Segundo o diplomata congolês Raouf Mazou, assistente do ACNUR, as catástrofes relacionadas com o clima podem agravar esses conflitos numa espécie de ciclo infernal.

O assistente do alto-comissariado falava no âmbito de uma cimeira extraordinária em Malabo, capital da Guiné Equatorial, que decorre desde sexta-feira até hoje, em que a União Africana (UA) está a tentar, juntamente com a Organização das Nações Unidas (ONU), outros intervenientes e doadores, evitar o agravamento das crises humanitárias no continente, que são alimentadas, nomeadamente, pelo impacto das alterações climáticas e da expansão de grupos terroristas.

Raouf Mazou disse que o continente africano está atualmente a enfrentar desastres naturais e conflitos que estão a causar o deslocamento de população de “uma magnitude sem precedentes”.

Em 2021, de acordo com um relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC, em inglês ‘Internal Displacement Monitoring Center’), 22,3 milhões de pessoas foram deslocadas internamente devido a desastres relacionados com o clima em todo o mundo, em comparação com 14,4 milhões desalojados por conflitos e violência.

As inundações e secas estão a tornar-se “mais frequentes e intensas e afetam gravemente países como Etiópia, Quénia, Somália e Sudão do Sul”, indicou o assistente do alto comissariado, referindo que as catástrofes relacionadas com às alterações climáticas arriscam não apenas agravar a pobreza, a fome e o acesso a recursos naturais como a água, mas também a aumentar a instabilidade e a violência.

Atualmente, a situação verifica-se na região do extremo norte de Camarões, onde pastores, pescadores e agricultores entraram em conflito pelo acesso a recursos hídricos escassos, forçando o deslocamento de pelo menos 100.000 pessoas, bem como em Moçambique, com os ciclones que atingiram o país, enquanto a violência e a agitação crescentes no norte deslocaram centenas de milhares de pessoas.

O diplomata congolês referiu que o Sahel está na linha de frente da crise climática, com temperaturas a subir 1,5 vezes mais rápido do que a média global, o que só agrava os conflitos por recursos limitados, tornando a vida ainda mais difícil para aqueles que foram forçados a fugir das suas casas.

Raouf Mazou indicou ainda que muitos dos países mais expostos aos efeitos das alterações climáticas já estão a acolher um grande número de refugiados e deslocados internos, pelo que, “sem mais investimentos para mitigar as necessidades futuras de proteção e evitar novas vagas de deslocamentos devido às mudanças climáticas, a situação só vai piorar”.

Relativamente ao impacto da guerra na Ucrânia na segurança alimentar na África, o assistente do ACNUR apontou o aumento dos preços e a redução da ajuda alimentar, consequências que vão “agravar a vulnerabilidade dos refugiados e outras populações deslocadas à força e aumentar o risco de tensões intercomunitárias”.

“Milhões de famílias desenraizadas em toda a África correm maior risco de passar fome à medida que as rações alimentares diminuem devido ao financiamento humanitário insuficiente”, avisou o diploma, acrescentando que os refugiados em Moçambique e na Zâmbia já sentem novos cortes na ajuda alimentar, situação que afetará também o Sudão no próximo mês, entre outros países.

Sobre a expansão da ameaça terrorista em África, que pode acelerar o fluxo de deslocamento forçado de populações, Raouf Mazou assumiu que a presença de grupos armados não estatais em algumas partes do continente “é preocupante”, indicando que “só em Burkina Faso o número de deslocados internos atingiu mais de 1,85 milhões em abril deste ano, com grupos armados que realizam ataques mortais”.