Francisco-Xavier de Meireles falava hoje num encontro junto do memorial das vítimas portuguesas do crime na África do Sul, na Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Benoni, leste da capital sul-africana, que mobilizou cerca de 50 comerciantes e empresários portugueses alvo de saques e destruição, por tumultos xenófobos, em Gauteng, província envolvente a Joanesburgo e Pretória.

"Apoiar o apelo do Fórum [Português da África do Sul] é hoje mais importante do que nunca. Nós temos que estar organizados, temos que saber prevenir para não termos que remediar", começou por afirmar o diplomata português, num comentário que "arrancou" de imediato palmas aos participantes.

"Sei exatamente como Portugal falhou em 1975, mas vejamos o caminho longo que Portugal percorreu desde então", adiantou, para depois apelar ao voto, em inglês, porque "se não votarem, não poderão contar".

"Têm que nos ajudar a vos ajudar", salientou o cônsul-geral de Portugal em Joanesburgo.

"A imprensa tem um trabalho a fazer, mas não podemos nos apoiar no trabalho da imprensa. Liguem-me para que vos possa ajudar. O mesmo se aplica ao voto", referiu Francisco-Xavier de Meireles.

"Já lá vai o tempo em que a opção era o silêncio", referiu o diplomata português acrescentando que "há falta de unidade, o que significa falta de voz junto das autoridades locais [sul-africanas]".

Questionado se Portugal tem um "plano B" para retirar a diáspora na África do Sul, Francisco-Xavier de Meireles apaziguou os receios manifestados pelos participantes afirmando que "a União Europeia [UE] não tem uma força militar, não estamos nesse ponto, estamos na fase de dialogar com as autoridades".

"Usem os canais apropriados como o consulado e a embaixada, único veículo oficial, e o Fórum Português que vos deu uma voz, usem-na", salientou.

"Se não me trouxeram [o vosso caso], que sou o representante do Estado, o Governo não vai atuar com base em informações veiculadas pela imprensa", salientou.

"Se não tivermos factos, o Governo não pode tomar decisões. A União Europeia não se pronunciou ainda sobre a África do Sul", respondeu o cônsul-geral, reafirmando depois que têm de ser os próprios portugueses na África do Sul a "fazer um plano B".

O sofrimento português

"Nós, portugueses, estamos também a sofrer", sublinhou o empresário e presidente do Fórum Português Manny Ferreirinha, na abertura do encontro organizado hoje por aquela organização da sociedade civil luso-sul-africana.

No encontro, o líder comunitário recordou também os processos de descolonização do governo português em Angola e Moçambique, de que milhares de cidadãos portugueses na África do Sul foram alvo, assim como a "vida de retornados", a que muitos foram também sujeitos em Portugal.

"Quem está a sofrer aqui são de facto as nossas crianças e as nossas mulheres", adiantou Manny Ferreirinha.

"Nunca nenhum embaixador de Portugal depositou [até hoje] uma coroa de flores neste memorial, o que demonstra como as autoridades [portuguesas] pensam, à exceção do Consulado", adiantou.

"É graças ao padre Carlos Gabriel [ex-pároco da Igreja Portuguesa de Benoni e fundador do Fórum Português, em 2001], que continuamos o nosso caminho [nesta terra]", referiu.

"A maioria de nós somos operacionais, empregamos milhares de trabalhadores na África do Sul, não vamos ficar calados mas também não vamos recorrer às redes sociais, mas sim dialogar com as autoridades sul-africanas pelos canais adequados a todos os níveis", adiantou.

Nesse sentido, "é necessário liderança mandatada pela comunidade", frisou.

O empresário lusodescendente considerou que "os portugueses têm sido apanhados no meio de guerras campais, entre sul-africanos e várias comunidades estrangeiras, nomeadamente também somalis, paquistaneses, muçulmanos e nigerianos", e instou os comerciantes e líderes comunitários presentes a documentar os incidentes de que são alvo "quase diariamente".

Segundo Ferreirinha, o Fórum está a preparar encontros com o governador de Gauteng, David Makhura, e o comissário provincial da polícia, Elias Mawela, antecipando igualmente um segundo encontro com o chefe de Estado sul-africano, Cyril Ramaphosa.

Enquanto o encontro decorria no salão da Igreja Católica Portuguesa em Benoni, onde foi construído um memorial em mármore de homenagem a cerca de 460 portugueses assassinados na África do Sul desde a fim do 'apartheid' em 1994, os participantes acompanhavam pelo telemóvel uma marcha de protesto contra estrangeiros a ter lugar naquele momento, no centro da cidade de Joanesburgo.

Centenas de manifestantes sul-africanos de etnia Zulu, percorreram hoje a ruas de Joanesburgo entre Jeppestown e Jules Street, palco de ataques violentos contra negócios de comerciantes portugueses desde domingo, e onde o líder zulu do partido Livre Inkatha, Mangosuthu Butelezi, ao falar contra a violência xenófoba, tentou apaziguar os "ânimos" dos seus guerreiros que empunhavam armas tradicionais, incluindo pangas, e entoaram cânticos como "os estrangeiros devem ir embora para o seu país".

Um comerciante português disse à Lusa que foi obrigado pela polícia a encerrar hoje o estabelecimento pelas 14:15 (13:15 de Lisboa).

Cinco lojas de comerciantes portugueses identificados pela Lusa foram alvo de saques e destruição material, durante a alegada violência xenófoba popular em Joanesburgo e cidades vizinhas, mas o balanço é ainda provisório.

Segundo o levantamento feito pela Lusa, os prejuízos materiais ascendem agora a 11,3 milhões de rands (cerca de 691 mil euros).

A polícia provincial de Gauteng, envolvente a Joanesburgo, Pretória, Ekhuruleni, Kempton Park, Benoni e Germiston, epicentros de saques violentos, confirmou a morte de 11 pessoas e a pilhagem e destruição de vários negócios, na maioria, imigrantes estrangeiros.

A polícia anunciou também a detenção de 497 pessoas, desde o passado domingo.