O que aconteceu?
Centenas de apoiantes do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro invadiram e vandalizaram este domingo, 8 de janeiro, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), sedes do poder legislativo, executivo e judiciário do Brasil.
Os manifestantes - muitos dos quais estavam acampados há semanas em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília - começaram por se concentrar em frente ao Ministério da Justiça. Avançando pela Praça dos Três Poderes este domingo, invadiram o Congresso, conseguiram entrar no Palácio do Planalto e o alvo final foi Supremo Tribunal Federal, relata a Folha.
Pelo caminho, os manifestantes deixaram um rasto de destruição: vidros partidos, móveis atirados para o exterior, computadores e outros monitores atirados ao chão, um brasão da República foi retirado das paredes do STF, o quadro "As Mulatas", do pintor Di Cavalcanti, foi rasgado e a escultura "A Justiça", feita em 1961 pelo artista plástico Alfredo Ceschiatti, foi pintada, apenas para citar o já listado pelos meios de comunicação social. Foram ainda roubados documentos, além de armas e munições que estavam nos gabinetes de segurança destas instituições.
E a polícia não fez nada?
A imprensa brasileira fala em "tragédia anunciada" e os relatos no local são díspares. A polícia terá tentado travar os manifestantes com gás pimenta, mas estes furaram sem grande dificuldade a barreira policial montada em frente a estas instituições. Ao longo da tarde, começaram a circular vídeos onde se veem polícias militares do Distrito Federal impávidos perante a invasão, a tirar fotografias com o telemóvel. Há todavia registo de confrontos com os manifestantes, que atiraram grandes de ferro e outros objetos contra a polícia, danificaram viaturas das autoridades, tendo inclusivamente atirado um carro para dentro do espelho d'agua que está localizado em frente ao Congresso.
Escreve a Folha que membros do governo de Lula, da Polícia Federal e do STF apontam baterias ao governo do Distrito Federal, em especial à Secretaria de Segurança local, liderada pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, responsabilizando-os pela invasão.
Algum contexto: o acampamento de bolsonaristas inconformados em frente ao Quartel-General do Exército existe desde a vitória de Lula da Silva na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras. Anderson Torres, nomeado recentemente secretário de Segurança do Distrito Federal é apoiante público de Jair Bolsonaro e atuou como Ministro da Justiça até quase ao fim do mandato do ex-presidente. Ainda que tenha assumido funções muito recentemente e mesmo perante os receios de uma reação bolsonarista à eleição do Lula da Silva, Torres tirou férias e está nos Estados Unidos, na mesma cidade em que se encontra Jair Bolsonaro.
Na sequência desta invasão, Anderson Torres foi demitido pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha que, paralelamente, colocou todo o efetivo policial nas ruas para prender os "bolsonaristas". Rocha fez ainda um vídeo a pedir desculpa ao atual presidente pelas invasões.
Torres, questionado pela Folha, disse que "não houve leniência. É a primeira vez que tiro férias em muito tempo. O planejamento foi feito", garantiu. "Não vim para os EUA para encontrar Bolsonaro. Não me encontrei com ele em nenhum momento. Estou de férias com a minha família. Não houve nenhuma trama para que isso [os atos golpistas] ocorresse", acrescentou.
Também o atual ministro da Defesa, José Múcio, escolhido já por Lula da Silva, está debaixo de fogo. Este defendeu uma desmobilização gradual do acampamento bolsonarista durante o período de transição de poder, tendo dado garantias ao ministro da Justiça, Flávio Dino, de que a questão estaria resolvida até 6 de janeiro — o que claramente não aconteceu.
À hora que publicamos este artigo, as forças de segurança já conseguiram desocupar os prédios públicos invadidos na Praça dos Três Poderes.
Segundo um balanço avançado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, “aproximadamente 200 pessoas foram presas em flagrante", arriscando até 12 anos de prisão. Foram ainda apreendidos 40 autocarros e identificados "os seus financiadores". Note-se que centenas de autocarros vieram de todas as partes do país, este fim de semana, para Brasília, e em muitos deles as pessoas não tiveram de pagar a viagem, detalharam as autoridades.
O ministro adiantou também que haverá um reforço de ativos de segurança nos próximos dias em Brasília.
Como reagiu Lula da Silva?
O recém empossado presidente considerou este incidente uma “barbárie”, levada a cabo por “fascistas fanáticos”. Para Lula da Silva, que assistiu a estes incidentes a partir de Araraquara, São Paulo, onde foi para avaliar os estragos provocados pelo mau tempo, não há dúvidas sobre o grande responsável por esta invasão: Jair Bolsonaro.
Com palavras muito duras, referiu-se ao ex-presidente brasileiro como um "genocida" que "não só provocou isso, não só estimulou isso, como, quem sabe, está estimulando ainda pelas redes sociais também”. Ainda assim Lula foi o primeiro a apontar a existência óbvia de "falhas na segurança" e prometeu que todas as pessoas envolvidas serão "encontradas e punidas".
O presidente brasileiro decretou entretanto a intervenção federal na área de Segurança Pública de Brasília. A par, relata a Folha, o Exército colocou tropas em Brasília em estado de prontidão para o caso de ser acionado um decreto Garantia da Lei e da Ordem. Segundo o jornal, cerca de 2.500 militares estão aquartelados em Brasília.
E Jair Bolsonaro, o que disse?
Por várias horas, nada. O seu prolongado silêncio face aos acontecimentos deste domingo foi sido muito criticado.
Antes do ex-presidente, até o líder do Partido Liberal (PL), a força política de Jair Bolsonaro, fez questão de se demarcar da "vergonha" desta invasão, classificando este 8 de janeiro com um dia "triste" para o Brasil. Também Sérgio Moro, antigo ministro da Justiça do governo liderado por Jair Bolsonaro e agora Senador, utilizou as redes sociais para apelar à retirada dos manifestantes dos edifícios públicos que foram invadidos, defendendo que "a oposição precisa ser feita de maneira democrática, respeitando a lei e as instituições".
Curiosamente, Anderson Torres foi um dos primeiros aliados de Jair Bolsonaro reagir, dizendo, ainda antes da sua demissão, que é "inconcebível a desordem e inaceitável o desrespeito às instituições. Determinei que todo o efetivo da PM e da Polícia Civil atue, firmemente, para que se restabeleça a ordem com a máxima urgência. Vandalismo e depredação serão combatidos com os rigores da lei", afirmou.
Já a polícia tinha retomado o controlo da Praça dos Três Poderes quando Bolsonaro reagiu no Twitter dizendo que "repudia as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do atual chefe do executivo do Brasil. Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade. Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", escreveu.
Como reagiu o resto do mundo?
A condenação foi generalizada, a começar por Portugal. Marcelo Rebelo de Sousa e o Presidente da Assembleia da República, Santos Silva, estiveram entre os primeiros a repudiar estas ações — algo que Lula da Silva muito apreciou.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que estes atos, "além de inconstitucionais e ilegais, são inadmissíveis e intoleráveis em democracia, reforçando o apoio e a total solidariedade de Portugal para com o poder legitimamente eleito no Brasil”.
Também o Governo português, num comunicado enviado às redações, condenou "as ações de violência e desordem que hoje tiveram lugar em Brasília, reiterando o seu apoio inequívoco às autoridades brasileiras na reposição da ordem e da legalidade".
A mensagem está em linha com o que se ouviu Europa fora. "A Democracia deve ser sempre respeitada”, afirmou a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, numa publicação na rede social Twitter. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, expressou a sua “condenação absoluta” do “ataque às instituições democráticas” no Brasil e transmitiu o “total apoio” do bloco ao Presidente Lula da Silva. Pedro Sánchez, líder do governo espanhol, também transmitiu no Twitter “todo” o seu “apoio” ao chefe de Estado brasileiro e “às instituições eleitas livre e democraticamente pelo povo brasileiro”. Macron disse que Lula da Silva "pode contar com o apoio incondicional da França".
Também Guterres, Biden e responsáveis de vários governos latino-americanos fizeram questão de se colocar ao lado do recém empossado presidente e das instituições democráticas brasileiras contra esta "tentativa de golpe" de Estado.
E agora?
Uma vez recuperado o controlo da situação, a prioridade é investigar quem financiou estes atos de insurreição, diz o ministro da Justiça, Flávio Dino.
A par, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, vai convocar o congresso para analisar o decreto de Lula para uma intervenção federal na área de Segurança Pública de Brasília.
Uma das consequências diretas dos atos de vandalismo provocados pelos bolsonaristas que invadiram o Congresso será o adiamento das cerimónias de posse das ministras Anielle Franco (Igualdade Racial) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas), que iam ter lugar esta segunda-feira.
Haverá ainda lugar a um levantamento dos danos ao património público decorrentes destas invasões e, segundo o ministério da Gestão, o valor apurado será cobrado dos responsáveis pelos atos terroristas.
Onde é que eu já vi isto?
EUA. 6 de janeiro de 2021.
Nesse dia, várias centenas de apoiantes do então Presidente Donald Trump, incentivados pelo republicano, semearam o caos e a violência no Capitólio, procurando impedir a certificação da vitória eleitoral do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais.
A justiça norte-americana tem-se concentrado em quem participou diretamente no ataque, que chocou o mundo inteiro, mas o Departamento de Justiça também está a investigar a responsabilidade de Donald Trump e dos seus familiares e equipa.
Desde que Trump anunciou a intenção de se candidatar às presidenciais de 2024, um procurador especial foi nomeado para supervisionar de forma independente as investigações que recaem sobre o magnata.
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