Giovanni Brusca foi libertado no início do mês de junho, aos 64 anos, por bom comportamento, da prisão Rebíbia, em Roma. Esteve 25 anos preso e a cooperar com as autoridades. Brusca permanecerá, no entanto, em regime de vigilância durante quatro anos.

O ex-chefe da máfia siciliana beneficiou de uma lei que Giovanni Falcone foi o primeiro a propor e que formalizou a figura do "colaborador" com a Justiça, escreve o The Guardian.

O magistrado percebeu, no início dos anos 1980, o potencial de combater a máfia usando os seus próprios membros. Em 1984, Falcone persuadiu Tommaso Buscetta a testemunhar contra os seus colegas, numa altura em que as autoridades italianas pouco sabiam sobre a máfia siciliana. Certo é que Buscetta tinha pouco a perder, já que os seus rivais tinham assassinado os seus dois filhos, um irmão, um genro e quatro sobrinhos. E este partilhou com a polícia a forma como a Costa Nostra funcionava: os rituais, organização, estrutura e atividades ilegais. Graças ao seu testemunho, os procuradores conseguiram ordens de detenção para quase 500 mafiosos, o que culminou num mega-julgamento e 338 arguidos condenados.

Desde então, centenas de mafiosos em todo o país começaram a colaborar com os magistrados e a quebrar o código de silêncio da máfia. Mas à medida que o número de informantes aumentou, a opinião pública tornou-se menos tolerante a reduções de pena para estes criminosos, acusados de manipular o sistema em vantagem própria, sem nunca de arrependerem de facto dos crimes cometidos.

A libertação de Giovanni Brusca chocou os cidadãos italianos. "É uma triste notícia em termos humanos, mas é a lei, uma lei que o meu irmão queria e que deve ser respeitada", reagiu Maria Falcone, irmã do juiz Giovanni Falcone, citada pelo jornal italiano La Repubblica.

Às 17h57 de 23 de maio de 1992, Giovanni Brusca ativou um controlo remoto que detonou uma bomba com 400 quilos de explosivos, que estavam enterrados numa estrada perto de Palermo, matando Falcone, a sua mulher e três guarda-costas.

Menos compreensiva é Tina Montinaro, a mulher do então chefe da operação de escolta do juiz, que também morreu no ataque, confessou estar "indignada" com a libertação. "O Estado está contra nós, 29 anos depois e ainda não sabemos a verdade(...). O homem que destruiu a minha família foi libertado”, acrescentou Montinaro.

Brusca, um dos colaboradores mais próximos de Totò Riina, chefe da Cosa Nostra, a máfia siciliana, também tinha raptado Giuseppe Di Matteo, um rapaz de 12 anos, em 1993. Após dois anos preso em condições indescritíveis, o rapaz foi estrangulado e dissolvido em ácido, crime praticado como vingança contra o pai, Santino Di Matteo, um ex-membro da máfia que concordou em colaborar com a justiça. Segundo a polícia, tratou-se de "um dos crimes mais hediondos da história da Cosa Nostra".

"Não encontro palavras para expressar a minha amargura", confessou Santino Di Matteo, ao jornal italiano Il Corriere della Sera. “A verdade é que todos os guardas e torturadores do meu filho estão livres. Todos em casa. E agora o chefe que decidiu e organizou tudo vai também para casa”, denunciou Santino.

A libertação de Brusca foi também criticada por muitos líderes políticos, com o líder do Partido Democrático (PD), Enrico Letta, a descrever a libertação como "um murro no estômago (que) deixa alguém sem palavras, perguntando-se como é possível”.

"É impossível acreditar que um criminoso como Brusca possa merecer qualquer favor. A sua libertação da prisão provoca-me arrepios na coluna", comentou o ex-presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, "Uma pessoa que cometeu estes atos, que dissolveu uma criança em ácido, que matou Falcone, é na minha opinião uma besta selvagem e não pode sair da prisão", reagiu o líder do partido de extrema-direita Liga Norte, Matteo Salvini.

O antigo procurador nacional anti-máfia e ex-Presidente do Senado, Pietro Grasso, por sua vez, não vê "nenhum escândalo" nisto. "A indignação de muitos políticos que pouco compreendem sobre o código penal e a luta contra a máfia assusta-me", escreveu na sua página da rede social Facebook, defendendo que a redução de penas “para aqueles que ajudam o Estado” é necessária.

A discussão sobre aquilo que ficou popularmente conhecido com "delação premiada" é transversal a vários países — e Portugal não é excepção.

A "delação premiada" é um termo importado do Brasil, onde o Direito Penal prevê a possibilidade de "premiar" os criminosos que decidem colaborar com a justiça. Este sistema prevê uma potencial redução ou até dispensa da pena (negociada com o Ministério Público), mas inclusivamente um prémio financeiro, pago a partir dos ativos que se recuperarem em resultado das investigações, explica o portal da Transparência e Integridade. 

Em Portugal, onde não se defendem prémios financeiros a pessoas envolvidas em casos de corrupção, devem ser usadas as expressões “colaboração protegida” ou, mais genericamente, “direito premial”.

A última vez que isto foi tema em Portugal foi em abril deste ano, quando o Governo apresentou as suas propostas para a ação da Estratégia Nacional Anticorrupção, onde se prevê uma diretiva que "protege os denunciantes" de crimes de corrupção e que evita "atos de retaliação" contra aqueles que colaborem com a justiça.

Esta estratégia, observou então a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, visa "quebrar os pactos de silêncio que envolvem os dois agentes que praticam" o ato corruptivo e prevê a possibilidade da “dispensa da pena, melhorando o mecanismo já existente hoje". No essencial, disse, o objetivo é "simplificar o regime" já em vigor nesta matéria.

Francisca Van Dunem enfatizou que as medidas propostas em matéria de direito premial, nomeadamente sobre dispensa da pena e acordos entre arguido, Ministério Público e juiz em fase de julgamento (sobre a aplicação da medida mínima e máxima da medida da pena) não se confunde com o instituto da "delação premiada" que vigora em outros países, como o Brasil.

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