Em tempos de escuridão, o verde que entra pela janela da sala transmite-me paz e uma vontade de saltar.

Lá em baixo, três pisos abaixo de mim, árvores respiram, alheias ao que se passa em cada casa trancada. Abro a janela para ouvir o que as suas folhas dizem à passagem do vento. Elas convidam-me a descer. Mas o medo algema-me os pés. Estou paralisada.

Os meus olhos perdem-se no verde esperança mas a razão acena-me com um cartão vermelho. Lá em baixo tudo é paz. Não há ninguém na rua. Os pássaros estão felizes, o seu chilrear dá-me força. Liberto-me das algemas invisíveis e, silenciosamente, saio de casa.

Cada degrau que desço palpita-me no coração. Oiço o barulho nos bunkers improvisados dos vizinhos, presos nas suas angústias e questionamentos. O inimigo não é visível e o terror tem o tamanho do mundo.

Ninguém me vê. A porta da rua abre-se e o sol da primavera alimenta-me. O vazio rodeia-me e é confortável. Caminho até ao pequeno pulmão verde. Sinto a sua vibração. A relva cresceu. O bosque está mais lindo do que nunca. Está no lugar de sempre. Parece maior. Caminho devagar, quero que aquele momento seja a eternidade.

A minha árvore espera-me. Toco delicadamente no seu tronco. Peço desculpa por interromper aquela paz. Fecho os olhos e permito-me sentir a vida a pulsar. É então que ela me abraça. Como se os seus galhos pegassem nas minhas mãos e me entrelaçassem na sua pureza. Correspondo e um formigueiro toma conta do meu corpo. Oiço o meu coração bater e a ele juntam-se as vibrações da terra. Enraízo aquele abraço. A escuridão é varrida e à minha volta tudo brilha. Um melro canta-me ao ouvido. O cheiro da terra é o perfume que quero usar por detrás das minhas orelhas.

Memórias de outros abraços emocionam-me. Sinto saudades desses momentos que tínhamos como garantidos.

Três pisos acima, o meu bunker dá-me o alerta. É hora de regressar. Ainda não! Quero ficar neste abraço um pouco mais. Estico a corda até ao limite e depois corro em direção ao terceiro andar. Entro, desinfeto-me e fecho a porta. Volto para junto da janela, agora com um sorriso no rosto. Os humanos sentem medo de respirar, o planeta respira. Eu grito a plenos pulmões:

- Ainda se podem abraçar árvores!


Texto por Rosária SilvaHoje, dia 25 de abril, publicamos uma seleção dos textos que resultaram da iniciativa lançada pelo SAPO24 e O Primeiro Capítuloassinados por novos nomes de quem tem na escrita uma forma de expressão.