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O BACALHAU ALIMENTOU A ERA DOS DESCOBRIMENTOS, 500-1500

O Homo sapiens tinha fome. A vontade de comer peixe foi aumentando à medida que em finais do século X, início do século XI, a população europeia excedeu a capacidade de produção agrícola. A fome era uma das maiores motivações para que os seres humanos se aventurassem por mares desconhecidos para pescar, tal como o eram o desejo de riqueza, de poder e de estatuto. Fossem os Viquingues à caça de riquezas e novas terras, alimentados pelo bacalhau seco, ou os pescadores bascos em busca das baleias, e que em vez disso descobriram o bacalhau, ou os Alemães, no Norte da Europa, que dominavam o comércio do bacalhau seco, os europeus estavam em movimento.

Há mais de mil anos que os Noruegueses têm vindo a produzir bacalhau. A primeira indústria pesqueira a ter um mercado internacional, que gerava receita, foi nas ilhas Lofoten e Vesteralen, no tempestuoso mar da Noruega. A fonte de rendimento dos Noruegueses era o bacalhau seco. O clima que envolve estas ilhas era perfeito para a seca desta espécie de pescado, que não é oleosa. A seca do peixe é o método de conservação mais antigo e já era usado há mais de 100 000 anos pelos caçadores da Idade da Pedra.

Na Idade Média e no início da era moderna, os agricultores de subsistência dos Sami e dos Noruegueses tinham muita dificuldade para alimentar as suas famílias: viviam da pesca no Inverno, criavam algumas ovelhas e algum gado, e descobriram, no interior, uns campos no sopé das montanhas onde podiam criar feno no Verão. Reidar Bertelsen, um arqueólogo norueguês, descreve esta combinação «agricultor-pescador» como tendo «um pé verde e um pé azul», sendo que «o pé verde (agricultor) era feminino e o azul masculino».

Para apanhar o bacalhau junto à costa, os habitantes locais da Idade da Pedra usavam anzóis feitos de osso e chifre com pesos de pedra, numa linha de fibra vegetal, crina de cavalo e intestino de ovelha; nas águas mais rasas, usavam redes. Estas linhas de mão – apenas uma linha com anzol – também eram usadas nos barcos no mar alto. Funcionavam bem com o bacalhau, que tem uma fome insaciável e não estrebucha quando é fisgado. O bacalhau seco passou a ser uma fonte de alimento fiável e para o ano todo. Vestígios arqueológicos de restos encontrados numa comunidade de Lofoten identificam o bacalhau como a principal pescaria; os restos das espinhas de bacalhau que foram encontrados significavam que a maior parte do bacalhau fora seco. A partir da Idade Média, tornou-se um alimento das gentes comuns, comido em guisados ou cozido, enquanto a nobreza podia temperar o seu bacalhau, fresco ou salgado, com diversos molhos verdes, à base de salsa, pão, sal e vinagre.

Maria João Lopo de Carvalho junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 13 de dezembro, uma quarta-feira, pelas 21h00. A autora traz "Os Cinco e o quadro desaparecido", editado pela Oficina do Livro.

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"Os Cinco" é uma das mais conhecidas e bem-sucedidas séries literárias para crianças e jovens da autora britânica Enid Blyton, publicada e traduzida em vários países. Com o passar dos anos, deu origem a outras histórias, com as mesmas personagens, escritas por diferentes autores noutros países, como Sarah Bosse (Alemanha) e Claude Voilier (França).

Esta série literária de aventuras, escrita por Blyton entre 1942 e 1963, tem agora continuidade em Portugal pela mão da autora Maria João Lopo de Carvalho, pela Oficina do Livro (grupo Leya), a editora que detém os direitos e publicou os 21 volumes da coleção.

Maria João Lopo de Carvalho tem 61 anos, foi professora de Português e Inglês, criou uma escola de língua inglesa, trabalhou em publicidade e na Câmara Municipal de Lisboa e tem mais de 70 livros publicados, entre obras para adultos e para os mais novos.

O bacalhau seco permitiu as explorações dos Viquingues, que eram exímios a conceber e a construir barcos, bem como a navegar. Alguns viquingues eram impiedosos e voláteis; saqueavam e pilhavam por onde passavam. A partir de finais do século VIII e até finais do século XI, os Viquingues viajaram por grandes extensões do Norte, centro, Leste e Oeste da Europa, vindo a atingir a costa nordeste da América do Norte. Conhecidos também como homens do Norte, tinham «uma cultura guerreira poderosa, na qual o prestígio pessoal, os laços de parentesco e a riqueza eram de extrema importância», escreve Brian Fagan, autor de Fish on Friday. Em finais do século VIII, aquilo que os Viquingues não conseguiam fazer iam roubar algures, para depois o comerciar. O bacalhau seco, comido à laia de «bolacha do mar», possibilitou ambas as coisas.

As invasões da Grã-Bretanha pelos homens do Norte, que começaram em 793, levaram a que estes se estabelecessem e criassem colónias. Os nativos bretões aprenderam com os homens do Norte, que, embora nalgumas coisas fossem menos evoluídos, eram marinheiros exímios. Até os habitantes da Grã-Bretanha aprenderem com estes invasores do Norte como manobrar barcos e pescar no mar alto; as únicas espécies de peixe de água salgada que comiam eram espécies anádromas como o salmão, o esturjão e o sável. Por volta do ano 800, os Viquingues haviam saqueado a Escócia, a Irlanda e a França.

Se os homens do Norte não tivessem sal e precisassem dele, sabiam onde obtê-lo – nos pântanos salgados em Noirmoutier, uma ilha ao largo de Nantes, na costa ocidental de França. Em 860, Ermentário, um monge inglês que ali estava radicado, escreveu:

A quantidade de navios vai aumentando: o fluxo interminável de Viquingues não pára de crescer. Por todo o lado os cristãos são vítimas de massacres, incêndios, pilhagens: os Viquingues conquistam tudo no seu caminho e ninguém lhes resiste: tomaram Bordéus, Périgueux, Limoges, Angoulême e Toulouse. Angers, Tours e Orléans foram aniquiladas e uma frota incontável está a subir o Sena.

Mas os Viquingues eram exploradores e foram muito mais longe do que a Europa. Uma história já muito contada é a das expedições de Erik, o Vermelho, e do seu filho, Leif Erikson, que navegaram para lá das ilhas Shetland e Faroé até à Islândia, à Gronelândia, à península do Labrador, à Terra Nova e ao Nordeste da América do Norte, entre os anos 800 e 1000. Estes homens do Norte foram talvez os primeiros europeus do Norte a descobrir a América, 500 anos antes de Cristóvão Colombo. Embora haja vestígios de casas viquingues em L’Anse aux Meadows, na Terra Nova, que datam do ano 1000, os Viquingues não estabeleceram colónias permanentes. Tanto na Terra Nova como no Labrador, o bacalhau migra para a costa no Verão, e não no Inverno – o que permitiu que na Escandinávia se pudesse ser simultaneamente agricultor e pescador.

Como puderam os Viquingues, tão inquietos, sobreviver em viagens tão longas? O bacalhau seco, rico em proteínas, alimentou-os nestas viagens marítimas – um quilo de bacalhau seco contém a mesma quantidade de proteínas de 5 quilos de bacalhau fresco. Há várias gerações que os Noruegueses sabiam pescar e secar o bacalhau, e já desde o início do século VII que o bacalhau seco era produzido na Islândia e na Noruega, para ser comerciado no Norte da Europa. Os dois países tinham o clima frio e seco necessário para secar o peixe. Podia-se comê-lo como se fosse uma «bolacha do mar» ou tiras de carne seca; mas também podia ser reidratado e cozido.

Surgem nas sagas islandesas registos que atestam o comércio do bacalhau seco como mercadoria. Há uma referência na Saga de Egil, que data de 1240 e conta a história do clã de um agricultor e poeta islandês que emigrou da Noruega por causa de uma querela com o rei. A saga conta a vida dos membros do clã desde cerca de 850 até ao ano 1000.

A história mostra o uso antigo e o valor desde alimento tão apreciado e de tão fácil conservação. Os agricultores noruegueses foram os primeiros colonos da Islândia e reproduziram a sua produção de bacalhau seco num clima semelhante.

Enquanto os Noruegueses e os Islandeses tinham o vento frio e seco para conservar o bacalhau, os Bascos tinham o sal. Os Bascos começaram a navegar no Atlântico muito antes sequer de outros povos saberem que o faziam, julga-se que logo no século XV. Estes pescadores intrépidos e competentes podem ter sido um dos primeiros povos europeus a chegarem à América do Norte depois dos Viquingues. Este povo do País Basco – uma região no centro-norte de Espanha, sudoeste de França – foi à procura, em mares distantes, de algo que os europeus adoravam comer – a baleia –, que já rareava, por excesso de pesca, nos mares mais próximos.

Tal como muitos pescadores, os Bascos mantiveram segredo sobre os seus pesqueiros. Ao perseguirem os cardumes de arenques e bacalhaus que as baleias comem, descobriram cardumes enormes de bacalhau, que, quando salgado, se tornou uma fonte de alimento que se mantinha comestível em viagens muito longas. Também se tornou num produto novo e duradouro, que se podia vender e durava ainda mais do que o peixe seco, a carne vermelha ou arenque salgados. Se o mantivermos seco e longe de ambientes quentes e húmidos, o bacalhau pode aguentar-se dois anos ou mais.

Tal como o mundo estava à beira de uma viragem monumental na questão das fontes de alimento, também havia um prenúncio despercebido de mudança na relação entre o bacalhau e os seres humanos. Na Escócia, por volta do ano 800, a dieta local mudou: subitamente, surgem espinhas de bacalhau nos vestígios arqueológicos, assim como vestígios de aves marinhas que nidificam em ilhas distantes. Estes vestígios dão a entender que os Escoceses descobriram como usar barcos suficientemente robustos para pescar bacalhau em alto-mar e explorar novas ilhas. Pode também querer dizer que a chegada dos Viquingues à Escócia levou a inovações na construção naval e na pesca em alto-mar.

Mas estes pequenos acontecimentos transformaram-se numa mudança colossal na Europa entre 950 e 1050. Subitamente, disparou o consumo de peixe do mar, incluindo algum bacalhau e muito arenque. À medida que os homens do Norte invadiram e se estabeleceram no Norte da Europa, trouxeram consigo o consumo de peixe de mar, em especial o bacalhau. E também trouxeram às novas comunidades a construção naval, a navegação e as práticas pesqueiras. Eram precisos barcos maiores e uma competência especial para pescar em alto-mar. Por volta do ano 1000, construíram-se barcos maiores, o que permitiu pescar para lá da linha de costa. E isto chegou em boa hora para os europeus, que já haviam exaurido os seus pesqueiros de água doce e andavam à procura de novas fontes alimentares.

Os barcos maiores foram providenciais, pois mais ou menos na mesma altura iam surgindo novas cidades no Norte da Europa, o que obrigava a aumentar as fontes de alimentos além daquilo que estas conseguiam produzir. Em vez de peixe fresco, que se estragava facilmente, os habitantes destas novas cidades acrescentaram à sua alimentação o bacalhau e o arenque salgados, que se conservavam durante muito tempo. Foi uma mudança profunda nos hábitos alimentares dos europeus do Norte.

Em Inglaterra, mais ou menos na mesma altura, o consumo de bacalhau aumentou quando se tornou mais popular comer peixe pescado em alto-mar do que peixe de água doce. Segundo o autor Michael Pye, o bacalhau era um peixe para o qual os Ingleses nem sequer tinham nome. E graças aos arqueólogos que analisam as espinhas de peixe sabemos que pouco tempo depois estava a ser comido em todo o país. Em Inglaterra e na Bélgica, de 800 a 1100, grande parte do bacalhau e de outras espécies de mar era pescado no mar do Norte, ali perto. Provavelmente, o peixe não era conservado, mas sim comido fresco. Por volta do início do século XIII, os habitantes da Inglaterra e da Europa continental estavam a consumir bacalhau seco da Noruega e do mar Báltico. Ao mesmo tempo, os Franceses também estavam a comer mais peixe de mar. Em The Edge of the World, Pye afirma: «Pela primeira vez, a pesca em alto-mar estava a alimentar a terra».

A procura cada vez maior de bacalhau seco também foi criada por duas organizações do século XIV – a Liga Hanseática e a Igreja Católica –, o que fez do bacalhau uma mercadoria. No início do século xii, umas quantas cidades do Norte da Alemanha agruparam-se numa guilda mercantil, para combater a pirataria e desenvolver o comércio marítimo. A Liga Hanseática, com sede em Lübeck, na Alemanha, dominou durante séculos o comércio marítimo ao largo da costa do Norte da Europa, até Bergen, na Noruega, ali florescendo durante quase quatrocentos anos. Nas principais cidades costeiras, trocavam cereais, peles, metais, sal, madeira, tecidos e outras mercadorias por bacalhau seco. Os principais enclaves da Liga iam de Novgorod a Londres, da Islândia à Noruega. A partir do seu entreposto isolado, em Bergen, exerceu um quase monopólio do bacalhau seco no Norte da Europa, e tentou controlar outras mercadorias a granel, como o peixe salgado.

O crescimento do comércio do bacalhau seco coincidiu com outro aumento, a vontade de comer bacalhau, bem como outros peixes. No século xiv, a Igreja exigia que quase metade do ano fosse dedicada à abstinência de carne (e sexo). As dietas monásticas dos católicos tornaram-se cada vez mais extravagantes, enquanto os seus apetites se foram tornando mais sofisticados, assim como os desejos da aristocracia, cuja riqueza estava gradualmente a aumentar. À mesa, o bacalhau assumiu o lugar do arenque, em queda, enquanto recurso vasto e aparentemente inesgotável. Tornou-se até o principal alimento de exércitos e para as marinhas em expansão, pois era leve e fácil de transportar. A Quaresma, com as suas restrições alimentares durante seis semanas, era especialmente difícil, e as pessoas contavam com uma série de peixes diferentes. Na verdade, embora o bacalhau seco e o salgado estivessem associados à abstinência e à penitência, eram comidos com regularidade durante este período, tal como o bacalhau fumado. Os habitantes da costa comiam bacalhau fresco.

Há dois livros da Idade Média que nos revelam como se pre- parava o bacalhau em França. No início do século XIV, o autor de Le Viandier de Taillevent sugere: «O bacalhau salgado come-se com molho de mostarda ou com manteiga fresca derretida por cima». Embora a autoria deste livro de cozinha seja muitas vezes erroneamente atribuída a Guillaume Tirel, alcunhado Taillevent, ele era na realidade um chefe influente das casas reais francesas, em nome de quem se baptizou o célebre restaurante de Paris, entre outros (Le Viandier já existia antes de Tirel nascer, mas ele usou e editou o livro de cozinha). Um guia medieval francês de 1393 dedicado às mulheres e sobre a lida da casa, Le Ménagier de Paris, escrito para a noiva adolescente do autor, sugere: «Quando o peixe salgado não é bem demolhado, fica com um sabor demasiado salgado; contudo, se for demasiado demolhado, não sabe bem; por isso, quem o comprar deve testá-lo, trincando e provando um bocado». Mas o bacalhau fresco era cozinhado com vinho e servido com um molho jance de especiarias, como o gengibre ou a pimenta, cebola, agraço (sumo de ameixa ou hibisco) e talvez vinho e alho.

A procura de peixe fresco estava a aumentar. As pessoas queriam mais variedade e melhor qualidade. Por vezes, as outras espécies de peixe estavam estragadas ou infectadas com insectos. Os mosteiros junto à costa empregavam pescadores a tempo inteiro para assegurar o fornecimento regular de peixe de mar fresco. Alguns dos registos mais pormenorizados do consumo de bacalhau chegaram-nos dessas comunidades religiosas. Em 1405, o priorado de Peterborough, em Inglaterra, além de um consumo extravagante de peixe fresco, ainda pagou principescamente por bacalhau seco e arenque salgado. Antes da Páscoa, um banquete de Quinta-feira Santa incluiu 20 bacalhaus pequenos, dois pregados, seis escamudos, duas raias grandes, 1500 búzios, um salmão fresco e uma enguia.

No século XV, todas as classes económicas preferiam o bacalhau seco ao arenque salgado. O bacalhau era uma pescaria mais garantida e mais fácil de conservar, fosse seco ou salgado. Então, os Italianos juntaram-se aos seus vizinhos franceses e adquiriram o gosto pelo bacalhau seco.

Em 1431, quando navegava de Creta para a Flandres, um capitão da marinha mercante veneziano, Pietro Querini, foi atirado para fora de rota por uma violenta tempestade. O navio ficou destruído, mas ele e onze marinheiros foram levados à deriva, num salva-vidas, para o mar do Norte, em pleno Inverno. Escaparam a uma morte quase certa e desembarcaram na costa rochosa da ilha mais meridional das Lofoten, onde viriam a ser encontrados. Em Maio de 1432 já estavam suficientemente recuperados para regressarem a Itália – desta vez por terra – e levaram consigo uma grande quantidade de bacalhau seco. O capitão Querini escreveu um diário sobre a sua experiência. Nele descreve como é que os seus salvadores preparavam o bacalhau seco, batendo-o para ficar mais fino e ensopando-o em manteiga, que foi o seu alimento até ficarem recuperados. Querini viria a tornar-se o primeiro importador de bacalhau seco, stocafisso, em Itália. (Em 2012, baseada no relato de Querini, representou-se em Lofoten uma ópera lírica, Querini, decerto a única sobre bacalhau fresco. O autor foi um compositor norueguês, Henning Sommerro, e a representação foi elogiada no Financial Times.)

Livro: "Bacalhau. Uma história global"

Autor: Elisabeth Townsend

Editora: E-Primatur

Data de Lançamento: dezembro de 2023

Preço: € 17,90

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À medida que a procura de bacalhau foi aumentando e as migrações de arenques foram escasseando, os pescadores ingleses iniciaram a procura de novas fontes de bacalhau. Começaram a navegar em direcção à Islândia. (Parece que nunca se cruzaram com os Bascos.) Para os navios ingleses com destino à Islândia, era garantido que se cruzassem com os navios da Liga Hanseática, o que desencadeou os primeiros conflitos por causa do bacalhau. Bristol, um centro para o comércio do bacalhau seco que contava com a procura constante de bacalhau por parte dos cristãos, era um porto próspero e situado numa localização estratégica, isto apesar da viagem que percorria o perigoso canal de Bristol. Já por volta de 1420 havia uns quantos mercadores de Bristol que compravam bacalhau seco. Há quem avente a hipótese de, na década de 80 do século xv, navios de Bristol descobriram a América do Norte antes de Colombo, mas na altura – e tal como os Bascos – ninguém revelava de onde vinha o bacalhau. Durante este século, vários navios de Bristol continuaram a entregar o lucrativo bacalhau seco da Islândia. Isto é, até que na década de 70 do século xv a Liga Hanseática impediu os mercadores de Bristol de tratarem com a indústria pesqueira islandesa. Duas décadas mais tarde, quando o ruído assentou, a Liga sugeriu recomeçar o comércio islandês, mas os mercadores de Bristol já se haviam mudado para os pesqueiros florescentes do Atlântico Norte ocidental. Mais importante ainda, os pescadores bascos, ingleses, franceses e portugueses haviam dado com os Grandes Bancos da Terra Nova, um filão imenso para a pesca do bacalhau situado no abundante Atlântico Norte ocidental. Fosse por causa de histórias antigas que os capitães contavam, pelos ventos imprevisíveis ou por um feliz acaso, nunca saberemos.

Embora esta nova fonte de peixe – e de riqueza, na forma de lombos de bacalhau prateados em vez de ouro –, completamente inesperada, tenha inflamado a imaginação europeia, surgiu outra fonte marítima de riquezas, o caminho marítimo para as especiarias e o ouro da Ásia. Muitos mercadores queriam libertar-se de quem mandava no comércio de especiarias ultramarino tão lucrativo, Génova e Veneza. Não há dúvida de que navios mais bem concebidos, marinheiros mais intrépidos e financiamento por parte de monarcas europeus aumentaram o desejo de explorar o mundo asiático. Ao mesmo tempo, a população europeia estava a aumentar rapidamente na Península Ibérica e a Pequena Idade do Gelo abatia-se na Europa, reduzindo as estações das colhei- tas e intensificando o mau tempo errático. Por muitas razões, aqueles exploradores que em breve iriam ser famosos estavam em marcha.

Em 1497, John Cabot [Giovanni Caboto], um capitão genovês, como Colombo, reivindicou a Terra Nova para o monarca inglês Henrique VII, descoberta pela qual o rei atribuiu a Cabot uma tença anual de 20 libras esterlinas. Cabot, um ano mais velho do que Colombo, estava também à procura de um caminho marítimo para a China, devido ao ouro e às pedras preciosas que iriam enriquecer os Britânicos. Com rumo traçado para ocidente, o seu navio zarpou de Bristol, uma cidade conhecida como ponto de partida para expedições ao Atlântico Norte.

A 18 de Dezembro de 1497, o enviado de Milão a Londres, Raimondo di Soncino, escreveu ao duque de Milão um dos poucos relatos conhecidos do regresso de Cabot a 6 de Agosto desse ano:

Ele começou por navegar rumo às regiões orientais (...) e tendo vagueado bastante, finalmente avistou terra [Não se sabe se era o cabo Bretão, o Labrador ou a Terra Nova, mas diz-se que as colónias tinham a bandeira inglesa] (...) afirmam que que [sic] o mar está coberto de peixes, que são apanhados não só com a rede mas também à cesta, à qual se ata uma pedra, para que esta se possa afundar. E isto ouvi eu o dito Mestre John contar.

Na mesma viagem, os Ingleses perceberam o valor deste peixe do Novo Mundo e disseram que os seus navios «trarão tantos peixes que este reino deixará de ter necessidade da Islândia, de onde ainda vem uma grande quantidade de peixe que se chama bacalhau seco».

Os primeiros exploradores como Cabot sustentaram-se com bacalhau seco ao ar livre e bacalhau salgado. Mais tarde, sabemos como é que o bacalhau salgado era cozinhado nos navios. Em meados do século XVI, a tripulação do Mary Rose, um navio britânico de Portsmouth, ao preparar-se para a batalha com os Franceses teve um intervalo bem-vindo e fez uma refeição à base de peixe «pobre John», outro nome para bacalhau curado com sal. O bacalhau foi demolhado durante 24 horas em grandes tinas. Depois foi trinchado e dividido em sacos de pano, que foram carregados em baldes de madeira e armazenados por baixo do convés, na cozinha, para ser cozido em grandes caldeirões. Cada marinheiro recebeu 1⁄4 de um bacalhau salgado de 60 cm, juntamente com pão, manteiga, queijo e cerveja. O bacalhau salgado também surge bastante mais tarde, em 1623, n’A Tempestade, de Shakespeare, quando o odor de um pescador malcheiroso é descrito como não sendo do mais recente «pobre John».

Apesar da riqueza marinha na ponta dos dedos, a procura de um caminho marítimo para a Ásia continuou. Na sua primeira viagem, 1497-98, Vasco da Gama zarpou de Lisboa com a intenção de descobrir a passagem oriental e tornou-se o primeiro europeu a navegar até à Índia. Apoiado por D. Manuel, navegou o seu navio junto à costa ocidental africana, até ao cabo da Boa Esperança, e depois junto à costa de Moçambique, cruzando de seguida o oceano Índico até Calecute, na Índia. E no regresso trouxe o carregamento da praxe das preciosas especiarias. Esta descoberta, e o posterior controlo do caminho marítimo para a Índia, resultaram num império global para Portugal. Onde os Portugueses desembarcaram, o bacalhau salgado, o alimento básico da dieta dos exploradores, tornava-se parte da cozinha local, bem longe do âmbito geográfico desse peixe.

Os Portugueses não ignoraram o bacalhau na América do Norte, onde reivindicavam novos territórios na Terra Nova (tal como as pretensões rivais de Cabot pelos Ingleses). No início do século xvi, nos portos portugueses encontrava-se bacalhau salgado da Terra Nova, para não falar no mercado de Rouen, na Normandia. Mark Kurlansky, autor de Cod, escreve: «Em meados do século, 60% de todo o peixe que se comia na Europa era bacalhau». Isto iria continuar nos próximos dois séculos.

Dada a abundância de recursos marinhos, não nos deverá surpreender que uma península curva no meio dos pesqueiros de bacalhau viesse a ser associada a este peixe famoso. Foi descoberta por acaso quando outro italiano, Giovanni da Verrazzano, estava a explorar a costa da América do Norte, por volta de 1524-27. À procura de uma rota para a China, a soldo da Coroa francesa, Verrazzano chamou-lhe Pallavisino, em honra de um general italiano. De facto, o contorno de Cape Cod, no Massachussets, figura num dos mapas de Verrazzano, mas sem o nome que tem actualmente.

A conquista territorial da América do Norte continuou 42 anos depois de Colombo, quando em 1534 o explorador bretão Jacques Cartier tomou posse, para a França, daquilo que é hoje o Canadá. Também ele tinha como motivação principal descobrir a rota para a Ásia. Numa história muito contada, Cabot encontrou uns mil baleeiros bascos na foz do rio St. Lawrence – mas não temos indícios concretos de haver tantos Bascos no Atlântico Norte. A primeira prova concreta foi a descoberta das ruínas de um entre- posto baleeiro na costa do Labrador, datado dos anos 30 do século XVI. É bem possível que, muito antes destes exploradores bem conhecidos, pescadores bascos, ingleses, franceses e portugueses tenham encontrado os ricos pesqueiros de bacalhau no Novo Mundo – os Grandes Bancos da Terra Nova. Depois das viagens de Cabot à América do Norte, começou a competição.