"Tive uma reunião com o presidente da Assembleia da República [Ferro Rodrigues], a quem tive a ocasião de comunicar a minha decisão de me demitir da presidência da comissão de inquérito parlamentar à Caixa Geral de Depósitos", anunciou Matos Correia em conferência de imprensa esta manhã.

"Eu não faço e nunca fiz política quando exerço funções em comissões parlamentares e cumpri estritamente essa regra na presidência desta comissão parlamentar, mas isso não significa que esteja disponível para que, com o meu silêncio, ou com a minha omissão, pactuar com um conjunto de atitudes que do meu ponto de vista violam a lei, são um atropelo à democracia, e põem em causa o modo normal de funcionamento de uma comissão parlamentar de inquérito", disse Matos Correia ao justificar a sua decisão.

"A comissão parlamentar tem sido marcada por uma enorme acrimónia política desde o início", reconheceu o responsável. No entanto, salienta, "diferente é não respeitar os direitos dos diferentes grupos parlamentares e, em particular, os direitos dos grupos parlamentares que requerem a constituição de uma comissão de inquérito", acrescentou.

"Ao longo dos últimos tempos notou-se, e foi patente para todos na comissão parlamentar de inquérito, uma tentativa que eu considero contrária à lei de limitar o objeto da comissão, por força de uma decisão e de uma interpretação dos grupos parlamentares maioritários, que sistematicamente esvaziaram o objeto da comissão parlamentar de inquérito", denunciou Matos Correia.

"Por várias vezes, as últimas das quais patentes no que se passou na reunião de ontem, os grupos parlamentares maioritários arrogaram o direito que a lei não lhes confere de reinterpretar de acordo com as suas intenções e os seus objetivos o objeto da comissão parlamentar de inquérito", disse ainda o social-democrata.

Matos Correia disse ainda que se guia "por princípios" e não "por conveniência", e que isso justifica o abandono da função. "O que está aqui em causa não são conflitos políticos, ou confrontos partidários. O que está aqui em causa é a necessidade de refletirmos muito seriamente se queremos ter ou não ter comissões parlamentares de inquérito, se queremos ou não respeitar os direitos das minorias", disse o responsável, acrescentando que estamos perante o risco de estas comissões de inquérito "desaparecerem" caso isto não seja respeitado.

Esta foi, salientou, uma "decisão pessoal", comunicada a Ferro Rodrigues e a Pedro Passos Coelho. "Todos temos um limite, o meu limite foi ultrapassado ontem", concluiu.

O que me traz aqui não é saber se os SMS devem ou não ser tornados públicos, o ponto é saber se os direitos de os grupos parlamentares proponentes de uma comissão de inquérito de acordo com a lei podem ser obtaculizados de forma artificiosa por uma maioria conjuntural que neste momento é de esquerda, mas que se esta orientação fizer vencimento poderá ser utilizado por uma maioria de direita com prejuízo para uma maioria de esquerda. E eu não estou disponível para compactuar com o meu silêncio para que esse risco possa vir a verificar-se", reforçou Matos Correia já durante o período de perguntas e respostas que sucedeu a sua intervenção inicial.

O social-democrata optou por não revelar o que Ferro Rodrigues lhe disse no momento em que comunicou a demissão da função e explicou que, "por coerência", uma vez que deixa a presidência da comissão, também deixará de ser membro desta mesma comissão.

Face a este cenário, cabe aos partidos que pediram a constituição desta comissão - PDS e CDS - indicar um novo presidente da comissão, uma "obrigação legal que não não pode excepcionada. Portanto o PSD fará o melhor entender nestas circunstâncias", disse Matos Correia, adiantando que estava marcada uma sessão da comissão de inquérito para esta quinta-feira às 18h00, à qual já não irá presidir. Entretanto, esta sessão - para a qual estava agendada a audição de Álvaro Barrigas do Nascimento, ex-presidente do conselho de administração da CGD - foi adiada.

Isto acontece depois de os grupos parlamentares que suportam o Governo socialista (PS, Bloco de Esquerda e PCP) terem chumbado os requerimentos apresentados pelo PSD e pelo CDS-PP relativos à utilização da informação trocada entre o ministro das Finanças, Mário Centeno, e o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) António Domingues, sobre as condições para que o último aceitasse o convite do Governo para liderar o banco público.

Aqueles grupos parlamentares consideraram que os documentos que António Domingues enviou para a comissão de inquérito, 176 páginas, ultrapassam o objeto da mesma, pelo que inviabilizaram a sua admissibilidade.

Marcelo não comenta

Marcelo Rebelo de Sousa recusou hoje comentar a demissão do presidente da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, justificando que não se pronuncia sobre a vida interna de outros órgãos de soberania. "Não me pronuncio sobre a vida interna de outros órgãos de soberania", salientou Marcelo Rebelo de Sousa à saída do V Congresso Nacional de Saúde Pública, no Porto, quando questionado sobre a demissão do deputado do PSD José Matos Correia da presidência da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos.

Sobre a polémica em torno da Caixa Geral de Depósitos, que envolve a anterior administração do banco e o ministro das Finanças (nomeadamente as comunicações entre António Domingues e Mário Centeno sobre a dispensa de apresentação da declaração de rendimento e património), o chefe de Estado reiterou aquilo que já havia dito na quarta-feira. "Da minha parte, ponto final parágrafo em relação à Caixa", respondeu Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de abordar o futuro do banco público. Para o Presidente, a Caixa terá "um grande desafio" daqui por um mês que "é a emissão de obrigações".

Carlos César: Os portugueses estão "cansados" desta saga 

O líder parlamentar e presidente do Partido Socialista, Carlos César, disse que o partido que lidera está disponível para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito onde se avaliem as condicionantes que levaram à demissão da anterior administração da Caixa, algo que não é objeto desta comissão parlamentar, até hoje presidida por Matos Correia.

"O senhor deputados Matos Correia, aparentemente, ou se enganou na comissão a que presidia ou pretende presidir a outra comissão", disse Carlos César em tom de ironia, salientando que esta comissão parlamentar se destina a apurar as condições que levaram à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e os atos conduzidos nesse sentido.

"Se o PSD e o CDS entendem necessário (...) têm ao seu dispor o direito potestativo de convocar outra comissão parlamentar de inquérito para isso [apurar o que levou à demissão de Domingues] e, nessa situação, o deputado Matos Correia poderá sentir-se à vontade a presidir com essa finalidade. O PS entende que uma tal comissão pode ser constituída desde que se respeite aquilo que os partidos que prezam pela democracia devem respeitar: que é a Constituição Portuguesa, a lei e o regime da Assembleia. O que for feito nesse enquadramento é bem-vindo", salientou.

Carlos César fez questão de salientar que os portugueses estão "cansados" desta saga que PSD e CDS têm montado à volta da Caixa Geral de Depósitos.

Ferro Rodrigues “lamenta, mas compreende”

Segundo a fonte do gabinete do presidente do parlamento, no encontro que antecedeu a conferência de imprensa em que o deputado social-democrata Matos Correia anunciou a demissão, Ferro Rodrigues teve ocasião de lhe "expressar admiração e simpatia". O presidente da Assembleia da República "lamenta, mas compreende” a decisão.

Ferro Rodrigues já contactou o líder parlamentar dos sociais-democratas, Luís Montenegro, o qual ficou de lhe comunicar ainda esta tarde alguma decisão sobre os trabalhos, uma vez que, tendo a comissão sido constituída potestativamente pelo PSD, caberá àquele grupo parlamentar tomar a iniciativa de nomear outro deputado para presidir aos trabalhos.

Cristas admite consultar Marcelo

Entretanto, a presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, admitiu hoje pedir uma audiência ao Presidente da República para discutir as "questões do funcionamento do parlamento", defendendo os "direitos das minorias".

A reflexão que acabou em demissão

A possibilidade de Matos Correia de demitir já tinha sido avançada esta quarta-feira, 15 de fevereiro.

"Entre hoje [quarta-feira] e amanhã [quinta-feira] vou ponderar se tenho condições para continuar a ser o presidente desta comissão de inquérito. E amanhã anunciarei a minha decisão", afirmou o deputado social-democrata no final da reunião da comissão de inquérito da CGD, citado pela Lusa.

José de Matos Correia justificou esta posição por "ter dúvidas" de que estivesse a ser assegurado o "respeito dos interesses das minorias", isto é, dos grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP, que têm menos representação nesta comissão devido ao resultado das eleições legislativas.

Após a reflexão, Matos Correia decidiu sair, uma decisão inédita.

(Notícia atualizada às 13h40)

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