, durante cinco anos. Mais tarde este valor foi revisto para 665 euros, tendo em conta as despesas de saúde.
João não se conforma com a decisão e lamenta que não tenham tido em consideração os motivos que levaram ao seu endividamento.
“Isto aconteceu-me em sete anos, o tempo que tive uma papelaria”, que apesar de vender bem, teve de fechar porque a sua sócia, na altura sua mulher, gastou todo o lucro da loja.
Além da papelaria, João trabalhava por turnos numa empresa, dormindo cerca de quatro horas por dia. “Foi este o crime que cometi”, lastimou.
Como sempre gostou de “ter as contas em dia”, João ainda pagou as dívidas durante um ano com a ajuda da reforma do pai, mas tornou-se insustentável.
A situação agravou-se quando partiu uma perna, num acidente de trabalho. Foi nessa altura que decidiu pedir ajuda.
Hoje vive com 665 euros por mês. Perdeu a casa, que foi vendida para pagar as dívidas, e vive numa arrendada, onde não tem praticamente nada.
Para Filomena Villas Raposo, estas situações não podem acontecer: “estamos a falar de pessoas sérias, que têm um problema e gastam dinheiro para se dirigir ao tribunal” para regularizarem a sua situação e depois “são confrontadas com a oposição do juiz”.
Felizmente, ressalvou, são “casos raros”. “Na maioria, os tribunais e os magistrados funcionam extraordinariamente e os processos correm extraordinariamente bem, sem engulhos, sem problemas porque não há caso para isso”.
Para a advogada, é preciso haver “uma maior sensibilização” nesta área. “É uma matéria que vai estar em tribunal por muito mais tempo e é necessário que os tribunais a vejam de bons olhos e permitam às pessoas que apostam nos tribunais resolver estes problemas”.
Contactado pela Lusa, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) afirmou que a “matéria em causa tem natureza jurisdicional, pelo que a reação a tais decisões deva ser feita através da interposição de recurso”.
Questionado sobre se foram apresentadas queixas, o CSM afirmou que “não tem um registo de queixas por temas”, mas adiantou que, “na pesquisa possível não foram encontradas queixas sobre tal assunto”.
Segundo dados do Ministério da Justiça, foram decretados em 2014, 10.242 processos de insolvência de particulares, número que subiu para 10.585 em 2015.
No primeiro semestre de 2016 foram decretados 5.216.
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