Em entrevista à agência Lusa, a luso-moçambicana que criou a plataforma digital Afrolink, que se apresenta como uma “embaixada” da força africana e afrodescendente em território português, afirma que “Portugal é um país estruturalmente racista”, o que não quer dizer que todos os portugueses sejam racistas.

Esta realidade, que é percecionada no dia-a-dia de quem não é branco - seja na escola, no acesso à habitação ou ao emprego - não está suportada por estatísticas, porque Portugal ainda não faz a recolha de dados étnico-raciais, ao contrário do que o movimento negro defende.

Esse censo irá demonstrar como os percursos são determinados “em função da maior ou menor concentração de melanina”, diz.

Ciente de que a discriminação em função da cor está “refletida em todas as esferas da sociedade”, dá conta de relatos que chegam ao Afrolink, como os de profissionais negros que, ao se candidatarem para uma oportunidade de trabalho, acabam por se ver obrigados, muitas das vezes, a retirar do currículo a fotografia.

“Nestas escolhas, as pessoas negras muitas das vezes são excluídas, mas obviamente, a nível de mercado de trabalho, no recrutamento, não é apenas esta questão que causa discriminação. Existem outras, como por exemplo a morada do bairro que muitas vezes é necessário ocultar para se ser considerado para uma entrevista”, acrescenta a ativista.

Mesmo em áreas em que sempre se registou uma “presença de corpos negros”, como no desporto, na música e na indústria do entretenimento, esta limita-se a quem o pratica, não existindo, por exemplo, treinadores negros.

Paula Cardoso classifica as redes sociais como ferramentas de denúncia de situações de racismo – como aconteceu recentemente com o cantor Dino d’Santiago, que um taxista não quis transportar – considerando que estas representam “uma possibilidade de amplificar as denúncias”.

“Claro que o reverso da moeda, digamos assim, é esta questão de o discurso de ódio também encontrar neste espaço uma via de propagação que é inegável”, diz.

Questionada sobre os movimentos que exigem uma discussão sobre o passado colonialista português, Paula Cardoso congratula-se com a posição de António Costa, que recentemente pediu desculpas pelo massacre de Wiriamu, Moçambique, há 50 anos.

“O pedido de desculpas tem um simbolismo que também é importante, é melhor que nada. A partir desse pedido de desculpas pode gerar-se o debate, como sobre a inventariação de obras de arte que foram saqueadas nos antigos territórios ocupados por Portugal”, diz.

Mas considera que é preciso ir mais longe, nomeadamente reconhecendo e confrontando esse passado: “Este reconhecimento está por fazer e, a partir do momento em que está por fazer, torna difícil qualquer intervenção no sentido de desmantelar esta estrutura”.

“Eu defendo e sou apologista de que a educação é a base de tudo. E quando falo em educação, falo logo na primeira infância”, diz a autora da série de livros infantojuvenis Força Africana, que coloca no centro da narrativa heroínas e heróis com os quais as crianças negras se podem identificar.

A nível escolar, a ativista recorda que existem muitas medidas elencadas no Plano Nacional de Combate ao Racismo e Discriminação e uma delas está justamente ligada à necessidade de se rever os conteúdos dos manuais escolares e, obviamente, a história e a forma como se conta a história e como elas excluem outras memórias, nomeadamente a da pessoa negra em Portugal.

“É muito importante repensarmos a forma como estamos a contar a história, assumindo todas as violências que existiram no passado e isso não tem que ver com culpa, mas com responsabilização. O passado aconteceu, nós não vamos conseguir alterar, a história está lá; mas, sejamos honestos, transparentes e responsáveis em relação àqueles que continuam a ser os efeitos dessa história”, afirma.

Para Paula Cardoso, “o colonialismo ainda está muito presente na sociedade portuguesa” e “é importantíssimo que este reconhecimento se faça e que, a partir desse reconhecimento, se comecem a implementar as tais medidas, umas que estão no plano nacional, outras não”.

E sobre os símbolos do império português, alguns dos quais alvo de ataques, existindo mesmo uma petição pela destruição da Torre de Belém e dos Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, a escritora manifesta-se apologista da “contextualização e não do derrube”.

E sublinha: “Esta questão da história, do que é que é a história, está muito relacionada com quem a conta e tem os instrumentos para fazer vincar determinada narrativa”.

Para a ativista, é “importante” que os monumentos permaneçam porque testemunham uma história que aconteceu, não deve ser apagada, mas sim “contextualizada”.

“Estivemos a lidar com genocídios, estamos aqui a falar de uma violência que ainda hoje tem um impacto naquelas que são as culturas destes espaços que foram ocupados e coisas tão elementares, quanto as línguas nacionais, que foram proibidas”, diz.

“Esta proibição de uma série de práticas e de expressões próprias daquelas realidades são violências que se exercem”, adianta.

A ativista defende medidas de reparação, como quotas de acesso ao ensino superior, mas definidas “de uma forma cabal” para as comunidades racializadas e não apenas para comunidades vulneráveis e menos privilegiadas do ponto de vista socioeconómico.