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Foram menos de 24 horas entre a Direção-geral da Saúde dizer ao país que a vacina da AstraZeneca devia continuar a ser administrada e avançar com a sua suspensão. Atrasos, desconfianças, suspensões seguidas de votos de confiança. Perdido? Nós ajudamos, ponto por ponto.
Vamos ao essencial:
- O que aconteceu? Vários países — nos quais se inclui Portugal — suspenderam a administração da vacina da AstraZeneca contra a covid-19 depois de serem conhecidos casos de reações adversas graves.
- Que reações são essas? Tratam-se de relatos de aparecimento coágulos sanguíneos em adultos vacinados.
- Quantos casos aconteceram? A Agência Europeia do Medicamento referiu que, até sexta-feira, tinha recebido informação de "30 casos de problemas de episódios de tromboembolismos identificados em cinco milhões de pessoas vacinadas". Outras fontes referem 37 casos em 17 milhões de vacinados na União Europeia e no Reino Unido.
- Há casos em Portugal? Os escassos casos de eventos tromboembólicos notificados no país têm características clínicas e laboratoriais distintas, de menor gravidade e complexidade, face aos casos reportados na União Europeia e que estão em avaliação.
- Já foi comprovada uma ligação entre a vacina e estes caso? Não, ainda não foi possível estabelecer uma relação de causalidade entre os casos reportados e a toma da vacina, esperando-se mais resultados durante esta semana.
- Que países, além de Portugal, suspenderam até agora a vacina da AstraZeneca? Espanha, Itália, Alemanha, França, Noruega, Áustria, Roménia, Estónia, Países Baixos, Islândia, Lituânia, Letónia, Bulgária, Luxemburgo, Chipre, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Indonésia e Venezuela.
- Porque é que Portugal também avançou com a suspensão? Segundo o Infarmed e a Direção-geral da Saúde imperou o princípio da Precaução em Saúde Pública.
- Quantas vacinas da AstraZeneca já foram administradas em Portugal? O país recebeu cerca de 400 mil vacinas, das quais 230 mil já foram administradas e 170 mil estão guardadas em armazém.
- Já fui vacinado com este fármaco, devo ficar preocupado? Atendendo a que já foram administradas mais de 17 milhões de doses desta vacina na União Europeia e no Reino Unido, os eventos que têm sido reportados são muito raros e representam um número residual entre as pessoas vacinadas, pelo que não há motivos de preocupação acrescida para quem já recebeu esta vacina, diz a DGS.
- Devo ficar atento? Sim, sendo que deve consultar um médico caso sinta um "mau-estar persistente" após a toma da vacina, durante alguns dias, e "se este mau estar for acompanhado de nódoas negras ou hemorragias cutâneas".
- Que implicações terá a suspensão no plano de vacinação nacional? As vacinas da AstraZeneca iam ser usadas para começar a vacinar professores no próximo fim de semana, plano que teve de ser adiado. Algumas doses seriam ainda utilizadas em utentes com mais de 50 anos com comorbilidades, que agora serão imunizados com outras vacinas autorizadas, nomeadamente da Pfizer e da Moderna. Contas feitas, o plano nacional de vacinação contra a covid-19 deverá atrasar cerca de duas semanas. O Governo da Madeira já admitiu que o arquipélago poderá não atingir a imunidade de grupo no verão, conforme estava previsto, devido a esta suspensão.
- Portugal vai desperdiçar vacinas? As vacinas da AstraZeneca que o país tem — cerca de 170 mil — estão "armazenadas em condições de preservação que não fazem com que sejam desperdiçadas", garantiu o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, responsável pelo plano de vacinação para a covid-19.
- Esta suspensão vai durar até quando? A agência europeia do medicamento está a analisar os casos reportados e é expectável que se pronuncie sobre a vacina as AstraZeneca esta quinta-feira, 18 de março.
O que dizem os especialistas?
- A Organização Mundial da Saúde assume o "pânico" teve um papel na decisão de suspender a vacina da AstraZeneca. A OMS tem defendido que “não há razão para não usar esta vacina”, mas por precaução “está a rever os dados disponíveis” sobre a vacina AstraZeneca/Oxford. O seu comité de especialistas reuniu-se hoje.
- Na semana passada, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) disse que não existem provas de um aumento de risco de coagulação sanguínea em pessoas vacinadas com o fármaco da AstraZeneca. Ontem o regulador europeu defendeu que “os benefícios” da vacina “superam os riscos de efeitos secundários”, garantindo ainda assim uma “análise rigorosa” às situações de formação de coágulos sanguíneos em vacinados. Já hoje, reforçou que eventos adversos não são inesperados quando se vacinam milhões de pessoas. Na próxima quinta-feira à tarde, a EMA irá divulgar as conclusões da investigação em curso e emitir uma decisão.
Um problema de confiança
- A expectativa de que esta suspensão dure apenas alguns dias, revelou Marta Temido, mas é ainda incerto o impacto que a decisão teve na confiança sobre a vacinação contra a covid-19.
- António Costa, que recebeu a primeira dose da vacina AstraZeneca, disse hoje que "toda a evidência científica demonstra que vacina é segura e efetiva. "Digo isto com a tranquilidade de eu próprio estar a ser vacinado e já ter tomado a primeira dose da AstraZeneca. Aguardo, aliás, com ansiedade a minha segunda dose em maio", acrescentou. O primeiro-ministro reforçou que a decisão de suspender a vacinação em Portugal foi preventiva, recordando que a OMS está a fazer uma reavaliação dos dados conhecidos, bem como a Agência Europeia do Medicamento (EMA).
- O Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, salientou hoje que “a mensagem que temos de passar às pessoas é de segurança, tranquilidade e de confiança” porque as vacinas para a covid-19 foram “amplamente testadas". Olhando para os dados da EMA, destaca que se registaram trinta casos em cinco milhões de pessoas vacinadas, o que é um número residual. Trata-se “de um episódio por 166 mil pessoas”, enquanto na população em geral a incidência de eventos tromboembólicos é de 16 a 38 casos por 100 mil pessoas, acrescentou.
- A subdiretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mariângela Simão, garantiu hoje que "quando se fala de segurança e de eficácia das vacinas, as pessoas podem ter a certeza que não se tomou nenhum atalho e não se cortou nenhuma etapa nos estudos clínicos que levaram à autorização das vacinas que estão no mercado”.
- Boris Johnson, líder do país que na Europa está a vacinar mais depressa a sua população — com 39 doses administradas por cada 100 pessoas — reiterou ontem a confiança na vacina da AstraZeneca.
- Por contraste, enquanto vários países europeus avançaram com a suspensão da vacina, o Canadá acaba de aprovar a sua utilização em pessoas com 65 anos ou mais.
Este não é o primeiro contratempo com a AstraZeneca
- A AstraZeneca tem estado na ‘mira’ da Comissão Europeia por demoras na entrega de vacinas à UE e, no sábado passado, anunciou novos atrasos, invocando problemas na produção devido às restrições impostas à exportação. O comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, considerou esta situação “inaceitável”.
- Muito criticada pelo ritmo lento das entregas na Europa e pelos atrasos do grupo AstraZeneca, a Comissão Europeia, que negociou os contratos em nome dos seus 27 Estados-Membros, espera um aumento das entregas no segundo trimestre.
- De recordar que a AstraZeneca anunciou no final de janeiro que só poderia entregar 40 milhões de doses aos países da União Europeia no primeiro trimestre, dos 120 milhões que havia inicialmente prometido devido a dificuldades de fabrico numa fábrica belga.
- Vale a pena também recordar que a vacina da AstraZeneca foi recomenda a pessoas com 65 anos ou mais durante várias semanas, Portugal incluído. Em solo nacional a norma alterou-se só a 10 de março.
(Notícia atualizada às 22h32: corrigido o número de vacinas recebidas e administradas da AstraZeneca em Portugal com base em novas informações da task force de vacinação)
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