“Cambedo 1946” é um projeto de arqueologia contemporânea que está a estudar a resistência às ditaduras ibéricas (1926-1975) e a solidariedade na fronteira entre Trás-os-Montes e a Galiza.
O ponto de partida para a investigação é a casa da dona Albertina. Nas suas ruínas uma equipa de cinco arqueólogos liderada por Rui Gomes Coelho está a escavar e a procurar vestígios com recurso a um detetor de metais.
No pátio da casa os investigadores descobriram hoje uma insígnia de metal da Guarda Fiscal. É um achado que consideram importante e que pode estar relacionado com o ataque à aldeia e à casa da dona Albertina, onde estavam refugiados dois guerrilheiros espanhóis.
Nas ruínas do que foi a corte dos animais, que ficava por baixo da cozinha, foram descobertos objetos, como um prato com o desenho da Torre de Belém, e que estão relacionados com o dia-a-dia da mulher que era localmente conhecida como “tia Albertina”, uma devota que vivia para a igreja e que ensinava a doutrina aos mais novos.
Rui Gomes Coelho explicou que esta casa de granito foi “duramente bombardeada” pelo Exército e nunca foi reconstruída. No dia 21 de dezembro foram disparados cerca de “70 projéteis de morteiro” numa área concentrada da aldeia.
Do lado espanhol da fronteira estava a Guarda Civil, com quem o cerco tinha sido concertado. Desse ataque resultaram vários mortos e feridos e muitos habitantes da aldeia foram presos e interrogados.
“A ideia é fazermos a deteção dos episódios da batalha no momento em que os guerrilheiros se refugiam na parte detrás desta casa e depois começam a ser bombardeados pela GNR e pelo Exército. Estamos a tentar encontrar fragmentos desses projéteis dos morteiros e das balas utilizados”, explicou o arqueólogo.
A casa da dona Albertina é encarada pelos investigadores como uma espécie de “cápsula do tempo, uma autêntica janela para o modo de vida dos habitantes de Cambedo em 1946”.
Era uma aldeia de contrabandistas e, segundo o arqueólogo, as atividades da guerrilha antifranquista sustentavam-se muito na organização dessas rotas.
“Nós queremos dar visibilidade à comunidade que sustentava socialmente a própria guerrilha. Tinham interesses em comum e por isso é que estavam juntos nesta luta, neste fenómeno de resistência”, afirmou.
Os arqueólogos estão também a fazer uma prospeção de antigos abrigos guerrilheiros que existiram nesta região.
Esta vai ser, segundo Rui Gomes Coelho, uma semana de trabalho intensivo, mas depois, o objetivo é ampliar o projeto e regressar a Cambedo no próximo ano.
O arqueólogo, natural de Vila Franca de Xira, trabalha na Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos da América.
A equipa é ainda composta por Xurxo Ayán Vila, arqueólogo galego que dirige o projeto de arqueologia comunitária do Castro de San Lorenzo em Monforte de Lemos, Lugo, a arqueóloga brasileira Márcia Hattoori, que tem trabalhado sobre a ditadura militar no Brasil, o arqueólogo galego Carlos Otero, e o luso-espanhol Rodrigo Paulos.
Para o vice-presidente da Câmara de Chaves, Francisco Melo, este projeto é importante porque ajuda a “conhecer as raízes” e a impedir que a história “desapareça da memória coletiva”.
“Houve guerra e a guerra não foi assim tão distante. Temos que conhecer para que não voltem a acontecer fenómenos destes. É a memória da guerra para preservação da paz”, salientou.
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