Entre os manifestantes presentes no Rossio estiveram muitos cidadãos iranianos a viver em Portugal, nomeadamente mulheres, que não calaram a sua voz em defesa dos seus direitos e falaram pelo povo que enfrenta cada vez mais limitações, depois de Teerão ter imposto restrições no acesso à Internet como meio para conter a revolta social. Uma dessas pessoas foi Ava Vahneshan, de 24 anos, que deixou o país em nome do sonho de poder cantar livremente.

“Não podia cantar no meu país e vim para cá para ter uma vida melhor e em liberdade, mas nem toda a gente tem essa oportunidade. Espero que estes dias acabem muito rapidamente, porque há 40 anos que está assim e o nosso país não era assim. Precisamos da ajuda de todo o mundo”, contou à reportagem da Lusa a jovem iraniana, que já participou no concurso de talentos musicais The Voice (RTP1).

A viver há cerca de quatro anos em Portugal, Ava assumiu que a situação no Irão está “muito complicada”, lembrando as pessoas de que gosta e que ficaram para trás quando deixou o país: “Tenho avós, amigos e família lá e, como eles cortaram a Internet, cada dia está a ficar pior. Começou com a [morte de] Mahsa Amini, mas a cada dia matam pessoas, especialmente os jovens, porque os idosos estão em casa e não têm força para ir às ruas. É muito difícil”.

Com a bandeira iraniana pintada nos dois lados do rosto e o cabelo escuro solto sob a luz de Lisboa, Solmaz Nazari chegou também há quatro anos a Portugal. Natural de Teerão, destacou – num português muito claro – a estranheza dos primeiros tempos numa terra onde o uso do hijab [véu islâmico] já não era mais uma imposição política.

“Lembro-me de quando estava aqui nos primeiros dias… quando queria sair de casa estava sempre à procura do meu lenço. Tinham sido 24 ou 25 anos a viver assim no Irão”, recordou, apontando o dedo a “um governo ditador” instalado em Teerão: “Mahsa Amini era uma menina de 22 anos que foi morta às mãos da polícia por causa do hijab, só por mostrar um pouco de cabelo. Por exemplo, eu não posso andar assim no Irão”.

A revolta causada no Irão pela morte de Mahsa Amini já existia entre o povo, face a décadas de restrições das liberdades, mas Solmaz manifestou a crença de que a vontade de mudança no seu país se torne uma realidade, pois só então, sustentou a jovem manifestante de 29 anos, poderá ser possível um regresso à pátria.

“Todo o povo iraniano que está aqui já sabe que não vai voltar ao Irão. Até haver uma revolução, não podemos voltar. As nossas irmãs e os nossos irmãos estão a morrer todos os dias… Todos aqui deixámos a nossa terra, a família, amigos e saímos do país. Já estamos fartos desse governo”, resumiu, já sem qualquer esperança de reforma do regime: “Se não dá liberdade para o povo escolher ao menos a roupa do corpo, como vai mudar?”

Aos 37 anos e a viver há nove anos em Portugal, Sahar ainda pede para não dar o apelido, com temor de que a repressão do regime possa atingi-la ou aos seus familiares. Apesar de ter crescido no seio de uma família iraniana liberal, disse esperar que a nova geração consiga a liberdade que faltou sempre que saía da porta de casa.

“É preciso que o governo ouça: a lei tem de mudar, porque o povo já mudou. Há outras pessoas lá que querem escolher a religião, querem escolher a roupa, querem escolher tudo. Penso que neste momento estes jovens não querem mais isto. Antigamente, conseguiram controlar-nos, mas a nova geração já não quer esse controlo”, contou, enquanto prosseguiam os cânticos em solidariedade com o povo do seu país, tanto em persa como em português, ao som de “Grândola Vila Morena”.

Mas não eram apenas as mulheres iranianas a erguerem a voz. Também diversos homens iranianos se fizeram ouvir nos protestos, que já não eram apenas para reivindicar direitos iguais para as mulheres, mas também para defender o direito à mudança no seu país, como explicou Babak Ghanbari, de 30 anos.

“Antigamente o governo tinha a decisão de fechar o país, mas agora com as redes sociais já não dá. É uma estrada sem regresso. Queremos luz para o futuro e para as mulheres”, referiu, sublinhando: “Agora é muito importante para nós a vida das mulheres no Irão. Nós, homens, podemos viver [de forma] quase normal, mas para as mulheres não é normal. Acho que no futuro vamos ter liberdade a 100% para as mulheres iranianas”.

E foi por essa ambição de mudar o presente do seu país que Tina Sabounati esteve a dinamizar a manifestação de hoje em Lisboa. Procurando desfazer uma “impressão errada” do Irão, lembrou a liberdade social que existia no país antes de 1979, ano da Revolução Islâmica que mudou a face do país e que ditou restrições sociais que sempre contaram com protestos.

“É a República Islâmica que tem problemas com os direitos das mulheres, não é o povo iraniano. As pessoas esquecem-se que antes de 1979 o Irão era um país livre e as mulheres eram livres”, assinalou, sem deixar de salientar o “Movimento Verde” de protestos em 2009 e a agitação social que marcou o país em 2019, quando morreram cerca de 1.500 pessoas em ações de protestos.

E a ativista de 41 anos concluiu: “O regime não quer que as mulheres tenham direitos, estão a usar o hijab obrigatório como um símbolo para o regime islâmico e para inferiorizar as pessoas. É por isso que tem de mudar. Mas todo o regime tem de mudar e não apenas na questão dos direitos das mulheres”.