A Rússia está a acusar a Ucrânia de ter tentado matar Putin num ataque por drones ao Kremlin, ao começo da noite desta terça-feira. Pode estar aqui arranjado um pretexto para ainda mais devastadora escalada na invasão russa à Ucrânia, no momento em que se anuncia o começo do contra-ataque de Kiev. Talvez mesmo um pretexto para, em lógica retaliatória de olho por olho, tentar alvejar diretamente Zelensky.
Há um facto relevante e inabitual a ter em conta: Moscovo quer que se saiba do “ataque ao Kremlin”. As imagens em vários vídeos amplamente divulgadas pelos sistemas russos de propaganda mostram dois objetos luminosos sobre os telhados do Kremlin e vemos que um deles explode. Não há autentificação dessas imagens por fontes independentes. A versão da Rússia de Putin alega que os sistemas eletrónicos da defesa anti-aérea russa desativaram um ataque ucraniano com dois drones lançados com intenção deliberada de assassinar Vladimir Putin.
Zelensky negou formalmente qualquer envolvimento da Ucrânia nesse alegado ataque ao Kremlin. Peritos garantem que não seria possível um pequeno drone chegar do território da Ucrânia aos céus do Kremlin.
Mas o porta-voz de Putin apareceu com uma declaração conforme à suspeita de intenção de escalada: “A parte russa reserva-se o direito a tomar medidas de represália onde e quando considerar oportuno”. O tom é de ameaça direta a Kiev e à NATO. Um comunicado da presidência russa enfatiza: “O Kremlin considera estas ações um plano terrorista e uma tentativa de assassinato do presidente [Putin] em vésperas do Dia da Vitória [sobre as tropas de Hitler] e do desfile de 9 de Maio”.
Não há qualquer prova do envolvimento da Ucrânia no que está a ser relatado por Moscovo como ataque ao Kremlin.
O modo como os serviços russos estão a comunicar esta versão de “um ataque” é o oposto à habitual estratégia do Kremlin de silenciamento e ocultação. Viu-se como a Rússia tentou esconder o ataque bombista em São Petersburgo que no mês passado matou um influente blogger pró-Putin; a mesma minimização sobre a explosão em outubro passado no tabuleiro da ponte que liga a Rússia à península ocupada da Crimeia: ou a bomba que em agosto tinha feito ir pelo ares em Moscovo o carro em que seguia Daria Dugina, filha de um ultranacionalista amigo de Putin.
Ponderados todos estes factos, é inquestionável suspeitar que o Kremlin esteja a tentar montar um pretexto para ampliar a operação terrorista na Ucrânia.
Encaixa nesta análise a declaração do presidente da Duma Estatal, a Câmara baixa do parlamento russo, Viacheslav Volodin: “Um ato terrorista contra o presidente é um ataque terrorista contra a Rússia [...] exigiremos o uso de armas capazes de deter e destruir o regime terrorista de Kiev”.
Há que estar prevenido para a probabilidade de nova fase, ainda mais cruel, na guerra desencadeada pela invasão russa da Ucrânia.
A presidência ucraniana anunciou ao fim do dia desta quarta-feira que os ataques russos, nas últimas 24 horas, à cidade de Kherson, no sul da Ucrânia, causaram 21 mortos.
Não surpreende se o Kremlin procurar um ataque em larga escala sobre Kiev. E forte resposta armada ucraniana, com os novos meios fornecidos pela NATO, sobre posições russas.
Resta saber se essa previsível escalada da guerra seja o prelúdio para as negociações que o presidente da China quer abrir e que estão a ser exploradas neste momento em que o Papa Francisco confirmou estar em curso uma não explicitada missão vaticana para a paz.
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