A 9 de julho de 1977, durante os anos mais duros da ditadura (1973-1990), a filha de Margarita Escobar foi-lhe roubada no hospital Paula Jaraquemada, de Santiago. Chegou a ver a bebé por alguns instantes, até que a levaram.

Quatro décadas depois, Margarita à agência France-Presse que durante horas ninguém lhe deu qualquer informação sobre a filha e, de tempos em tempos, injetavam-lhe alguma medicação para a manter adormecida.

"Sempre que eu acordava, voltava a perguntar por ela, até que uma enfermeira me disse: a sua filha nasceu morta", conta.

Margarita pediu para vê-la; para beijá-la. Mas não deixaram. Depois disso, "ninguém [lhe] deu um único documento, mandaram[-na] para casa. Não sei como cheguei. Estava totalmente drogada", lembra.

No mesmo hospital, em fevereiro de 1985, María Orellana deu à luz um menino, a que chamou Cristián. "Consegui ouvir que era um menino. Depois, aplicaram-me uma injeção e não soube de mais nada", conta.

Durante dias, pediu para ver a criança, mas ninguém lhe respondia, até que, por fim, disseram-lhe que ele tinha morrido.

Também não a deixaram ver o bebé. "Vai ficar com a lembrança do bebezinho. Vai ser muito cruel vê-lo", disseram-lhe no hospital.

Assim como aconteceu com Margarita, María também não recebeu qualquer documento, nem lhe entregaram o corpo do filho.

"Não tenho nada. É como se eu não tivesse passado por aquele hospital", desabafa, também empenhada em encontrar seu filho.

O caminho da Justiça

O juiz especial de causas de direitos humanos Mario Carroza está a fazer, desde janeiro, uma extensa investigação sobre o roubo de menores concentrado nos anos da ditadura, embora, perante as novas denúncias, tenha-a estendido até 2000.

Embora se tenha descartado o sequestro de crianças como método repressivo, como aconteceu na Argentina, acredita-se que as condições dessa época facilitaram a atuação de grupos dedicados a "captar" menores para enviá-los para o estrangeiro com fins económicos.

A modalidade assemelha-se à registada em Espanha, onde acaba de ser aberto o primeiro julgamento por um caso de bebés roubados para serem entregues a famílias adotivas, uma prática que começou sob a ditadura de Francisco Franco (1939-1975).

"Não estabelecemos um padrão que diga (que há) relação com alguma política estatal de repressão. Parece mais uma espécie de associação ilícita, uma organização com fins lucrativos a respeito da adoção de pessoas, de maneira irregular", explica à AFP o advogado do Instituto Nacional de Direitos Humanos Pablo Rivera, que apresentou denúncias em nome das mães.

Considera-se que um papel fundamental tenha sido de assistentes sociais, religiosos, médicos, ou funcionários municipais, ou de hospitais, que detetavam mães vulneráveis e depois lhes levavam os filhos.

"Em geral, os casos têm relação com mães de escassos recursos que depois de darem à luz os seus filhos, ou filhas, foram enganadas por funcionários dos hospitais, dizendo-lhes que estavam mortos, ou doentes, ou que morreram depois, e nunca mais souberam dos filhos", acrescenta Rivera.

A vigência, até 1988, de uma lei que permitia apagar as origens das famílias biológicas contribuiu para fomentar a prática, num país há anos mergulhado no silêncio e no temor, explica a historiadora Karen Alfaro, da Universidade Austral.

Para Alfaro, a prática “inscreve-se também dentro de uma luta ideológica da ditadura de Pinochet, um tipo de violência social sobre os setores mais pobres".

Não há registos do número de crianças enviadas para o estrangeiro. Segundo dados oficiais, entre 1973 e 1987, foram registadas 26.611 adoções no Chile, mas não se sabe quantas crianças foram levadas para o exterior.

O juiz Carroza conseguiu determinar que pelo menos 2.021 crianças foram adotadas na Suécia entre 1971 e 1992. Outras milhares chegaram à Alemanha, França, Itália, Espanha, Holanda, Suíça, Estados Unidos, Uruguai e Peru. O valor pago por cada uma equivaleria, em valores atuais, a algo entre três mil e cinco mil dólares.

A busca

Sem papéis que apoiem a sua história, muitas mães guardaram a dor por anos. À medida que os primeiros casos foram-se tornando públicos e se formaram grupos de busca nas redes sociais, muitas se deram conta de que milhares partilhavam a mesma experiência.

Um desses grupos é o "Hijos y madres del silencio", que reúne cerca de três mil pessoas no Facebook: filhos que procuram a sua origem biológica e mães que se querem reencontrar com os filhos que lhes foram levados.

"O que nós precisamos é de que se abram os arquivos, as fichas dos hospitais, de que isso se torne público para que as pessoas que estão fora do Chile dêem conta de que pode ser uma adoção ilegal", defende a responsável pelo grupo, Marisol Rodríguez.

Em três anos, o grupo conseguiu quase 90 reencontros.

Os testes de ADN são hoje a sua maior ajuda. Com dificuldade, devido aos custos, muitas mães estão a fazer os testes rápidos para poder entrar em bancos genéticos internacionais.

"O que eu quero é saber o que aconteceu com a minha filha, e se a minha filha anda à minha procura", disse Josefina Sandoval, após se submeter a um teste.

"Estamos à procura dela e, com isso, vamos encontrá-la", acrescenta, ao falar da filha que ela deu à luz e que foi dada como morta em 24 de junho de 1980.

[Reportagem de Paulina Abramovich/AFP]