No episódio desta semana dos Palavrões da Ciência, falámos de muitas coisas, incluindo tampos de sanita e computadores. No início do episódio, faço uma pequena viagem à origem da palavra «computador». Deixo abaixo um texto sobre as várias maneiras de criar palavras em português. Oiça em: Spotify | Apple Podcasts | Google Podcasts

Que mecanismos da língua permitem aos falantes criar palavras? Para começar, a imaginação, claro está – embora seja necessário dizer que a nossa imaginação não chega. Uma palavra pode fazer muito sentido a quem a usou pela primeira vez e perder-se para sempre, sem que mais falantes a adoptem como sua. A língua está continuamente a enriquecer-se com novos vocábulos – mas para que fiquem é preciso que os falantes os usem.

Há materiais latinos e gregos que se mantêm ao dispor para a criação de neologismos. Depois, temos os estrangeirismos, ou seja, a importação de palavras de outras línguas – um mecanismo que existe em todos os idiomas e que é constante, variando as línguas habituais de importação. Temos palavras com origens muito díspares, embora três línguas se destaquem, por terem sido, sucessivamente, as línguas estrangeiras com mais prestígio em Portugal: o castelhano, o francês e o inglês.

Palavrões da Ciência é um podcast produzido pela MadreMedia e apresentado por Cristina Soares e Marco Neves. A partir de palavras do dia-a-dia e de alguns palavrões, vamos perguntar a cientistas portugueses o que andam a investigar e que surpresas nos trazem sobre o que nos rodeia.

A primeira temporada terá oito episódios — vamos da matemática à botânica, passando pelos morcegos, pelo mar, pela alimentação — e pelas fadas dos dentes…

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Seja como for, com base nos materiais já existentes, a língua tem processos de formação de palavras. Temos, logo à partida, a flexão: permite transformar, por exemplo, «comer» em «comerei».

Depois, temos a derivação afixal, ou seja, a criação de novas palavras pela junção de afixos. Começamos pela derivação afixal por prefixação, que nos deixa transformar «francês» em «antifrancês» – só para dar um exemplo.

derivação afixal por sufixação acontece, por exemplo, quando passamos de «teatro» para «teatral» ou de «teatral» para «teatralmente». Esta transformação pode levar a palavra de uma classe para outra («página» > «paginar») ou criar uma nova palavra dentro da mesma classe («dormir» > «dormitar»).

Já a derivação afixal parassintética dá-se quando juntamos um prefixo e um sufixo e passamos de «doido» para «endoidecer».

derivação não-afixal transforma verbos em nomes através da remoção dos elementos típicos dos verbos. Assim, passamos de «debater» para «debate» ou de «atacar» para «ataque».

derivação por conversão acontece quando passamos uma palavra de uma categoria para outra sem lhe mudar a forma: do verbo «saber» passamos para o substantivo «saber» em «o saber não ocupa lugar».

A passagem de palavras de uma classe para outra é muito comum em certos casos. Os adjectivos, por exemplo, frequentemente passam a ocupar o lugar do nome. Aliás, há uma imensidão de palavras que servem tanto de nome como de adjectivo: «o vermelho», «o português», «o tímido», entre tantas, tantas outras.

Note-se que uma palavra pode percorrer vários caminhos, criando outras de significado semelhante, mas com subtis diferenças de conotação e uso. A partir de «belo», um adjectivo, criámos dois nomes: «beleza» (por derivação afixal) e «belo» (por conversão).

Já a composição permite criar palavras através da junção de mais palavras. Por exemplo, «saia-casaco», «fim-de-semana», «guarda-redes».

Temos, depois, outros processos um pouco menos sistemáticos de alargamento do léxico da língua. Há vários exemplos: palavras que se tornam outras por extensão semântica («rato» – do computador); amálgamas de partes de outras palavras («informática»); siglas («EUA»); acrónimos («ONU»); onomatopeias («tchim-tchim»); truncação («mota»).

A extensão semântica é particularmente interessante. Temos casos em que a língua assume uma metáfora ou uma metonímia para dar um novo significado a uma palavra. Assim, como o mercúrio subia no termómetro, a temperatura também passou a subir, apesar de não haver qualquer deslocação em altura…

Por outro lado, como os antigos autoclismos implicavam puxar a corrente, ainda hoje dizemos «puxar o autoclismo», mesmo que, na verdade, estejamos a carregar num botão. Esta construção é, no fundo, um fóssil linguístico.

Com alguma imaginação, os sons da língua permitem criar palavras infinitas – e as regras sintácticas permitem criar frases infinitas.

Artigo baseado numa secção da Gramática para Todos: o Português na Ponta da Língua.
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Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. Apresenta, com Cristina Soares, o programa Palavrões da Ciência.