Qual é o impacto da pandemia?

No âmbito económico, [a pandemia] vai ter de certeza algum impacto, mas isso também é aquilo que já se vislumbra em todos os setores.

Depois, naquilo que são os espaços, atualmente, a pandemia pôs a descoberto a importância da utilização do espaço e a exigência da utilização do espaço, principalmente em que habitamos.

Vai ser obrigatório pensar novamente, primeiro, naquilo que são os nossos espaços habitacionais; e, também, os espaços da cidade. O espaço habitacional, ainda mais neste tempo do desenvolvimento tecnológico — hoje conseguimos misturar a função de habitar com o trabalho, a educação, dentro de casa. Tudo numa época em que sabemos (e tivemos testemunhos, de algumas peças jornalísticas) ter um parque habitacional muito desfigurado em relação às necessidades reais das famílias que lá habitam.

Até por termos um mercado muito valorizado, principalmente nas grandes cidades, temos arrendamentos muito caros para aquela que é a capacidade económica das famílias, o que faz com que, caso as famílias queiram ficar dentro das cidades, tenham de arrendar espaços inferiores às suas necessidades e número de elementos — o que, nesta época, veio de certa forma espoletar a necessidade de criar mais espaço.

Depois, é a mistura dos espaços de trabalho com os espaços das aulas das crianças, num espaço de habitar que já não estava sequer dimensionado para a forma de habitar daquelas famílias — isto deve ter sido um transtorno psicológico muito grande.

Outra coisa que, acho eu, deve ser pensada, é a falta de espaços exteriores. E outra situação está relacionada com a ventilação das próprias habitações: temos muitas habitações com espaços interiores, sem ventilação natural — e hoje sabemos da necessidade e importância da ventilação natural dos espaços para fazer face ao atual isolamento.

São, aliás, as recomendações da Direção-Geral da Saúde, que possamos ficar isolados em espaços o mais ventilados possível, com iluminação.

Temos muita coisa a pensar.

Tivemos aqui um encadeamento de que cada vez era menos necessário, ou, pelo menos, estudava-se o menor espaço possível para utilização das pessoas, mesmo nos locais de trabalho — a redução do metro quadrado por pessoa era cada vez maior, até pela utilização das novas tecnologias. Agora, vamos ser obrigados a aumentar o metro quadrado por pessoa para manter as distâncias de segurança.

Portanto, tudo vai ter de ser repensado. Vai ter uma escala brutal na utilização dos vários espaços, dos equipamentos, dos serviços, mesmo a deslocação nas cidades, nos passeios.

Ainda há pouco tempo pensei que já não se estuda habitação desde o início do milénio — e desde o início do milénio que é preciso estudar um bocadinho o que é a evolução da habitação. Mas, atualmente, tenta-se retirar algumas regras legais que existem já há bastantes anos (estou a falar, por exemplo, do RGEU de 1951 [Regulamento Geral das Edificações Urbanas], um dos primeiros regulamentos que define a salubridade das habitações, e que fala da ventilação, do pé-direito, as áreas mínimas para cada compartimento habitacional, distribuição de funções dentro da casa, etc.).

À medida que vamos evoluindo, vamos cada vez mais encurtar estes mínimos que antigamente eram obrigatórios, vamos retirando algumas coisas, tudo porque cada vez mais o metro quadrado de construção é mais caro. Então, há que reduzir o mais possível, para que esse mercado possa ser acessível também a uma classe social com pouco poder económico.

Agora, olhamos para isto e penso assim: "bem, andou-se a reduzir isto tudo, andou-se a tirar isto tudo e, afinal, vamos ter de voltar ao início!"

Por exemplo, o RGEU diz que os espaços comerciais têm de ter um pé-direito mínimo de três metros. Porém, nesta ótica da reabilitação urbana, a maior parte dos pisos térreos muitas vezes não tinha três metros e foi retirada essa obrigatoriedade, para implementação de alguns espaços comerciais. Agora, no meio disto tudo, vemos que nos espaços comerciais, onde condensa mais pessoas, tem de ter um pé-direito superior, para haver uma circulação muito mais orgânica, e, se tiver só uma fachada, a circulação do ar não se faz transversalmente, entrando e saindo pelo mesmo lado, pelo que tem de entrar superiormente, para sair inferiormente — e, para isso, temos de ter o pé-direito necessário para que haja uma ventilação constante.

Isto é chegar à conclusão de que havia regras e que, se calhar, havia algum sentido essas regras existirem!

Este travão forçado pode levar a pensar melhor naquilo que estamos a fazer nas cidades?

Espero que se repense as cidades e aquilo que se está a fazer. A demolição do antigo para a colocação do novo não quer dizer que seja desfigurado do que são as cidades. Temos património que, sim, deve ser requalificado — dependendo muito também do que é a sua apreciação. Mas, para esse património existir, se havia lá alguma coisa antes e se hoje o consideramos como património, foi porque alguém também demoliu o que existia lá antes para fazer o que há hoje.

Enquanto arquitetos, temos de ter a preocupação de que a partir do momento em que estamos a fazer um projeto para a execução de uma obra, e materializar o nosso plano, porque o projeto é o planeamento do futuro, temos de pensar que a nossa obra não é efémera, vai durar muitos anos, normalmente, cem anos ou mais.

Isto quer dizer que estamos a construir o património do futuro. E se estamos a construir o património do futuro, convém que haja um respeito pelas necessidades atuais da sociedade e que consigamos ver mais longe e projetar aquelas que poderão vir a ser as necessidades futuras — e, claro, aquilo que é a dependência estética do espaço exterior também influencia o desenvolvimento da cidade, portanto, estamos a pensar no que vai ser a cidade do futuro.

Quando é que podemos ver reflexos deste período na construção dos edifícios?

Espero que todos os edifícios cuja construção ainda não se iniciou sejam repensados entretanto. Se não o forem, tudo o que seja edifícios que estejam atualmente planeados, também espero que, por alguma consciencialização crítica que o próprio desenvolvimento do conhecimento para se ser arquiteto tem, aquilo que a nossa Academia também faz, espero que os nossos profissionais comecem a ter essa sensibilidade e comecem de certa forma já a a pensar — ou melhor, repensar — aquilo que poderão ser os espaços a ser utilizados pelas pessoas.

Portanto, por mim era imediatamente.


As eleições para a Ordem dos Arquitetos arrancaram nesta quarta-feira, 17, e contam com quatro nomes à frente das listas — Daniel Fortuna do Couto, Cláudia Costa Santos, Célia Lourenço e Gonçalo Byrne. O processo prolonga-se até ao dia 26 deste mês e introduz alterações na própria estrutura da instituição.

SAPO24 foi conhecer as propostas, mas, sobretudo, aquelas que anteveem ser as mudanças na forma como as casas, as cidades e a própria profissão vão refletir os efeitos da pandemia: do confinamento, do distanciamento e do turismo.

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