“O poder local, concretamente a autarquia, tem um papel-chave, porque tem as competências da habitação e porque tem, geralmente, o papel de dinamizar e coordenar a intervenção da rede social local”, assinala Henrique Joaquim, gestor da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo 2017-2023.
As orientações são “nacionais” e os princípios são “gerais”, mas “a intervenção tem de ser o mais personalizada possível, portanto, próxima e integrada, olhando para a pessoa como um todo”, realça.
A estratégia nacional assenta numa estrutura de núcleos locais, na qual as autarquias “são essenciais”, corrobora Nuno Jardim, diretor-geral do CASA - Centro de Apoio ao Sem-Abrigo.
“Toda a execução da estratégia é feita no terreno das autarquias. Apesar de haver uma estratégia nacional, é um trabalho que depois é feito muito localmente”, nota.
Nesse contexto, o papel das autarquias tem sido “muito importante”, avalia o responsável daquela instituição de solidariedade social.
“Foi através das autarquias que se conseguiu pôr muita coisa a funcionar, muitos projetos a andar, muito financiamento a ser aplicado”, detalha, considerando que “tem havido uma evolução”.
Ouvidos pela Lusa sobre os desafios do poder local na integração das pessoas sem-abrigo, a propósito das eleições autárquicas que se realizam em 26 de setembro, os dois especialistas concordam que se trata de “um problema social complexo, que não se resolve apenas com uma casa ou com um emprego”, que, portanto, dificilmente uma promessa eleitoral vertida em cartaz de propaganda conseguirá solucionar.
Ainda assim, a habitação, nas suas várias dimensões, é um tema de campanha recorrente em eleições locais.
Ambos concordam também que a exposição do fenómeno ajudou a que “muitos autarcas” hoje já “percebam melhor” a situação de sem-abrigo. Nuno Jardim diz mesmo que isso abriu caminho a “novas respostas”.
A maior consciência da opinião pública “tem provocado positivamente o poder político a atuar de uma forma mais assertiva”, atesta Henrique Joaquim, considerando que o poder local tem “consciência” de que, “independentemente da cor política (…), é necessário e é possível resolver” a situação.
Ainda assim, há “um caminho a percorrer” para consolidar a abordagem de que “o problema não é responsabilidade da pessoa” e “que se pode reverter”.
Para tal, urge “identificar quais são os fatores que levam as pessoas a estar nesta condição e atuar a montante nesses fatores”, defende Henrique Joaquim.
Portanto, “garantir mais vagas” para habitação é urgente, mas também se deve “evitar, se possível, que a pessoa chegue a esta situação”, pondo a prevenção “na agenda”, aponta o ex-presidente da Comunidade Vida e Paz, organização de apoio às pessoas sem-abrigo.
Sendo “um assunto muito complexo”, Nuno Jardim não acredita que possa ser resolvido até 2023, “como se pretendia no início”, com a adoção da estratégia nacional.
“É um processo contínuo e estrutural, porque tem a ver com a pobreza”, lembra.
A habitação é “o principal” desafio na resposta aos sem-abrigo – e “pode ser bastante melhorada”, mas a área dos cuidados de saúde também exige atenção. Em geral, as respostas podem ser “mais coerentes”, sustenta.
A pandemia de covid-19 teve impacto no fenómeno, desde logo o “lado negativo” de ver surgir mais pessoas em situação de sem-abrigo (e com outras necessidades, nomeadamente alimentares). Aqui, as autarquias, juntamente com as associações, foram importantes para “criar respostas”, frisa Jardim.
“Mas também ajudou a catapultar algumas respostas e alguns financiamentos”, obrigando os atores no terreno a tentarem “arranjar soluções”, destaca.
A pandemia “forçou que se acelerasse, se calhar, alguns projetos”, como alojamentos de emergência. “Entrámos todos num processo de quase reinvenção”, resume Jardim, acreditando que essas respostas são “para ficar” e até “para evoluir”.
No dia 26, mais de 9,3 milhões de eleitores poderão votar nas eleições autárquicas, às quais se apresentam mais de duas dezenas de partidos e mais de 60 grupos de cidadãos.
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