Em declarações aos jornalistas, a vereadora Sofia Athayde, que tem o pelouro dos direitos humanos e sociais, referiu um “atraso gigante” à Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) na resolução desta questão, o que levou à concentração de cerca de uma centena de pessoas em tendas neste local da freguesia de Arroios, e sublinhou os alertas que a autarquia foi efetuando ao longo do tempo em relação à falta de documentação destas pessoas.
“Não podemos continuar a ter esta situação. É um risco de saúde pública para as pessoas e para a comunidade. Por isso, viemos construir esta resposta. Não vamos compactuar com a perpetuação das pessoas nesta situação”, disse, continuando: “Temos vários centros de acolhimento. A CML tem inúmeras respostas que podem ser dadas a estas pessoas e outras têm de ser acolhidas também”.
Sofia Athayde esclareceu que a ação conjunta com diferentes entidades – entre as quais a AIMA, a Comunidade Vida e Paz, a PSP, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Junta de Freguesia de Arroios e o SNS – vai prolongar-se durante dias e que não há prazos fixados para as quase 100 pessoas abandonarem o local, para o qual já foi anunciada uma requalificação.
“Vamos ter de as ouvir e compreender a situação em que estão. Estas pessoas estão há meses a pedir para serem regularizadas e estas situações têm de ser resolvidas”, frisou, acrescentando: “Quando temos este número de tendas já não podemos esperar mais e temos de atuar, com humanidade, dignidade e respeito pelas pessoas que aqui estão”.
De acordo com o coordenador do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo, Paulo Santos, que também esteve hoje no local, entre as respostas para estes imigrantes encontram-se quartos, pensões e centros coletivos, além de “respostas mais individualizadas”, como o Housing First ou apartamentos de transição para pessoas em contexto de empregabilidade.
Perante a posição assumida pela CML, a ativista Mariana Carneiro, da organização Solidariedade Imigrante, lamentou que “a lei da imigração não seja cumprida no país” e assegurou que as associações de apoio aos migrantes vão estar atentas e lutar contra o que considerou serem “expulsões coletivas e forçadas” do território português.
“Ilegal é a forma como continuamos a tratar os imigrantes em Portugal. Vamos estar atentos e saber que respostas vão ser dadas a estas pessoas. Esperamos que não seja mudar de quarteirão ou querer que entrem em carrinhas sem saber qual o destino e sem acompanhamento. Não pensem que estas pessoas podem ser varridas como lixo”, alertou, garantindo que “não há base nenhuma para expulsar estas pessoas”.
Enquanto decorriam as ações de identificação nas tendas da Proteção Civil instaladas junto à Igreja dos Anjos, a advogada Érica Acosta, juntamente com outra colega, procurava apoiar os migrantes, explicando que “a maior parte são requerentes de asilo que tiveram o pedido considerado inadmissível” e que muitos não tinham as notificações por viverem na rua e não terem morada para poder receber uma notificação”.
“Estamos a tentar pedir a concessão de autorização de residência pelo artigo 123, que é um regime excecional por razões humanitárias – óbvias por estarem numa situação de indignidade completa -, e manifestações de interesse para quem já tenha a documentação e possa fazer jus a essa manifestação, porque pelo menos iniciam o processo regulatório”, observou.
Um dos imigrantes gambianos a viver numa tenda ali instalada contou que deixou o seu país “há talvez cinco meses” com um amigo, primeiro rumo ao Senegal e desde aí através de um barco para Espanha, tendo depois vindo de autocarro para Portugal, mesmo sem conhecer ninguém em território português.
“Estou a viver aqui numa tenda há cinco ou seis dias. Antes estive em Aveiro e também em Espanha. Achei que podia ter uma vida melhor aqui e tomei essa decisão”, referiu o jovem imigrante, de 21 anos. Sublinhou que trabalha no setor da construção, mas que não tem emprego atualmente e viu o seu pedido de asilo rejeitado: “Explicaram-me que não me podiam dar asilo e disseram que podia recorrer”.
Sobre a operação, a AIMA confirmou apenas a participação na ação e indicou que esteve a “prestar apoio no âmbito das suas atribuições", enquadrando-se nas instituições mobilizadas pela CML "para encontrar soluções adequadas às necessidades dos cidadãos em situação de sem-abrigo, portugueses e estrangeiros, que se encontram junto à Igreja dos Anjos”.
No entanto, questionada já na última semana pela Lusa relativamente a esta situação, a AIMA assegurou que “apresentou soluções de acolhimento a todos os requerentes de proteção internacional, incluindo os que viram o seu pedido decidido como infundado”, mas que alguns – na sua maioria nacionais do Senegal e da Gâmbia – “optaram, por decisão própria, por prescindir de todas as soluções propostas e permanecer na rua”.
Segundo a AIMA, entre 29 de outubro de 2023 (data da oficialização da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e 31 de março de 2024 foram recebidos mais de 1.900 de proteção internacional, dos quais aproximadamente 40% de cidadãos do Senegal e da Gâmbia.
Só neste ano já existem cerca de 1.100 pedidos de asilo espontâneo, quando em 2023 foram registados 2.701.
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