O decreto foi assinado após o presidente norte-americano, Joe Biden, ter autorizado, no domingo, a Ucrânia a usar mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos para atacar território da Rússia, como há muito pedia Volodymyr Zelensky.

Esta decisão ocorre no momento em que Biden está prestes a deixar a Casa Branca e o presidente eleito, Donald Trump, prometeu reduzir o apoio norte-americano à Ucrânia e acabar com a guerra o mais rapidamente possível.

A mudança segue-se também ao destacamento pela Rússia de tropas terrestres norte-coreanas para complementar as suas próprias forças, um desenvolvimento que lançou o alarme em Washington e em Kiev.

Em entrevista ao SAPO24 o Major General Isidro Pereira, veterano de operações militares na Bósnia e Francisco Cordeiro de Araújo, fundador do projeto Os 230 e Presidente da Associação Democracia 2.3, Assistente Convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Investigador no Lisbon Public Law Research Centre esclarecem os principais temas sobre este conflito.

O que significa esta ameaça para Portugal?

No caso de uma ameaça nuclear, para Isidro Pereira o maior risco é o mar: "O mundo hoje é uma aldeia global porque está ligado através da internet, através das redes. E grande parte dos cabos de fibra óptica, designadamente aqueles que ligam fundamentalmente a África têm pontos de ancoragem aqui, sul do Tejo, no Sado, em Sines e ainda mais a sul, na costa alentejana. Portanto, quer dizer, nós não estamos livres de uma ameaça".

"Um submarino de russo ou dois, aqui ao largo das nossas águas, ou mesmo dentro das nossas águas, sem ser detectado, dispara meia dúzia de mísseis sobre Lisboa e lá vamos nós", afirma.

Por outro lado, de acordo com especialistas em bombas nucleares, o rebentamento de uma bomba nuclear no centro da Ucrânia, tendo em conta esta guerra com a Rússia, poderá ter alguns impactos, nomeadamente a chegada de partículas ao nosso país.

Tudo dependerá também da quantidade de bombas que poderiam rebentar. "Uma explosão pontual", como disse um especialista à CNN Portugal, não provocará danos maiores em Portugal.

O que significa esta ameaça para a Europa?

No caso da Europa, o principal problema parece ser o fraco investimento na defesa nos últimos anos. "As populações foram-se aburguesando, porque se foi criando aqui uma ideia de que alguém nos vinha defender, porque era muito mais fácil ganhar eleições investindo em determinadas áreas sociais do que na defesa, porque tradicionalmente esta não é tão apelativa para as pessoas, a não ser quando há problemas reais e visíveis", refere Isidro Pereira.

"Os europeus acharam que não era preciso investir na segurança, o progresso e o bem-estar foi a área de investimento prioritária porque nos habituamos a contar com o grande irmão que estava do outro lado do Atlântico e que se alguma coisa corresse mal vinha em nosso auxílio. E os cidadãos americanos estavam dispostos a morrer na defesa dos europeus. Bom, nada mais errado", comenta ainda.

Francisco Cordeiro de Araújo acrescenta aqui que "não sendo especialista em armamento"  não acredita nas ameaças de Putin.

"Não é a primeira vez que se refere a utilização de armas nucleares", refere.

A Europa pode estar descansada?

Em princípio sim, segundo o general.  "Se não houver mais evoluções significativas, podemos continuar a dormir relativamente descansados, sendo certo que uma coisa temos que ter certeza. Se a Rússia sair vencedora desta guerra, nós vamos ter que combater mais tarde, ou mais cedo, contra a Rússia no espaço europeu. Portanto, é muito mais fácil continuar a apoiar a Ucrânia".

O que é necessário fazer no futuro?

"Agora, vai ser necessário analisar em qual vai ser a reação da administração Trump, porque, certamente, não será esta aprovação de Joe Biden que vai perturbar as relações com a Rússia", refere Cordeiro de Araújo.

"É necessário entender se vai existir uma proximidade entre Trump e Putin e o que significa esta proximidade", diz ainda.  Nesse momento "a Europa terá de reunir novamente os seus órgãos mais importantes para que a Ucrânia não seja abandonada e seja forçada a simplesmente abdicar da sua soberania e da sua integridade territorial", acrescenta.

Faz sentido um exército europeu?

Neste ponto, ambos os especialistas são claros: Não. Em causa está sobretudo a possibilidade de se perder a soberania de cada país e da Europa ter de passar a ser um estado federalista.

"Faz mais sentido a criação de instituição europeia de defesa", refere Francisco. "O que é necessário é falar de uma estratégia de defesa, mais ainda entre os exércitos ou as Forças Armadas da União Europeia, mas não uma força que se fala desde os anos 50". "Os estados são diferentes, tem uma diversidade cultural. A União Europeia não é um exército, e não deve ser um exército, deve ser uma união", aponta ainda.

Já Isidro Pereira recorda que esta é uma ideia presente na União Europeia desde o Tratado de Lisboa, em 2007. "Se os países europeus acharem que a melhor solução é constituir um Estado Federal, aí faz todo sentido ter umas forças armadas. Mas isto não é um Estado Federal. Isto é uma união política e enquanto for uma união, não vale a pena pensar num exército europeu. O que se pode pensar é numa organização de defesa europeia semelhante à NATO. Agora, num exército europeu, não".

"Um exército europeu só faz sentido se isto for um Estado Federal. Um Estado federal, os Estados têm autonomia em muitas áreas, mas não têm autonomia nem na defesa, nem na representação externa. São duas áreas fundamentais. Enquanto nós quisermos manter este modelo político na União Europeia, não há lugar a um exército federal", acrescenta.

Francisco sublinha ainda que a União Europeia seria sempre mais fraca que a NATO, ou seja, "não faz sentido abandonar o esforço de defesa daquela organização". Mais ainda existem estados como o Reino Unido, que não estão na União Europeia e cuja relação é importante preservar "até que a União Europeia consiga sozinha produzir uma defesa capaz". "A prioridade deve ser cuidar da Aliança Atlântica".

A Rússia tem mais capacidade nuclear que a Europa?

Segundo Isidro Pereira não: "A Rússia tem uma tríade nuclear, capacidade 24 horas, 7 dias por semana, 315 dias por ano, de disparar armas nucleares de submarinos, de meios aéreos e de meios terrestres. Os Estados Unidos também têm. E o a NATO e os Estados Unidos têm uma vantagem relativamente à Rússia, que têm um escudo de defesa antimíssil que funciona. Não quer dizer que seja capaz de interceptar na trajetória alta fora da atmosfera todas as armas nucleares, mas grande parte delas tem capacidade para o fazer. A Rússia não tem", esclarece.

Ou seja, se a Rússia utilizar armas nucleares, vai ter uma retaliação massiva sobre o seu território e segundo o especialista o próprio presidente russo corre risco de vida "2 ou 3 minutos depois de decidir atacar ou utilizar armas nucleares".

Que mudanças em janeiro com a tomada de posse de Donald Trump nos Estados Unidos?

"Trump fez a promessa de não investir tanto na guerra e vai tentar cumprir, mas nada vai mudar em horas", garante Francisco Cordeiro de Araújo. "Ele é muito cuidadoso com a utilização da palavra paz e não se sabe o que significa, pode ser a Ucrânia a abdicar de território violações do direito internacional, existe também a relação com a China que será uma grande preocupação", aponta.

Isidro Pereira garante ainda que neste momento Trump já não pode determinar a saída dos Estados Unidos da NATO, tendo em conta que esta é agora uma determinação do Congresso e é necessário ter mais do que uma maioria simples. Porém, no futuro vai assistir-se a uma exigência "que os europeus invistam mais na defesa".

Ou seja, talvez no futuro os europeus tenham que deixar de contar que os "americanos chegam aqui e que estão dispostos a morrer ou a gastar dinheiro pelo nosso bem, e na luta por um ideal da democracia e da liberdade".