Num emotivo discurso, Lula da Silva voltou a atacar Jair Bolsonaro e as suas políticas pró-mercado, entre elas as "privatizações predadoras", e desafiou o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem acusa de o condenar sem provas, a demonstrar que cometeu qualquer crime.

"Aos que criticam ou têm medo da polarização, temos a coragem de dizer: somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho", disse Lula, cercado por representantes de governos e partidos nacionais e internacionais.

O ex-presidente convocou a militância a trabalhar para reconquistar o poder, em 2022, e se colocou a "disposição do Brasil para contribuir com esta travessia para uma vida melhor".

A reunião do partido fundado por Lula em 1980 vai durar até domingo, dia em que será realizada a votação para designar a nova liderança, atualmente ocupada pela deputada federal Gleisi Hoffmann, que tenta a reeleição.

Depois de vencer quatro eleições presidenciais consecutivas (2002, 2006, 2010, 2014), o PT entrou numa fase de desgaste com o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 e a operação 'Lava Jato', cujas investigações condenaram Lula a 8 anos e 10 meses de prisão.

Após 19 meses preso na esquadra da Polícia Federal em Curitiba, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula, de 74 anos, foi libertado a 8 de novembro, mediante uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as regras de cumprimento de penas, o que lhe permitirá esgotar todos os recursos judiciais em liberdade.

Assim que saiu da prisão, o ex-presidente (2003-2010) atacou Bolsonaro e as suas políticas pró-mercado e chamou ao ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro "canalha", acusando-o novamente de o ter condenado sem provas para o afastar das eleições presidenciais do ano passado.

"A Igreja católica, com 2 mil anos de experiência, aposenta os bispos aos 75"

Lula também pediu aos seguidores para recuperar o poder em 2022, dando a entender que está pronto para a disputa, embora em entrevista publicada nesta sexta-feira pelo jornal britânico The Guardian tenha insinuado que pode passar o testemunho. "A Igreja católica, com 2 mil anos de experiência, aposenta os bispos aos 75", afirmou.

Mas antes, o PT, que conseguiu eleger apenas 256 autarcas em 2016 (menos da metade dos 630 eleitos em 2012) deve definir sua estratégia para as eleições municipais de 2020.

Entre as cidades perdidas está São Paulo e os municípios do cinturão industrial, onde Lula iniciou as greves do fim dos anos 70, durante a ditadura militar (1964-85).

Segundo o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas, nos últimos anos no Brasil "consolidou-se um antipetismo que será um obstáculo para conseguir uma posição de destaque em cidades como São Paulo".

O PT conservou, apesar de tudo, o papel de maior partido na fragmentada Câmara dos Deputados com 54 assentos, de um total de 513. Em 2014, tinha conseguido eleger 69. Em 2010, a bancada tinha 88 legisladores. O PT ainda tem seis senadores, de um total de 81, e governa quatro dos 27 estados brasileiros, todos no Nordeste, o seu bastião histórico.

Algumas das nove moções que serão submetidas à votação dos delegados do PT no congresso deste fim de se semana reforçam a necessidade de mudanças, de uma reorientação de posições e de uma nova direção.

"Quem quiser que o PT faça autocrítica, faça a crítica você"

Couto, no entanto, vê pouco espaço para um discurso que procure ser ouvido além do eleitorado tradicional petista, fortemente ligado à figura de Lula. "Há pessoas no partido que têm uma boa leitura do país, mas quem o controla, não", afirma.

"Desde as eleições de 2018, o personalismo [no PT] fortaleceu-se", acrescentou.

O próprio Lula rejeitou qualquer perspectiva de autocrítica. "Quem quiser que o PT faça autocrítica, faça a crítica você", disse na semana passada em Salvador, referindo-se a reinvindicações de outros partidos da esquerda.

No plano internacional, Lula denunciou na entrevista ao The Guardian o "golpe de Estado" contra o presidente boliviano Evo Morales, embora tenha admitido que este "cometeu um erro quando procurou um quarto mandato".