"Do acidente de Pinheiro de Azevedo à vitória de Ramalho Eanes" era o título da análise escrita na madrugada de 23 para 24 de junho, como o próprio revela no artigo, e assinada pelo jornalista M. Rebelo de Sousa, que a publicou na edição do semanário Expresso de 25 de junho de 1976, dois dias antes das presidenciais.
"A grande lição da candidatura de Ramalho Eanes foi uma lição de dignidade", escrevia M. Rebelo de Sousa, notando que terá sido o facto de a candidatura ter assentado num "equilíbrio instável entre diversas forças políticas, muitas vezes aquém da imaginação esperada - que revela a força moral e política do candidato".
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O essencial de Eanes, segundo Marcelo
Para Marcelo, na altura com 27 anos, Ramalho Eanes partia para a campanha com "fortes senões pessoais", como uma "imagem pouco atrativa, certa dificuldade aparente de expressão, frieza temperamental", acabando por conduzir o seu comportamento pessoal "de molde a tentar ultrapassar a fronteira mais ou menos limitativa existente entre si e a opinião publica portuguesa".
O então jornalista, que integrava a direção do Expresso, destacou o "plano de dignidade" em que decorreu a campanha de Eanes, sublinhando, entre outros aspetos, a reação do candidato à doença de Pinheiro de Azevedo, que sofreu um acidente cardiovascular a meio da campanha que o impediu de ir votar. Após saber do enfarte de Pinheiro de Azevedo, Eanes recusou a participação num programa da televisão em que, afirmou Marcelo, pretendia responder às críticas que lhe vinham sendo feitas pelo seu opositor durante a campanha.
Mais à frente no artigo, Marcelo Rebelo de Sousa refletia sobre o que entendia que um Presidente da República deve ter "por essencial": Eanes "evitou os compromissos usuais em campanhas deste tipo, visando aquilo que um provável Presidente da República tem por essencial, a começar por uma certa dimensão nacional de estadista que o desmarcasse das considerações da política rasteira prevalecente no tabelado português".
Cenários e especulações
O acidente cardiovascular sofrido pelo almirante Pinheiro de Azevedo suscitou a Marcelo Rebelo de Sousa interrogações e especulações: o significado político de qualquer desfecho no estado de saúde do então primeiro-ministro, que era, em simultâneo, candidato presidencial, sem qualquer apoio partidário expresso. Caso se verificasse a morte do almirante no decurso da campanha, o jornalista, que tinha sido deputado constituinte, explicava que o processo eleitoral teria que começar de início. Cenário que prejudicaria Ramalho Eanes, "sujeito a novo e intenso desgaste de uma segunda campanha em que seria um alvo apetecível dos quadrantes adversários, com uma virulência superior à agora manifestada".
Como analista político, Marcelo já previa que Otelo Saraiva de Carvalho teria uma boa votação, alvitrando uns 11% mas não adivinhou que o candidato que conseguiu apresentar-se como a mais clara alternativa ideológica chegaria aos 16%, ficando em segundo lugar. A campanha de Otelo Saraiva de Carvalho "foi recolher muito do que mais imaginativo houve no passado político de algumas correntes de esquerda radical portuguesas, fugindo à terminologia convencionada pelo PCP".
Na candidatura apoiada pelo PCP, do civil Octávio Pato, Marcelo Rebelo de Sousa viu "a lição da disciplina e do fervor partidário" numa campanha que revelou "uma estratégia partidária ainda renitente em aderir a esquemas democráticos do tipo ocidental".
Marcelo Rebelo de Sousa também mostrou curiosidade sobre qual seria o nível de participação do eleitorado nas presidenciais, consciente do significado de um forte apoio popular ou das consequências de uma fraca adesão às urnas na eleição daquela que, disse, "poderá ser a última hipótese para uma democracia em Portugal". É que, dizia, "uma elevada percentagem de abstenções será, ao mesmo tempo, um aviso para o Presidente da República eleito e um sinal de que entre a realidade política portuguesa e a realidade eleitoral houve desfasamentos a analisar", advertiu.
"Um povo licenciado em votar": três eleições em 14 meses
Nas presidenciais de 1976 participaram 75,4 por cento dos eleitores. Quarenta anos depois, o jornalista foi eleito Presidente da República em eleições que registaram a maior abstenção de sempre em presidenciais numa primeira eleição, 49,93%.
No dia seguinte ao ato eleitoral que deu a vitória a Ramalho Eanes com 61,5% dos votos, a reportagem do Diário Popular dava conta de "Um povo licenciado em votar" ao fim de 14 meses com três eleições. "Pela terceira vez em 14 meses, o lisboeta - e o povo português - desceu à rua para exercer o direito a que nenhuma lei obriga: votar. Na primeira vez foi madrugador, apressado e nervoso por força de uma inexperiência acumulada durante meio século. À segunda acordou tarde, foi votar sem grandes pressas e evitou as grandes aglomerações. À terceira, em tempo estável, pôs em prática um esquema que lhe proporcionou o exercício do voto e o gozo de uma tarde de praia ou de pinhal", escreve o jornal.
O Diário de Notícias de 28 de junho também noticiava que o ato eleitoral decorreu "dentro do mais elevado espírito cívico, não se tendo registado confrontos entre facções" e as autoridades limitaram-se a exercer um papel de vigilância.
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