“Verificámos que os direitos dos passageiros aéreos não foram protegidos durante a pandemia e, entre março de 2020 e março de 2021, dezenas de milhões de passageiros tiveram os seus voos cancelados e estavam muito mal informados sobre os seus direitos”, afirma em entrevista à agência Lusa Annemie Turtelboom, membro do tribunal.

No dia em que o TCE publica o relatório “Direitos dos passageiros dos transportes aéreos durante a pandemia de covid-19: direitos essenciais não são protegidos, apesar dos esforços da Comissão”, Annemie Turtelboom indica à Lusa que, “neste momento, os passageiros são de facto os credores das companhias aéreas em dificuldades no sentido em que o seu dinheiro está nas contas bancárias das companhias aéreas e não foi reembolsado”.

Isto apesar de a legislação europeia prever “certos direitos, como por exemplo o direito ao reembolso se o voo for cancelado, que foi largamente ignorado durante esta pandemia” e levou a que estes passageiros “perdessem o seu dinheiro”, acrescenta a responsável.

No relatório, o TCE assinala que as restrições às viagens para conter o vírus – como controlo de fronteiras no espaço comunitário – foram muitas vezes impostas de forma descoordenada pelos Estados-membros, levando ao encerramento de cerca de 7.000 rotas aéreas na rede europeia de aeroportos.

Além dos problemas nos reembolsos, Annemie Turtelboom destaca também que, “durante esta pandemia, os passageiros foram muitas vezes forçados a aceitar vales em vez da devolução dinheiro e eles tinham direito a isso”.

“Isto é ilegal, é contra a lei da UE, que diz que normalmente ou se é reembolsado dentro de sete ou de 14 dias, dependendo da categoria, mas que deve ser reembolsado”, critica a responsável.

Annemie Turtelboom aponta que, ao mesmo tempo, “as companhias aéreas receberam uma quantia sem precedentes de dinheiro público, cerca de 35 mil milhões de euros para as ajudar a sobreviver à crise e para as impedir de ir à falência”.

Em causa estão as regras mais flexíveis da Comissão Europeia para ajudas estatais em altura de crise gerada pela pandemia, o que levou muitos países da UE a apoiarem as suas companhias aéreas, como fez Portugal com a TAP (primeiro com 1,2 mil milhões de euros e mais recentemente com um apoio intercalar de 462 milhões de euros) ou com a SATA (133 milhões de euros).

“Mas as companhias aéreas nem sempre utilizaram este dinheiro para reembolsar os passageiros. Os nossos governos poderiam e deveriam ter insistido que esta ajuda pública estivesse condicionada ao reembolso dos passageiros”, assinala a membro do TCE.

Annemie Turtelboom diz compreender que “os Estados-membros tenham ajudado as suas companhias aéreas, porque se trata de infraestruturas críticas, pelo que não é anormal, mas, por outro lado não é normal apenas receber dinheiro para ajudar as companhias aéreas e deixar os passageiros de lado”.

A responsável frisa ainda que as ajudas estatais poderiam ter sido “um instrumento realmente útil para proteger os direitos dos passageiros, mas nenhum país europeu o utilizou”.

Com o relatório hoje divulgado, o TCE recomenda que os passageiros passem a ser “melhor informados sobre os seus direitos”, nomeadamente através das redes sociais como Twitter, Facebook, LinkedIn e TikTok, e que a lei europeia sobre direitos dos passageiros aéreos seja respeitada, sugerindo à Comissão Europeia que crie um fundo de garantia, como existe para a banca, adianta Annemie Turtelboom à Lusa.