Cinco dias antes da morte do diretor e fundador dos Artistas Unidos, Jorge Silva Melo, no passado dia 14, a companhia foi informada, pelo reitor da Universidade de Lisboa, de que esta não tinha pretensão de lhes renovar o atual contrato de arrendamento do Teatro da Politécnica, onde estão instalados desde 2011, e que termina em fevereiro do próximo ano, disse, na quarta-feira, à agência Lusa, o ator e encenador João Meireles, sócio e cofundador da companhia.

Segundo João Meireles, o reitor da Universidade de Lisboa, Luís Ferreira, informou a companhia de que a instituição não pretendia renovar o contrato de aluguer do Teatro da Politécnica, alegando que necessitava do espaço para instalar outros serviços.

A Lusa contactou a Reitoria da Universidade de Lisboa, aguardando ainda resposta.

“Este mês tem sido um mês de desagradáveis surpresas, tem sido um pavor”, sublinhou, na quarta-feira, João Meireles à Lusa, aludindo também à morte do fundador da companhia, aos 73 anos.

“Tem sido pesado para este grupo de pessoas e para tantas outras pessoas que estão à nossa volta e são nossas amigas”, frisou.

Os Artistas Unidos encontram-se no Teatro da Politécnica desde 2011, na sequência de um contrato que tem sido sempre renovado com a Universidade de Lisboa.

No início, era de três anos e, depois, passou a ser de dois anos, observou João Meireles.

“Ficamos, mais uma vez, desde que saímos de A Capital, com a casa às costas”, sublinhou o ator e encenador.

Na quarta-feira, este sócio, ator e encenador dos Artistas Unidos referiu ainda que, “num momento informal”, já tinha falado sobre a decisão de a Reitoria não lhes renovar o contrato com o vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, e que este ficara de “se reunir brevemente” com a companhia.

A iminência de ficarem sem teatro não é uma situação nova para os Artistas Unidos que, em 29 de agosto de 2002, foram obrigados a sair do espaço A Capital, por decisão da autarquia de Lisboa então presidida por Santana Lopes.

“Aparentemente, penso eu, que estaria na cabeça de toda a gente que os Artistas Unidos, que já estamos há 11 anos no Teatro da Politécnica, teriam o problema resolvido, mas, de facto, temos vindo a resolvê-lo a cada renovação de contrato e sempre nesta precariedade de haver um contrato que não é renovado”, indicou.

Quando foram obrigados a sair de A Capital, houve um “compromisso” da autarquia de Lisboa no sentido de se encontrar “uma solução duradoura, estável e digna”. “Passaram 20 anos e ainda não está resolvido”, observou, na quarta-feira, João Meireles, sublinhando que a companhia está a viver “uma aflição”.

“Porque temos um projeto que se tornou sólido, viável, com o Jorge [Silva Melo], que, entretanto, formou esta equipa e esta força de trabalho e de produção e de criação e que, sem termos um espaço, não tem viabilidade”, referiu.

“Não me passa pela cabeça que os Artistas Unidos fiquem confinados a um escritório e a produzir para quem os queira acolher”, sustentou.

Se tal acontecer, “é uma perda de identidade, uma perda de lugar que não conseguimos admitir, obviamente”, concluiu, sublinhando que, “quando desaparece esta figura tutelar, que era o Jorge Silva Melo, tudo se desmorona quase como se não tivesse existido”.

Os Artistas Unidos formaram-se a partir do grupo que estreou, em 1995, “António, um Rapaz de Lisboa”, de Jorge Silva Melo.

Peças de Brecht e Shakespeare foram algumas das produções com que deram os primeiros passos.

Sarah Kane, Gregory Motton, Jon Fosse, David Harrower, Mark O’Rowe, Xavier Durringer, Spiro Scimone, e dos portugueses Jorge Silva Melo, José Maria Vieira Mendes, Rui Guilherme Lopes e Francisco Luís Parreira foram outros dos dramaturgos postos em cena pela companhia, assim como clássicos como Melville, Kleist, Kafka.

Autores contemporâneos como Samuel Beckett e Harold Pinter foram outros que marcaram os espetáculos levados a cena pela companhia cujo trabalho fica ainda marcado por acolhimento de espetáculos, coproduções, seminários e leituras encenadas.

Com o fecho d’A Capital, depois de apresentarem “Baal”, de Brecht, os Artistas Unidos mudaram-se para o Teatro Taborda, onde permaneceram até junho de 2005.

No Taborda encenaram autores como os Irmãos Presniakov, Anthony Neilson, Davide Enia, Jean-Luc Lagarce, voltaram a pôr em palco peças de Pinter, Scimone, Judith Herzberg, Jon Fosse, José Maria Vieira Mendes, e lembraram Joe Orton e Jacques Prévert.

Em 2006, depois de terem renunciado à utilização do Teatro Taborda, a companhia dirigida por Jorge Silva Melo esteve instalada no antigo Convento das Mónicas, onde estrearam peças de Antonio Tarantino, Juan Mayorga, Vieira Mendes e Gerardjan Rijnders.

Judith Herzberg, Enda Walsh, Pier Paolo Pasolini, Jesper Halle, Miguel Castro Caldas, Jorge Silva Melo ou José Maria Vieira Mendes foram outros dramaturgos postos em palco pela companhia, nesta altura.

Além de espectáculos e da produção de filmes, os Artistas Unidos organizaram também exposições de Sofia Areal, Álvaro Lapa, Pedro Proença, Xana, Pedro Chorão, Miguel Ribeiro, Michael Biberstein, Ana Isabel Miranda Rodrigues, Sérgio Pombo, Barbara Lessing, Ana Vieira, Ângelo de Sousa, Manuel San Payo, Ivo, Nikias Skapinakis, Jorge Martins.

São igualmente responsáveis pela coleção Livrinhos de Teatro, de início em colaboração com a editora Cotovia e, desde março de 2021, com a Snob.