O Governo português apresentou no mês passado um conjunto de medidas para a habitação, entre as quais uma que visa a suspensão de novas licenças de alojamento local, exceto em zonas rurais, e ainda a reapreciação das atuais licenças em 2030.

“Identificámos, logo de início, pontos que entram em choque frontal com a legislação comunitária, em especial uma coisa que se chama a ‘diretiva de serviços’, que é uma regulamentação comunitária, uma diretiva neste caso, que procura evitar a criação de barreiras ou restrições para a livre criação de empresas e de serviços. E há condições muito especiais, particulares, em que um país, um Estado membro, pode criar restrições e aqui nitidamente nós, nessa proposta, logo vimos que cria restrições, que nós chamamos cegas e desproporcionais, e que iam entrar em choque com a legislação europeia”, disse à Lusa Eduardo Miranda, presidente da ALEP.

Eduardo Miranda destacou que nos últimos dias a associação manteve diversas reuniões em Bruxelas com organismos e entidades europeias, com a assessoria jurídica da European Holiday Home Assotiation (EHHA) e com eurodeputados, nomeadamente com o eurodeputado Nuno Melo e com o gabinete da eurodeputada Cláudia Monteiro de Aguiar (PSD), que coordena o grupo de Trabalho do Turismo.

“O que ficou claro nas reuniões todas é que as medidas realmente criam situações cegas e desproporcionais que vão entrar em choque com a legislação europeia. E aqui há alguns exemplos práticos: a suspensão cega de qualquer novo registo. Quer dizer, estamos a impedir a criação de novos registos, de pessoas entrarem numa atividade em todo o país, independente de serem zonas que tenham ou não alojamento local, que tenham ou não maior concentração, independente de serem zonas onde são segundas habitações, casa de férias. Portanto, isto é o que nós chamamos de um tipo de restrição ou barreira desproporcional”, considerou.

E, salientou, “isso é exatamente aquilo que a Comissão quer evitar, que os Estados membros criem barreiras desproporcionais ou injustificadas ao desenvolvimento das atividades do negócio e do empreendedorismo”.

No seguimento dos encontros, a ALEP vai agora “em breve” enviar “um comunicado de alerta ainda informal às entidades da Comissão”, para que possam “acompanhar e supervisionar o desenvolvimento” das medidas anunciadas pelo Governo, para que possam agir, caso a proposta de lei siga em frente sem cumprir os requisitos de proporcionalidade.

“Nós já fizemos este alerta, para que, assim que este processo se desenrolar, se avançar por este caminho, a Comissão já saiba que aquilo que vem é muito provavelmente uma legislação que acaba entrando em choque e é contrária às regras da legislação europeia”, sublinhou.

Na terça-feira, o eurodeputado centrista Nuno Melo questionou a Comissão Europeia sobre a legalidade da proibição da emissão de licenças de alojamento local prevista nas medidas do Governo, por, na sua opinião, representarem uma “violação grosseira do princípio da proporcionalidade” e irem contra uma diretiva europeia de 2006, impedindo o prestador de “desenvolver as suas atividades de serviços no mercado interno”.

Por essa razão, Nuno Melo exortou a Comissão Europeia a pedir esclarecimentos ao executivo português.

Eduardo Miranda salientou que nestas alterações em relação ao alojamento local “há uma ironia muito grande”, uma vez que “Portugal, até há um mês atrás, era talvez na área do ‘short-term rental’, uma referência em termos de legislação mais avançada nessa área e que está a servir de base, inclusive, para a nova regulamentação comunitária” do setor.

“É realmente de lamentar que Portugal, de um caso de referência, passe a ser o patinho feio ou o caso a não usar”, considerou.

Em relação ao que espera de Bruxelas, Eduardo Miranda deu como exemplo o caso da Irlanda, que “lançou algumas medidas que até são mais leves que a questão proposta por Portugal, criou dezenas de áreas de restrição, onde era praticamente proibido o registo de novos alojamentos locais, e não comunicou, não fez esse diálogo com a Comissão Europeia” e, como as medidas foram consideradas desproporcionais, “foi obrigada a voltar atrás, a revogar a sua lei e fazê-la de novo”.

Segundo a ALEP, as propostas do Governo para o setor passam por cima das câmaras municipais, que conhecem o terreno e poderiam continuar a fazer uma “gestão inteligente das aberturas” de novos alojamentos, com base em “dados concretos e objetivos”.

A associação realçou que existem 292 municípios com alojamento local registados, dos quais apenas quatro “tinham demonstrado interesse em fazer áreas de restrição”, embora só Lisboa e Mafra tenham avançado, estando o Porto e Vila Nova de Gaia ainda em fase de estudo.

Em meados de fevereiro, o Governo anunciou medidas do Programa Mais Habitação que, entre outras, preveem a disponibilização de mais solos para construção de habitação, incentivos à construção por privados ou incentivos fiscais aos proprietários para colocarem casas no mercado de arrendamento.

O novo pacote legislativo foi aprovado num Conselho de Ministros dedicado ao setor, tendo o Governo assumido a habitação acessível como um dos maiores desafios da atualidade.

Entre as medidas que visam estimular o mercado de arrendamento, assim como a agilização e incentivos à construção, incluem-se o fim dos vistos 'gold'.

Outras medidas visam o Estado vir a substituir-se ao inquilino e pagar rendas com três meses de incumprimento, a obrigatoriedade de oferta de taxa fixa pelos bancos no crédito à habitação ou famílias que vendam casas para pagar empréstimo da sua habitação ficarem isentas de mais-valias.

As medidas do Programa Mais Habitação vão custar cerca de 900 milhões de euros, não incluindo nesta estimativa o que venham a ser valores de custos com rendas, com obras a realizar ou com compras, mas incluindo aqui o valor das linhas de crédito, e será mobilizado através das verbas do Orçamento do Estado, indicou o ministro das Finanças, Fernando Medina.