“Ainda é difícil para uma mulher entrar na política de Macau. As pessoas julgam mais a tua aparência que a tua plataforma. Tens de ser muito forte para lidar com isso. Ao mesmo tempo continua a considerar-se que as mulheres têm de ter um grande papel em casa, na família”, disse, em entrevista à Lusa, esta quarta-feira.
Apesar de a segunda deputada mais votada nas eleições de domingo ter sido uma mulher, Ella Lei, “ainda há homens — e mulheres — que não gostam de ver mulheres na política, simplesmente acham que não devem fazer isso”, considera Agnes Lam.
Essa foi uma dificuldade que diz ter sentido “o tempo todo” durante a campanha. “As pessoas diziam coisas como ‘Porque é que estás a usar um vestido?’ Durante a campanha fotografavam a minha cara quando eu estava a falar, faziam a minha boca maior e diziam ‘Esta mulher tem uma boca grande'”, além de comentários de cariz sexual, contou.
“Ninguém comenta sobre os homens. Diziam que eu era demasiado velha, mas que fingia ser nova, que a maquilhagem era muito forte. Diziam coisas como ‘Não consigo tomar o pequeno-almoço a olhar para ela’. Todos os dias as pessoas me mandavam fotos destas coisas, e comecei a dizer ‘Ok, se calhar não me mandam mais'”, descreveu.
Depois das eleições, a Assembleia Legislativa de Macau passou a contar com seis mulheres, num total de 33 assentos, menos uma que anteriormente. Agnes Lam, de 45 anos, é mais nova que grande parte dos colegas de hemiciclo, onde a nova média de idades, com a entrada do jovem de 26 anos Sulu Sou, é 46.
Esta foi a terceira vez que Lam se candidatou às legislativas de Macau. Considera que o sucesso este ano se ficou a dever a uma aposta mais diversificada dos colegas de lista e a uma campanha não só focada na classe média mais instruída — o seu principal eleitorado –, mas também a um fator inesperado: o tufão Hato, que a 23 de agosto devastou Macau, causando dez mortos.
A sua casa foi uma das muitas atingidas, onde rebentaram as janelas que ainda não puderam ser substituídas. Na altura, o canal de Hong Kong TVB filmou os estragos.
“Acho que o tufão ajudou, fez as pessoas perceberem que se não falarem, as coisas não se resolvem. Acho que se não houvesse tufão não teria ganho pelo menos mil votos. O que senti nas ruas foi que tudo o que disse sobre o tufão teve uma atenção muito substancial por parte das pessoas”, disse, explicando que se focou nos problemas de planeamento e construção da cidade.
Por este motivo decidiu mudar as suas prioridades na Assembleia e pretende “avançar com força” com “tudo o que está relacionado com o tufão”: “Por exemplo, planeamento urbanístico, a barreira contra inundações, temos de escolher qual o melhor sistema para Macau (…) Temos de rever as regras para a segurança dos edifícios”.
Neste sentido, pretende pedir uma audiência pública para que Governo venha esclarecer todas estas questões.
Agnes Lam foi eleita com 9.590 votos e último deputado a entrar para o conjunto de 14 que são escolhidos pela população obteve 8.348 votos.
Professora de Comunicação na Universidade de Macau, Lam diz-se pouco preocupada com a liberdade académica no território, apesar de alguns professores terem já vindo denunciar pressões e alguns terem mesmo sido afastados.
“Nunca fui alvo de censura (…) Mas compreendo porque é que há tanta preocupação, porque muitos casos aconteceram na China e em Hong Kong, as pessoas especulam. Vemos que jornalistas de Hong Kong não puderam entrar em Macau, há um ambiente”, disse.
“Aquilo que me interesse é se podemos fazer todo o tipo de investigação, sem qualquer pressão. Nesse âmbito não vejo qualquer problema”, rematou.
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