Por: Sílvia Maia da agência Lusa
Os alunos começaram as aulas há duas semanas, tempo em que muitos estudantes do 3.º ciclo e do ensino secundário ainda não puderam ter aulas de coro. Na próxima semana, vão ficar também reduzidas as aulas de Orquestra e Expressão Dramática, contou à Lusa a diretora da Escola de Música, Lilian Kokpe.
As aulas de coro eram dadas numa sala cedida pela Casa Pia, que este ano já não podem usar, explicou. Sem espaço, a solução encontrada pela direção da escola foi “ocupar à vez” a sala de Orquestra e de Expressão Dramática. A opção acaba por afetar os cerca de 750 alunos da Escola de Música.
“Duzentos alunos deixaram de ter aula de coro, mas como não achávamos correto serem sempre os mesmos prejudicados, às vezes a orquestra ou a expressão dramática sai para o coro poder usar a sala”, contou.
Alguns professores têm dado aulas ao ar livre: “Ainda ontem às cinco da tarde estava aqui uma turma debaixo desta figueira a ter uma aula de coro”, disse à Lusa Rute Dutra, mãe de um aluno do 8.º Ano.
No entanto, acrescentou, na rua o professor não pode ter consigo o teclado, essencial para a aula, além de que ao ar livre não estão reunidas “condições acústicas” para ter uma aula.
A diretora da escola sabe que o “bom tempo vai acabar e dar aulas na rua também” e por isso alerta que “as coisas vão piorar bastante com o mês de novembro ou dezembro aí à porta”.
Para Lilian Kopke estes são efeitos de estarem em instalações provisórias há três anos. Em setembro de 2018, alunos, professores, funcionários e instrumentos entraram nas oficinas da Escola Secundária Marquês do Pombal, pela primeira vez.
O plano era ficar “dois anos, no máximo”, enquanto decorriam as obras de requalificação do centenário edifício do Bairro Alto do Conservatório Nacional, que tinham um prazo de execução de 18 meses.
Quando chegaram à Marques de Pombal perceberam que o espaço era exíguo. Lílian Kopke recorda que nas mudanças “sobraram quatro pianos”, o que significava que faltavam quatro salas de aula.
“Quando viemos para cá, se fossemos rigorosos, não deveríamos ter aceitado este espaço, porque não é adequado”, recordou a diretora, admitindo que ao longo dos anos a Parque Escolar foi fazendo algumas melhorias, nomeadamente na adaptação de salas e melhoria do isolamento acústico das salas, mas continuaram a faltar espaços que permitissem ter aulas de coro ou de orquestra.
À Lusa, a Parque Escolar sublinhou que “os espaços e salas de aula provisórios que foram disponibilizadas à Escola de Música do Conservatório Nacional correspondiam ao programa funcional que foi desenvolvido entre a Parque Escolar e a Direção da Escola de Música” e que já nas instalações provisórias, a Escola de Música decidiu aumentar o número de turmas e novos cursos, “o que levou à necessidade de intervenção da Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares (DGEstE), resultando num aumento de espaços cedidos à escola”.
A situação agravou-se com a abertura, em setembro deste ano, do curso profissional de Jazz.
Para a professora de canto, Ana Paula Russo, a solução parece estar à vista de todos. “Estamos aqui, quando temos uma escola gigante ao lado que está sub-aproveitada”, disse em declarações à Lusa.
Quando Ana Paula Russo atravessa a secundária para entrar nas instalações provisórias da Escola de Música depara-se com um cenário que considera incompreensível: “Passamos na escola e vemos salas e salas vazias e nós aqui todos ao molho a tentar fazer um Tetris de salas, porque sempre que há um furo esse furo vai inevitavelmente ser aproveitado por alguém que precisa da sala”.
Também a aluna de canto Constança Moreira lamenta a falta de salas, que faz com que seja difícil “arranjar um espaço para estudar e ter aulas”.
A jovem também se queixa de falta de espaço para fazer as refeições. Os alunos podem almoçar no refeitório da Escola Secundária Marques de Pombal, mas Constança Moreira diz que apenas os mais novos o fazem.
As mesas que existem não chegam para todos, além de serem “velhas e os micro-ondas, muitas vezes, não funcionarem”.
Constança Moreira, que é também da associação de estudantes, revelou que os alunos estão a ponderar realizar novas manifestações na esperança de conseguir pressionar para que o processo de requalificação do edifício no Bairro Alto avance mais rapidamente.
A professora de canto vê a ocupação das instalações da Marques de Pombal como “uma espécie de acampamento musical” e admite ser “um bocadinho doloroso ver o Conservatório Nacional” ser tratado como “um filho pródigo ou um enteado que se porta mal”.
Sem verba para comprar instrumentos para alunos
“Um contrabaixo, dois violoncelos, uma flauta e um metalofone” é a lista de instrumentos que a diretora da Escola de Música do Conservatório Nacional sabe de cor. Nas contas de Lilian Kopke seriam precisos entre cinco a seis mil euros para os comprar.
“Temos cinco alunos à espera. Não é uma verba muito grande, porque são instrumentos de estudo, não são de uma qualidade excecional, mas serviriam muito bem para estudarem. Nós esperamos conseguir comprar os instrumentos o mais rapidamente possível”, contou à Lusa a diretora da EMCN.
A prática de comprar instrumentos para ceder aos alunos não é de agora. É com dinheiro próprio da escola, angariado em concertos e espetáculos de alunos e professores, explicou Lilian Kopke.
O problema, explica, é que este ano a escola arrancou com mais um projeto - o Curso Profissional de Jazz – e precisou de fazer obras de insonorização. O dinheiro que gastaram, segundo a diretora, está muito próximo da estimativa do custo dos instrumentos.
Lilian Kopke garante que os trabalhos ficaram mais baratos porque contou com a mão-de-obra dos funcionários, que em agosto, insonorizaram a sala que agora é ocupada para as aulas de Jazz.
Além destes cinco alunos, a diretora queixa-se que faltam também instrumentos para lecionar. Desde setembro de 2018, data em que a EMCN começou a funcionar em instalações provisórias na Escola Secundária Marques de Pombal, “houve cinco pianos que já ficaram inutilizados”.
Os corredores da escola parecem cemitérios de pianos. Encostados à parede, há pianos de cauda e pianos verticais. Alguns com mais de 100 anos.
A solução encontrada foi colocar “um piano elétrico numa sala e houve um professor que doou um piano dele para ficar aqui”, contou Lilian Kopke, criticando o facto de "há décadas" muito haver um investimento em instrumentos.
“Isto é como uma frota. Renovam a frota de autocarros, renovam a frota de comboios quando estes deixam de ter vida. Os pianos têm uma vida muito longa, duram cem anos, mas depois acabou, têm mesmo de ser tocados”, criticou, explicando que chega um dia em que já não dá para voltar a afinar o instrumento.
À Lusa, Lilian Kopke diz que já enviou cartas ao presidente da República, ao primeiro-ministro, “que foi aluno do conservatório”, e também ao Ministério da Educação, apesar de saber “que essa verba não pode sair do ministério num ano normal”: “Não se pode tirar dinheiro das outras escolas para comprar pianos”, reconheceu.
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