São vários os mitos à volta do primeiro monarca português, desde a sua elevada estatura física até ao facto de supostamente ter nascido com as pernas tortas — tendo sido submetido a uma aparente “cura milagrosa” —, passando pelas lendas de ter literalmente batido na mãe, D. Teresa, ou de ter sido trocado à nascença.

Dada a distância histórica e a dificuldade de obter documentação fidedigna de uma época em que pouco se escrevia, há muitos dados que são difíceis ou mesmo impossíveis de verificar. Um, porém, que se deu por garantido durante vários séculos foi de que aquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal — filho do conde D. Henrique, filho de Henrique, duque de Borgonha, e de D. Teresa, filha bastarda do rei de Leão e Castela, Afonso VI — teria nascido em Guimarães em 1111.

Conhecida como a “cidade-berço” por se crer que foi onde D. Afonso Henriques nasceu e foi criado, foi quase consensual durante grande parte da nossa história que o monarca foi dado à luz e batizado na cidade vimaranense. A sustentar esta ideia esteve a Crónica do Conde D. Henrique, do século XV, segundo a qual D. Teresa estaria em Guimarães aquando do parto. Já em 1735, na História Genealógica da Casa Real Portuguesa, António Caetano de Sousa, sustentava que Afonso Henriques "nasceu em Guimarães a 25 de Julho de 1109". A data é diferente, mas já lá iremos.

Esta tese foi quase indisputada durante séculos. Quase, porque desde o século XIX persistiu uma hipótese paralela de Coimbra como possível local para o nascimento. Tal sugestão gerou controvérsia em 1990, pois foi quando o Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, das Selecções do Reader's Digest, sugeriu a cidade conimbricense.

No mesmo ano, outra hipótese, mais forte, surgiria, para tentar destronar Guimarães do seu título.

Do Minho para a Beira Alta

A tese do nascimento do monarca em Viseu desponta a 20 de abril de 1990 e, curiosamente, parte de uma tentativa de reforçar a hipótese de Guimarães. Foi quando a Unidade Vimaranense - Associação para o Desenvolvimento de Guimarães e sua Região encomendou um livro sobre o monarca a Armando de Almeida Fernandes, historiador medievalista de renome, pedindo-lhe para "averiguar, se possível, onde nasceu D. Afonso Henriques", um trabalho que seria depois publicado "nos semanários vimaranenses".

O trabalho arquivístico de Almeida Fernandes, todavia, levou-o a ensaiar a defesa de que o primeiro rei de Portugal não só terá nascido na cidade beirã, como tal terá acontecido em 1109 e não na data comumente tomada de 1111. O título do livro não deixou margem para dúvidas: "Viseu, Agosto de 1109 - Nasce D. Afonso Henriques", obra cuja primeira edição de 500 exemplares foi lançada em 1993, com a responsabilidade do Governo Civil de Viseu.

Guimarães
Vista do Castelo de Guimarães e da estátua de D. Afonso Henriques. créditos: JOSE COELHO/LUSA

Previsivelmente, a associação vimaranense que encomendou o projeto não deu seguimento ao mesmo. “Ao longo de quatro meses, não tive a mínima notícia da sua utilização — nem mesmo a recepção me foi notificada. Deduzo que a solução ‘Viseu’ não agradou — como se a História fosse feita para agradar”, comentou o historiador num apêndice do livro onde fez uma longa análise à “manifestação vimaranense” que gerou a sua revelação e onde frisa a sua célebre frase “eu não mamo na História: amo-a”.

Convencido de que outros poderiam ter chegado à mesma conclusão que obteve, se tivessem estudado o assunto, Almeida Fernandes baseou a sua investigação no facto de D. Afonso Henriques ter "dois para três anos" quando morreu o seu pai, em Maio de 1112, e de ter provas documentais quanto à residência de D. Teresa em Viseu.

O historiador defende neste livro que D. Teresa decidiu viver em Viseu pela mesma razão que o tinham feito, no século X, os futuros reis de Leão Ordonho II e Ramiro II: a segurança, que a protegia das invasões muçulmanas oriundas de Coimbra ou por Gouveia arábica.

Como "provas indirectas" da função residencial soberana de Viseu, o estudioso aponta que "não há região que ao menos se aproxime da de Viseu em número de actos" de D. Teresa e do marido, D. Henrique, "denunciando uma inegável predilecção". Entre as "provas directas", refere a ausência física de D. Teresa de vários actos por "impossibilidade de carácter fisiológico", ou seja, porque se aproximava o nascimento do filho, o que a retinha em Viseu.

Teresa não assiste à agonia em fim de vida do pai, Afonso VI de Leão, nos fins de junho, em Toledo, tendo cabido ao seu marido, Henrique, o papel de insistir com o sogro para que a sucessão da coroa fosse atribuída à sua mulher e não à sua cunhada, Urraca. Antes do fim do mês, também não compareceu às exéquias, "um acto que nenhum filho declina, por muito agravado que se julgue de seu pai", explica.

Outra ausência de D. Teresa aconteceu, segundo o historiador, na cerimónia de doação à Sé de Coimbra da "maior dádiva que ela alguma vez recebeu", o mosteiro do Lorvão, o que levou à realização de uma segunda, ainda que mais simples, em Viseu, para confirmação.

Teresa e D. Henrique deveriam ter ido também à outorga do foral que deram a Zurara (Mangualde). "Não foram, e porquê? Respondo somente para ele, pois que para ela é já escusado: o nascimento estava tão iminente que Henrique nem se dispôs a uma ausência que nem sequer era para longe", explica.

Na altura do lançamento do livro, Almeida Fernandes, em declarações à agência Lusa, foi perentório.“Guimarães reclama-se de uma tradição que nem o é por ser de origem erudita e não suficientemente antiga”, disse, adiantando ser possível que “quando se fala em Guimarães, se esteja a pensar em Guimarães, localidade antiga da periferia da cidade de Viseu”. Quanto a Coimbra, Almeida Fernandes afirmou-a “fora de hipótese pois nada o consegue provar em termos históricos".

Reedição fez a polémica ressurgir

Depois desta “pedrada no charco”, as águas da historiografia nacional nunca deixaram de ondular. Apesar do acesso limitado ao livro de Almeida Fernandes, com o tempo vários historiadores começaram a subscrever, ou, pelo menos, a admitir como hipótese a tese de Viseu.

Tal construção de um consenso levou a Fundação Mariana Seixas a reeditar o livro — há muito esgotado — em 2007. A mesma já tinha criado um prémio anual de história medieval em homenagem a Almeida Fernandes em 2004. Na altura, a organização garantiu não querer entrar "em polémicas bairristas", mas sim promover o que considerava ser "o primeiro estudo realmente feito sobre o nascimento de D. Afonso Henriques".

Todavia, ao mesmo tempo a questão começava a chegar ao poder político local. Semanas antes do lançamento da reedição, um deputado do PSD levou à Assembleia Municipal de Viseu uma proposta para que a autarquia promovesse um congresso onde a tese fosse discutida e se estudasse a possibilidade de atribuir o nome de D. Afonso Henriques a uma artéria da cidade.

Sabendo da intenção de reedição Fundação Mariana Seixas, o presidente da Câmara de Viseu à época, o social-democrata Fernando Ruas, aconselhou cautela quanto a tomadas de posição. “Sei a quantidade de cartas que recebi de Guimarães [na altura da polémica], como se tivesse sido eu a escrever o livro”, frisou. No entanto, pouco tempo depois, o autarca começou a mostrar-se mais aberto a essa ideia, dizendo-se disponível para reivindicar para Viseu o estatuto de cidade berço do rei se “um número significativo de académicos fosse nessa direcção”.

A verdade é que vários historiadores seguiram esse rumo, muitos deles de elevada reputação. Numa carta escrita logo em 1992, mais tarde descoberta no espólio de Almeida Fernandes, Avelino de Jesus Costa, que era professor catedrático da Universidade de Coimbra e um medievalista reconhecido, escreveu: "Quanto ao nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu, os documentos apresentados por vossa excelência não permitem outra conclusão".

Outros, como Bernardo Vasconcellos e Sousa, Maria Alegria Fernandes Marques e João Silva de Sousa, também começaram a subscrever a hipótese de Viseu, mas o maior apoio de peso — ainda que cauteloso — terá sido o de José Mattoso, talvez o mais reconhecido historiador português vivo e alguém que até manteve um diferendo com Almeida Fernandes devido a diferentes perspectivas históricas sobre este assunto durante mais de duas décadas.

Na biografia “D. Afonso Henriques”, escrita por José Mattoso para o Círculo de Leitores em 2006, é contada a controvérsia criada com o surgimento da hipótese de Coimbra, aludindo depois à tese de Almeida Fernandes, que alimentou a polémica por mais dois anos, referindo que a demonstração feita “alcança verossimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável, até que outras provas sejam apresentadas em contrário”. “É, de facto, admissível, com base nos documentos por ele invocados, que Afonso Henriques tivesse nascido em Viseu por meados do mês de Agosto de 1109”, sublinha.

Ao jornal Público, o historiador reforçaria esta nova posição. "É claro que não posso admitir os qualificativos de "indubitável", e outros semelhantes, atribuídos por Almeida Fernandes à sua tese. Em história medieval há muito poucos factos absolutamente certos", argumentou, sustentando ainda assim que “no estado actual do conhecimento, parece-me a hipótese mais provável."

Mattoso reforçou ainda a hipótese de que o rei afinal terá nascido em 1109 e não 1111, já que os dados para essa primeira data são fornecidos ”pelos Anais de D. Afonso, que é o texto com informações mais seguras acerca do nosso primeiro rei", precisou, acrescentando que "outras fontes indicam datas diferentes, mas esta é a mais verosímil". Seria com base nessa data que a polémica atingiria o seu apogeu.

Um centenário precoce e com farpas à mistura

Apesar de, à data, 1111 ainda ser tida como a data oficial do nascimento de D. Afonso Henriques — até porque os 800 anos foram comemorados em 1911 —, tanto Guimarães como Viseu não quiseram deixar passar a oportunidade de celebrar os 900 anos do monarca logo em 2009, acorrendo em celebrações para clamar como filho da sua terra o monarca inaugural de Portugal.

Em Guimarães, a data foi assinalada com pompa e circunstância. Com o nome de “900 anos, 900 horas”, o plano de festas incluiu — entre muitas atividades — um torneio medieval no Campo de São Mamede, junto ao Castelo de Guimarães, e a cerimónia da entrega a Cavaco Silva, Presidente da República à época, de uma Medalha de Ouro da Cidade destinada a galardoar D. Afonso Henriques a 24 de junho desse ano.

Afonso Henriques
O Presidente da República, Cavaco Silva, preside às cerimónias dos 900 anos do nascimento de D.Afonso Henriques, em Guimarães, 24 Junho 2009. créditos: HUGO DELGADO/LUSA

Na altura, o Presidente da Câmara de Guimarães, António Magalhães, rejeitou as quezílias de âmbito local e disse que as comemorações eram de “dimensão nacional” visto que “a ação de Afonso Henriques partiu de Guimarães mas serviu todo o país”. “Não há dados históricos que permitam provar onde nasceu o nosso primeiro rei, mas, em contrapartida, sabe-se que a sua ação pioneira na criação do reino de Portugal foi feita a partir de Guimarães”, acentuou, considerando também que não era objetivo do programa comemorativo “responder a qualquer questão” nem ”aclarar dúvidas históricas que, de quando em vez se animam, e que apenas encontrarão resposta no labor de investigadores e medievalistas”.

Por seu lado, em Viseu, apesar da tese de nascimento ser bem mais recente e de Fernando Ruas não querer “uma guerrilha com Guimarães”, o município achou que não podia ficar indiferente à data de 2009. “Ninguém me perdoaria aqui em Viseu e na Beira se, com isto tudo, não fizesse nada”, sublinhou na altura.

Como resultado, a cidade beirã assinalou a data com a inclusão do nome de D. Afonso Henriques na toponímia, a criação de uma estátua, uma exposição no Museu Grão Vasco e, mais importantemente, um congresso internacional com cerca de 50 especialistas, chamado “Afonso Henriques 900 anos depois”.

Mas apesar da aparente bonomia entre as duas cidades, a data ainda assim convidou a algumas farpas trocadas entre defensores das respetivas teses de nascimento.

Do lado da cidade minhota, o historiador Barroso da Fonte lançou o livro “Afonso Henriques - um Rei Polémico” em junho, não só defendendo que não haver “nenhum tipo de dúvida de que D. Afonso Henriques nasceu em Guimarães” como também que o nascimento terá ocorrido em 1111 e que “a Câmara de Guimarães antecipou, em dois anos, as comemorações dos 900 anos, talvez para mostrar a Viseu que está atenta”.

“Todos aprendemos na escola que D. Afonso Henriques nasceu em Guimarães, em 1111. Só porque um historiador vem questionar essa data, não se pode mudar a história”, atirou ainda o antigo vereador da cultura na câmara vimaranense e ex-director do Paço dos Duques de Bragança e do Castelo de Guimarães numa sessão organizada no âmbito das comemorações na cidade.

A provocação não ficou sem resposta. "Durante estes 19 anos nunca ninguém contestou a tese [de Viseu] com bases científicas. E não será com certeza um publicista (pessoa que divulga ideias) a contestar a tese de um historiador", devolveu António José Coelho, editor da Fundação Mariana Seixas.

Três meses depois, durante o dito congresso, o historiador João Silva de Sousa foi mais longe. O também comissário-geral das comemorações dos 900 anos do nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu surgiu que os manuais escolares deviam alterar o local de nascimento do primeiro rei de Portugal para a cidade beirã, na sequência da tese de Almeida Fernandes defendendo que "o Ministério da Educação deve dar ordens para que essa matéria seja alterada e toda ela bem resolvida".

"Nunca retirando a Guimarães o berço da independência, porque não há razão para isso, porque foi realmente por S. Mamede que se deu o facto, mas dando o berço da nacionalidade à cidade de Viseu enquanto não se descobrir outra", esclareceu, adiantando que durante o evento “apenas um conferencista apontou o nascimento para Guimarães, sem, no entanto, ter indicado um só documento nesse sentido”.

No mesmo congresso, a tese de Viseu recebeu um apoio de peso da parte da presidente da Academia Portuguesa de História, Manuela Mendonça — cargo que, de resto, ainda hoje ocupa. "Sabemos que há colegas que desde há muito comungam esta conclusão de Almeida Fernandes, que está absolutamente fundamentada, em documentação e, da minha perspectiva pessoal, é inegável", frisou.

A medievalista referiu também que "o novo gera sempre polémica, sobretudo quando a tradição é muito forte", mas lembrou que "nada tirará a Guimarães o prestígio de ter sido a cidade a partir da qual arrancou o processo português". "Não penso que minimize Guimarães a circunstância de historicamente reconhecermos que Afonso nasceu em Viseu. Como também não minimiza Coimbra. Viseu, Guimarães e Coimbra são as três cidades que num abraço estão na base da fundação de Portugal", considerou.

Fruto das conclusões do congresso foi ainda a vontade de se criar uma associação dedicada ao primeiro rei de Portugal para que nunca se esquecesse “o nascimento do rei em Viseu, a sua importância na História do país", disse João Silva de Sousa. Um ano depois, em 25 de junho de 2010 nasceria a Sociedade Histórica Afonso Henriques. Desde então, porém, não há rasto digital de tal iniciativa — e o registo fiscal da mesma declara-a como “temporariamente inativa”.

Estátuas, recordações e a hipótese espanhola: um tema nunca resolvido

Desde 2009, o assunto do nascimento de D. Afonso Henriques foi perdendo fulgor, mas não sem antes haver novos episódios em 2011. Dado que esta seria, até à revisão historiográfica, a data original em que se celebrariam os 900 anos, um grupo de cidadãos organizou uma série de festividades em Guimarães, defendendo que o primeiro rei de Portugal nasceu em 1111 e não em 1009, como ficou instituído.

Iniciativa sem envolvimento municipal, as comemorações incluíram a apresentação de um livro, “Afonso Henriques – 900 anos (1111-2011)”, da autoria de Barroso da Fonte. Com este segundo volume, o historiador fez uma nova invectiva para defender Guimarães — suportada pela “a tradição e as evidências” —  e rejeitar Viseu como local de nascimento, que considerou ser “um terrível engano que não encontra sustentabilidade em nenhum documento histórico”.

Para suportar tais afirmações, o autor invocou à Agência Lusa as datas do Foral de Guimarães e do Foral de Viseu como “indicador” do local “mais provável” onde nasceu o primeiro rei de Portugal. “O Foral de Guimarães data de 1096 e foi outorgado por D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques, enquanto que o Foral de Viseu é apenas de 1123”, afirmou.

Estas datas, adiantou Barroso da Fonte, “mostram que D. Henrique e D. Teresa, pais de Afonso Henriques, viviam em Guimarães entre 1109 e 1111, as datas prováveis para o nascimento deste”. Quanto ao dia do nascimento, defendido por alguns ter sido a 5 de agosto, Barroso da Fonte apontou novamente a “tradição” como fiável. “É verdade que não há escritos conhecidos, mas desde que os há que o dia apontado é 25 de julho”, afirmou.

Monumento a D. Afonso Henriques
Monumento a D. Afonso Henriques, Viseu créditos: Wiki Commons

Já a 16 de julho de 2013, Viseu inaugurou finalmente uma estátua de D. Afonso Henriques, paga por uma comissão constituída por personalidades da sociedade civil. Naquela ocasião, o ainda presidente da Câmara, Fernando Ruas, considerou que o tempo já se encarregou de confirmar que Viseu é a terra natal de Afonso Henriques.

"Já passou o tempo necessário para que os académicos se entendessem. O facto de um académico prestigiado [Almeida Fernandes] referenciar que Afonso Henriques nasceu em Viseu e o facto de nenhum académico vir contrariar esta ideia é tempo suficiente para se aceitar que de facto foi Viseu a sua terra natal e dar isso como definitivamente conquistado", disse, na inauguração.

A esta iniciativa respondeu o juiz desembargador jubilado Narciso Machado, considerando que “o local de nascimento de Afonso Henriques não se adquire por usucapião”, figura jurídica que “significa adquirir a propriedade ou outros direitos pelo decurso de um determinado período de tempo". Por outras palavras, o magistrado rejeitou as pretensões visienses — e defendeu Guimarães.

Já em 2018, Narciso Machado assinaria um artigo de opinião no Público a reforçar a sua defesa da cidade vimaranense, apresentando 14 argumentos e concluindo que as provas apresentam-se “80% a favor de Guimarães e 20% para os outros locais propostos”.

Um ano antes, Flávia Fernandes, filha de Almeida Fernandes, recordou durante a apresentação do Prémio A. de Almeida Fernandes o período em que o seu pai investigava o local do nascimento do primeiro rei de Portugal. "Um dia, chamou-me ao escritório e disse-me assim: em Guimarães julgam que está certo o 1111 como data de nascimento e estar certo ali ter nascido Afonso Henriques, mas nem lá foi batizado, nem coisíssima nenhuma, era impossível tudo isso. Portanto, Afonso Henriques está em Guimarães sob uma lenda que custa um pouco a desaparecer e tudo se me encaminha para Viseu", revelou.

Conforme referido no início deste texto, dada a distância temporal e a falta de provas — sendo que as que duraram até aos dias de hoje são quase todas indiretas ou circunstanciais — é possível que nunca se saiba ao certo onde nasceu o rei fundador de Portugal e que permaneçam posições entrincheiradas em torno destas teses, de Guimarães ou de Viseu.

Houve, porém, mais dados para baralhar ainda mais as coisas nos últimos anos. Em dois artigos diferentes para a revista Medievalista — ambos recebidos com elogios pelos historiadores — o investigador Abel Estefânio sugeriu duas novas hipóteses. Publicado entre as quezílias locais, em 2010, o primeiro não arrisca na localização, mas sim no ano: 1106, baseando-se na crónica da “Vida de S. Teotónio”, texto que remonta a 1162.

o segundo, levado à estampa em 2016, foi mais audaz. Ao analisar documentos do mosteiro de Sahagún, vila localizada na comunidade autónoma Castela e Leão, o investigador traçou o itinerário do Conde D. Henrique e de D. Teresa por territórios agora espanhóis entre 1104 e 1109 e sugeriu que D. Afonso Henriques pode “ter nascido no seio da corte de Leão e Castela”.

Terá D. Afonso Henriques afinal nascido em solo que hoje consideramos espanhol? É possível que sim, mas “isso não impede que o reconheçamos como notável caudilho militar e fundador do país que somos”, defende Abel Estefânio. Mas o que é que isso significaria para as cidades que reclamam o primeiro monarca como seu filho. Para tais respostas, teremos de aguardar pelos próximos capítulos.