“Durante três séculos os portugueses extraíram riqueza deste país rico em minerais na costa sudoeste de África. Quase imediatamente após Angola ganhar a independência, em 1975, várias fações internas começaram a lutar umas contra as outras pelo direito de fazer exatamente o mesmo.” O resumo é da revista Forbes e descreve o conturbado processo por que Angola passou após a separação de Portugal.
O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), fundado em 1956, com Agostinho Neto à cabeça, chama-lhe “o arquiteto da paz”. José Eduardo dos Santos nasceu em Luanda, a 28 de agosto de 1942. Nesse tempo, o país era ainda uma colónia portuguesa (a independência só viria depois do 25 de Abril de 1974), sendo o governador-geral Álvaro de Freitas Morna.
É filho de um pedreiro e de uma doméstica, mas pai de alguns dos mais bem-sucedidos empresários africanos, bem como da primeira mulher bilionária daquele continente: Isabel dos Santos. No final dos anos 1950, enquanto estudava no liceu Salvador Correia, em Luanda, entrou para a atividade política, em grupos clandestinos nos bairros das franjas da capital angolana.
José Eduardo dos Santos concluiu o ensino secundário em Luanda, mas em 1961, saiu clandestinamente de Angola, para o Congo. No exílio, juntou-se ao MPLA, em novembro de 1961. A cúpula do movimento deu-lhe a responsabilidade, aos 20 anos, de ser vice-presidente da juventude do MPLA, que ajudou a fundar, tendo sido o primeiro representante do movimento em Brazzaville, na atual República Democrática do Congo.
A guerra do Ultramar, que opõe as forças portuguesas que procuram manter o jugo em África aos movimentos pela autodeterminação dos povos colonizados, rebenta nesse mesmo ano: 1961.
Foi depois, em 1963, para o Azerbaijão, quando o país nas montanhas do Cáucaso, ainda pertencia à União Soviética. Lá, com a ajuda de uma bolsa de estudo, licenciou-se, em 1969, em Engenharia de Petróleos no Instituto de Petróleo e de Gás de Baku. Depois da licenciatura, esteve ainda, durante um ano, num curso militar de telecomunicações. Nesse período, esteve à frente da Secção de Estudantes Angolanos da União Soviética.
No início da década de 1970 retornou a Angola, tendo sido operador do centro principal de comunicações da frente norte do conflito e também responsável adjunto pelos serviços de telecomunicações em Cabinda. Depois da revolução de Abril, em Portugal, em setembro de 1974, no preâmbulo da independência, José Eduardo dos Santos é eleito para o Comité Central e para o Bureau Político do MPLA.
Depois de um breve regresso a Brazzaville, José Eduardo volta a Luanda e passa a ser coordenador do Departamento de Relações exteriores do MPLA, ao mesmo tempo que se envolve na campanha diplomática em busca da independência do país. Numa terça-feira (11) de novembro de 1975, o Alto-Comissário português proclama a independência de Angola. O país está mergulhado numa guerra civil e Portugal entrega, por fim, o poder aos angolanos. No dia seguinte, Agostinho Neto, líder do MPLA, assume a presidência da República Popular de Angola. Dois dias depois, o governo é formado, e José Eduardo dos Santos chega, aos 33 anos, a ministro das Relações Exteriores.
Mais a norte no planisfério, em Portugal, PS, PPD (atual PSD) e CDS pronunciam-se contra, porém, depois de ouvir o Conselho da Revolução, o presidente da República, Costa Gomes, reconhece, já em 22 de fevereiro de 1976, o Governo da República Popular de Angola.
A missão de José Eduardo dos Santos como ministro das Relações Exteriores é convencer a ONU a admitir Angola como membro da organização. A campanha diplomática leva à admissão do país nas Nações Unidas em dezembro de 1976. Foi depois assumindo diversos cargos no governo e na cúpula do partido. Foi ministro do Plano e vice-primeiro-ministro, nos finais dos anos 1970.
Depois de uma operação em Moscovo, a 10 de setembro de 1979, Agostinho Neto, o presidente do MPLA e da República de Angola, morre. Onze dias depois, José Eduardo sucede-lhe nos cargos. Tornando-se presidente do partido, torna-se, por inerência, presidente da República Popular de Angola e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas de Libertação de Angola (FAPLA).
Um ano depois, no 1.º Congresso Extraordinário do MPLA, é reconduzido a todos os cargos e acrescenta mais alguns: passa a ser também presidente da Assembleia do Povo, o parlamento angolano, órgão legislativo que se mantém até 1991, quando é extinto, conforme os acordos de Bicesse, assinados em Cascais, Portugal, que previam, entre outras coisas, a realização de eleições livres.
Poucos anos antes, em 1985, no segundo congresso do partido, José Eduardo dos Santos vê o poder ser-lhe confirmado em todos os seus cargos. Em setembro do ano seguinte, o líder angolano sobe à mais alta patente militar do país, subindo ao grau de General do Exército.
Entre 1986 e 1992, Angola vê-se a braços com a guerra civil, que opõe o MPLA e a UNITA, mas ainda assim são desencadeados os processos de retirada das forças sul-africanas, que invadiram territórios angolanos, mas também ao repatriamento do contingente auxiliar cubano. Depois dos acordos de paz de Bicesse, o país é palco, em 1992, das primeiras eleições legislativas e presidenciais, conquistando o MPLA a maioria absoluta e José Eduardo dos Santos 49,57% dos votos na primeira volta. A segunda volta nunca se realizou.
Na oposição estava o líder da UNITA, Jonas Savimbi, que rejeitou os resultados e continuou a guerra civil. Apesar de a segunda volta, necessária para garantir a maioria absoluta ao presidente, como previa a constituição, não ter sido feita, internacionalmente José Eduardo dos Santos foi reconhecido como presidente legítimo de Angola.
O governo angolano e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) mantiveram um conflito intermitente mas devastador desde que Portugal deixou o poder em Angola. Nos anos 1980, a UNITA controlava já vastas zonas do país, apoiada pelos Estados Unidos e pela África do Sul. O governo de José Eduardo dos Santos, por outro lado, tinha o apoio da União Soviética e era assistido no terreno por forças cubanas.
Muitos angolanos atribuem a José Eduardo dos Santos o fim do conflito armado no país, bem como a reconstrução da ex-colónia portuguesa, que passou de um comunismo alinhado com Cuba a um capitalismo alimentado pelo petróleo e diamantes.
Após o cessar-fogo, assinado em 2002, José Eduardo dos Santos iniciou aquilo a que chamou “reconstrução nacional”, com a “execução de um programa de pacificação e reconciliação nacional”, disse em entrevista à SIC, em junho de 2013. “Foram aprovadas as leis necessárias para aprovar o pluralismo político”. “Garantimos, assim, o direito à livre expressão e ao crescimento da imprensa privada”.
Muitos, porém, acusam-no de ser um líder autoritário, um ditador que não apenas esteve demasiado tempo no poder - 38 anos -, como não conseguiu distribuir de forma igual os lucros da exploração dos recursos naturais do território.
Mas em 2008, o MPLA conquista novamente os votos, nas primeiras eleições parlamentares desde 1992. Já em 2010, uma revisão constitucional fez com que a escolha do presidente da República deixasse de ser por eleição direta: em vez disso, o presidente do maior partido no parlamento assume automaticamente o cargo. A UNITA, da oposição, acusa-o de ter “destruído a democracia”.
Nas eleições de 2012, o MPLA conquista 71% dos votos. Agora, as sondagens apontam para uma quebra de dez pontos percentuais. A principal queda, porém, acontece no maior partido da oposição, a UNITA, que deverá conseguir apenas cerca de 15% dos votos, ficando atrás da coligação CASA-CE, que em 2012 conquistou 6% dos votos e agora pode conseguir até 19%.
José Eduardo dos Santos “sempre conduziu o seu governo como se estivesse a tratar da sua própria empresa de investimentos privada”, escrevia a Forbes em 2012, quando o nomeou um dos cinco piores líderes em África. É que apesar de a família dos Santos ser das mais ricas do continente, 68% da população vive abaixo do limiar de pobreza, com 28% a viverem com menos de 25 cêntimos por dia.
Só o tempo, porém, poderá dizer que futuro virá para Angola. Só o tempo mostrará se José Eduardo, presidente emérito, deixará de facto de mandar no país de cujos destinos foi condutor ao longo de quase quatro décadas de guerra, pobreza, petróleo e tentativas sucessivas de renascer.
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