“Este relatório [de levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária, divulgado na sexta-feira pelo Ministério das Finanças] é importante porque é a primeira vez que há uma assunção pública da dimensão do problema da precariedade do Estado. Mas este relatório é tão importante como tem uma enorme lacuna, que é não considerar os trabalhadores que trabalham para o Estado em regime de ‘outsourcing’ e que também são precários do Estado, embora no recibo que passam não venha o nome de uma instituição pública, mas de uma empresa que é contratada por uma instituição pública”, afirmou Catarina Martins.

Falando durante uma sessão em defesa da integração de todos os precários no Estado organizada hoje no Porto pelo BE, a coordenadora dos bloquistas congratulou-se porque “o Estado se olhou ao espelho e reconheceu as dezenas de milhares de precários que tem”, mas salientou que “é preciso fazer o trabalho até ao fim e identificar também as pessoas que trabalham para o Estado em regime de ‘outsourcing’, mas estão também na condição de precários”.

“Com o relatório que agora conhecemos o Estado olha-se ao espelho e o reflexo não é nada bonito”, sustentou, afirmando que “são mais de 100 mil pessoas a trabalhar em condições precárias em todos os serviços do Estado” que, apesar de ter “a obrigação de velar pelos direitos dos trabalhadores, está na posição terrível de ser o maior dos empregadores dos precários”.

“Como pode um Estado combater a precariedade se ele próprio recorre a todo o tipo de expedientes de precariedade?”, questionou Catarina Martins.

Para a dirigente bloquista, identificado que foi o problema, há agora que resolvê-lo encontrando “soluções de vinculação dos precários”.

“Se seguramente a legislação normal sobre a Administração Pública terá que ser cumprida”, nomeadamente com a realização de concursos, é “essencial que eles sejam feitos levantando as absolutas necessidades do Estado, abrindo os lugares no quadro e desenhando-os de forma que sejam ocupados com contratos permanentes e com respeito por quem dedicou a sua vida aquelas funções”, sustentou.

Essencial é também, segundo a coordenadora do BE, que não haja “divisões artificiais entre trabalhadores” do Estado e do setor privado, já que o que está em causa é a “conquista de direitos para todos”: A precariedade é um problema tanto no Estado como no privado. Em cinco novos contratos no nosso país quatro são precários, ou seja, cada vez mais a precariedade é a norma e não a exceção”, disse.

Defendendo que a precariedade “não é aceitável” desde logo porque fragiliza os trabalhadores nessa situação e distingue entre “trabalhadores de primeira e de segunda”, Catarina Martins afirmou ainda que “a precariedade faz um país débil do ponto de vista económico”.

“Vivemos num país que, ao desregular a vida de quem nele trabalha, desregula a sua própria capacidade de responder do ponto de vista económico, dos serviços públicos e do que é o país a funcionar”, afirmou.

Neste contexto, acrescentou, “combater a precariedade é uma exigência tanto de respeito pelos diretos de quem trabalha, como uma exigência de uma economia que funcione”.

O Ministério das Finanças identificou quase 100 mil trabalhadores sem vínculo permanente na administração central e empresas públicas e, até março, vai quantificar os precários existentes neste universo, segundo o referido relatório.

De acordo com o levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária, existem 89.406 trabalhadores da administração central e do setor empresarial do Estado sem vínculo permanente.

Desse total, a maior fatia diz respeito a contratos de trabalho a termo resolutivo (69.988), seguidos de contratos de prestação de serviços (12.834), de bolsas de investigação (3.662), de contratos de emprego-inserção (1.834) e estágios remunerados (793).

Até ao final do primeiro trimestre deste ano, o Governo pretende apresentar à Assembleia da República um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública.