"Fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história"

"Faz quase três anos que saí da sede do Sindicato dos Metalúrgicos para me entregar à Polícia Federal. Fui, obviamente, contra a minha vontade, porque sabia que estavam prendendo um inocente. Tomei a decisão porque não seria correto um homem da minha idade aparecer na capa dos jornais e na televisão como fugitivo", afirmou Lula, na sua primeira declaração pública após as condenações no Paraná terem sido anuladas.

"Como tinha clareza das inverdades, tomei a decisão de provar a minha inocência perante o juiz Sergio Moro. Eu tinha tanta confiança e consciência do que estava a acontecer no Brasil e tinha a certeza de que o dia da verdade chegaria... e chegou. (...) Mas sei que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história", salientou o ex-chefe de Estado.

Lula, que garante ser inocente, atribuiu às "falsas acusações" de corrupção contra si a morte da sua mulher, Marisa Letícia Lula da Silva, em 2017.

"Sei que a Marisa morreu por conta da pressão e o AVC se apressou. (...) Fui proibido de visitar o meu irmão num caixão, enquanto estava preso. Se tem um brasileiro que tem razão para ter muitas e profundas mágoas sou eu, mas não tenho, porque o sofrimento que o povo brasileiro e os pobres estão passando neste país é infinitamente maior do que qualquer crime que cometeram contra mim", lamentou.

Lula da Silva falou hoje à imprensa, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, São Paulo, na presença de figuras políticas como Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) que perdeu a eleição presidencial para Jair Bolsonaro, em 2018, e Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O histórico líder do PT aproveitou o seu pronunciamento para agradecer a "solidariedade" do Papa Francisco, do chefe de Estado argentino, Alberto Fernández, do ex-presidente espanhol José Luis Zapatero, entre outros líderes internacionais, ao longo de todo o período em que esteve na prisão.

“Os meus agradecimentos ao nosso querido Papa Francisco, não só porque ele mandou uma pessoa me visitar em Curitiba, para me mandar uma carta. (...) Além dos belos pronunciamentos do Papa em vários momentos, e o facto de o Papa ter a coragem de me receber no Vaticano”, agradeceu o chefe de Estado.

Lula revelou ainda que Fernández "foi o primeiro" a ligar-lhe na segunda-feira, depois que o juiz Edson Fachin anulou todas as sentenças contra o ex-mandatário.

"Não poderia deixar de agradecer ao Presidente da Argentina, que teve a decência e a coragem de me ir visitar a Curitiba. Até pedi para ele não dar entrevistas, para não ser prejudicado, mas ele disse: 'Lula, não tenho nenhum problema com o que a direita vai falar, vim aqui ser solidário com você que está vivendo a maior injustiça política já praticada na América Latina'", relatou.

A sua longa lista de agradecimentos contou ainda com o ex-presidente da Bolívia Evo Morales, o antigo mandatário do Uruguai José Alberto "Pepe" Mujica, o senador norte-americano Bernie Sanders, a autarca de Paris, Ana Hidalgo, e o Foro de São Paulo, uma organização de partidos de esquerda da América Latina.

“Muitas mortes podiam ter sido evitadas se o Governo fizesse o elementar"

“Vou tomar a minha vacina, não importa de que país. E quero fazer propaganda para o povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do Presidente da República [Jair Bolsonaro] ou do ministro da Saúde [Eduardo Pazuello]”, criticou Lula da Silva, em São Paulo, na sua primeira declaração pública após as condenações no Paraná terem sido anuladas.

“Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da covid-19. Mas mesmo tomando vacina, não ache que você já [pode] tirar a camisa, já [pode] ir para o’boteco’ [bar] pedir uma cerveja gelada, ficar conversando. Não! Você precisa de continuar a fazer isolamento, continuar a utilizar máscara, álcool em gel. Pelo amor de Deus. Esse vírus, essa noite, matou quase 2.000 pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas”, disse, em tom exaltado, o ex-mandatário.

Luiz Inácio Lula da Silva lamentou as mais de 268 mil mortes devido à covid-19 no Brasil e criticou duramente a conduta e retórica de Bolsonaro ao longo da pandemia.

O antigo chefe de Estado prestou ainda “solidariedade” aos governadores que, segundo o político, estão a “lutar para dar vacina”, apesar da “incompetência” do Governo e do Ministério da Saúde.

“Muitas mortes podiam ter sido evitadas se o Governo fizesse o elementar. A arte de governar não é fácil, mas é a arte de saber tomar decisões. A primeira coisa que o Presidente deveria ter feito era, em março, ter criado um comité de crise com especialistas”, disse Lula, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, São Paulo.

“Ele [Bolsonaro] não sabe o que é ser Presidente. A vida inteira não foi nada. Ele não foi nem capitão. Só se aposentou porque queria explodir quartel. Depois de se aposentar, nunca mais fez nada na vida. Ele foi vereador e deputado durante 32 anos e conseguiu passar para a sociedade de que ele não era político. Conseguem ver o poder do fanatismo através das ‘fake news’? Elas elegeram um Trump, elas elegeram Bolsonaro”, frisou Lula.

O Brasil, com 212 milhões de habitantes e que vacinou cerca de 4% da sua população, concentra 268.370 mortes e 11.122.429 casos de infeção, sendo um dos três países mais afetados pelo novo coronavírus em todo o mundo.

"Não pode ter medo de polarizar, tem que ter medo é de ficar esquecido"

"Seria pequeno se estivesse pensando em 2022 neste instante. Agora o PT [Partido dos Trabalhadores] tem que colocar as suas lideranças para andar pelo país, como Gleisi [Hoffmann, presidente nacional do PT] e Haddad [Fernando Haddad, antigo prefeito de São Paulo e ex-candidato presidencial em 2018] estão fazendo. Tem momento para tudo, não podemos ficar a responder se vamos ter candidato agora ou não", disse Lula, em São Paulo.

“Em 2022, o partido vai pensar no momento das convenções e discutir se vai ter candidato, ou se vai apostar numa frente ampla", acrescentou o ex-mandatário, na sua primeira declaração pública após as condenações no Paraná terem sido anuladas, não descartando uma aliança com partidos de centro.

Questionado pela imprensa sobre as críticas à “polarização política” no Brasil, provocada pela disputa entre Lula e Bolsonaro, o histórico líder do PT considerou o fenómeno como algo positivo.

“O PT polariza desde 1989. O PT sempre polarizou e espero que continue assim. (...) Significa que o PT é muito grande. Não pode ter medo de polarizar, tem que ter medo é de ficar esquecido. Gosto de eleição em duas voltas justamente para construir as alianças e reunir o país”, disse.

"A polarização é importante, o que não pode é cometer erros, como o do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] em 2014, em não querer aceitar o resultado. Deu no que deu, no Bolsonaro [Jair Bolosnaro, atual Presidente do Brasil]. Se o adversário vai ser Bolsonaro, não sei. Ele tem uns 20% de 'milicianistas', vamos ver", avaliou Lula, sobre o alegado apoio de milicianos a Bolsonaro nas presidenciais de 2022.

Lula da Silva falou hoje à imprensa, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, São Paulo, na presença de figuras políticas como Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) que perdeu a eleição presidencial para Jair Bolsonaro, em 2018, e Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Segundo o ex-mandatário, será "mais fácil" construir uma frente de esquerda para disputar as próximas eleições presidenciais, "para produzir um programa de luta contra o que está a acontecer com a direita".

"Vejo muita gente falar sobre 'frente ampla', mas o que se fala agora é frente de esquerda. Ela será ampla se conseguirmos conversar com outras forças políticas. É possível, é. Nos estados brasileiros temos vários governadores eleitos em aliança ampla. Quando chegar a época da eleição as coisas vão acontecer, não estou preocupado com isso agora", reforçou Lula da Silva.

Sobre o ex-governador Ciro Gomes, que também já concorreu à Presidência do Brasil e que na terça-feira declarou que Lula pode ter sido considerado inocente pela Justiça, mas que não é honesto, o antigo chefe de Estado disse que o ex-aliado precisa de se reeducar e deixar de “meninice” na política.

“Ciro deve assumir a responsabilidade de ser um homem de 64 anos. Se Ciro quer ser Presidente, ele tem de respeitar as pessoas, ele primeiro tem que se reeducar. Se Ciro continuar com essas grosserias, não vai ter apoio da esquerda, não vai ter confiança da direita, vai ter menos votos”, advogou Lula.

Lula da Silva falou hoje à imprensa, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, São Paulo, na presença de figuras políticas como Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) que perdeu a eleição presidencial para Jair Bolsonaro, em 2018, e Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O juiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, anulou na segunda-feira todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Justiça Federal no Paraná, relacionadas com as investigações da operação anticorrupção Lava Jato.

A anulação foi decretada na sequência da decisão de Fachin, de declarar a incompetência da Justiça Federal do Paraná nos processos sobre a posse de um apartamento de luxo no Guarujá e de uma quinta em Atibaia, ambos em São Paulo, que haviam levado a duas condenações do ex-chefe de Estado brasileiro, em decisões das primeira e segunda instâncias.

Isto não quer dizer que o antigo chefe de Estado brasileiro tenha sido inocentado já que os processos serão remetidos para a justiça do Distrito Federal, que vai reavaliar os casos e pode receber novamente as denúncias e reiniciar os processos anulados.

Com a decisão, porém, Lula da Silva voltou a ser elegível e recuperou seus direitos políticos.

Lula, de 75 anos e que governou o Brasil entre 2003 e 2010, chegou a cumprir 580 dias de prisão, entre abril de 2018 e novembro de 2019 e, desde então, o ex-presidente recorria da sua sentença em liberdade condicional.