Dois juízes federais no Texas e em Washington emitiram sentenças opostas, nesta sexta-feira, intensificando assim a batalha legal a respeito do aborto e sobre um medicamento de uso comum para interromper a gravidez.
A batalha legal quanto ao acesso à pílula mifepristona avançou de maneira mais intensa desde que o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos revogou o direito federal ao aborto.
Nesta sexta-feira, a primeira sentença emitida pelo juiz federal no Texas Matthew Kacsmaryk, indicado por Donald Trump pelas suas opiniões ultraconservadoras, suspendeu a autorização que a Administração Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA) concedeu há mais de 20 anos ao medicamento.
Horas depois, numa reviravolta jurídica dramática na direção oposta, o juiz federal de Washington Thomas Rice, nomeado pelo presidente democrata Barack Obama, afirmou que a FDA deve manter a disponibilidade da pílula abortiva em pelo menos 12 estados.
O juiz Kacsmaryk disse que a sua sentença não seria aplicada antes de sete dias, para que o Departamento de Justiça possa recorrer. A 15 de abril, possível data da sua decisão, haverá uma "mobilização de emergência" em todo o país, convocada pela organização feminista Women's March.
Entretanto, Joe Biden anunciou que "vai lutar" contra a decisão de suspender a pílula abortiva no país, medida que considerou "uma tentativa sem precedentes de negar às mulheres liberdades básicas". De resto, o Departamento de Justiça norte-americano já tinha comunicado também que vai recorrer da decisão.
O governo “discorda veementemente desta decisão”, disse o secretário da Justiça, Merrick Garland, em comunicado. “O governo vai recorrer e, entretanto, procurar obter uma suspensão”, acrescentou.
Garland denunciou a decisão, que afeta todo o país, incluindo os estados que protegem o direito ao aborto, como “contrária à conclusão da FDA (…) de que a mifepristona é segura e eficaz”.
Uma vez apresentado o recurso do Governo, a decisão será revista de emergência por um tribunal de recurso em Nova Orleães, também conhecido por ser conservador. O caso deverá, portanto, ser rapidamente levado ao Supremo Tribunal dos EUA.
O quão usada é a pílula abortiva?
Segundo o Instituto Guttmacher, esta pílula representou mais da metade (52%) dos 930.160 abortos registados em 2020 por esta organização que mede o impacto das políticas públicas e de saúde reprodutiva nos Estados Unidos. Em 2008, a cifra era de 17% e em 2017 de 39%
Apesar do número dos chamados !aborto por medicação! ter registado um aumento expressivo nos Estados Unidos nos últimos anos, não é tão predominante como em várias nações europeias. Em França, por exemplo, os abortos deste tipo representaram 70% do total em 2020.
Esta pílula é legal e está disponível em Portugal também.
Como funciona?
A pílula abortiva é diferente da pílula do "dia seguinte", que as mulheres podem utilizar logo depois de uma relação sexual para evitar uma gravidez.
A mifepristona é utilizada para induzir um aborto, após a confirmação da gravidez. Na verdade, envolve mais de uma pílula.
A primeira, mifepristona, conhecida também como RU 486, para a continuidade da gravidez ao bloquear a produção da hormona progesterona. Outro medicamento, o misoprostol, é tomado 48 horas depois e provoca cólicas, sangramento e esvazia o útero.
As pílulas abortivas podem ser usadas em casa e não necessitam de assistência médica.
Quando é que esta pílula foi aprovada?
A FDA aprovou a mifepristona e o misoprostol em 2020, sendo que o seu uso é permitido até à 10ª semana de gravidez. Após este período de gestação, a mulher precisa de abortar por outros métodos, como a aspiração intrauterina.
O custo médio de um medicamento abortivo na organização Planned Parenthood é de 580 dólares, mas pode superar 800 dólares.
É segura e eficaz?
O uso da pílula abortiva durante o período de tempo especificado é considerado seguro e eficaz pelos especialistas médicos.
A gravidez é interrompida com êxito em mais de 95% dos casos em que a pílula é usada, segundo os estudos disponíveis. Complicações sérias, como sangramento excessivo, febre, infeção ou reação alérgica, que exigem consulta médica, são incomuns.
Onde está disponível nos EUA?
Pelo menos 15 estados americanos proibiram ou restringiram a maioria dos abortos, inclusive os que exigem medicamentos, desde que o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos revogou em junho do ano passado o direito federal à interrupção da gravidez.
Apesar das proibições, várias organizações mobilizaram-se para fornecer pílulas abortivas a mulheres em estados onde o aborto enfrenta restrições. O alcance dos esforços é difícil de avaliar.
Nos estados onde o aborto é legal, a FDA recentemente flexibilizou as restrições de acesso à mifepristona, com a permissão para o envio por correspondência com prescrição médica ou a venda direta nas farmácias como qualquer outro medicamento.
"O Supremo Tribunal tem uma larga tradição de respeito pelas opiniões científicas das agências federais", disse Lawrence Gostin, professor de Direito da Universidade de Georgetown, à AFP.
Este reconhecido especialista em direito sanitário espera uma resolução favorável à FDA. Reconhece, no entanto, que "o resultado da batalha é incerto". "A super maioria conservadora do Supremo Tribunal cancelou o direito constitucional ao aborto e mostrou-se hostil às regulações federais relacionadas à Covid-19 e às mudanças climáticas". "Este é um momento perigoso para as mulheres americanas", observou.
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