Poderá Portugal ser a primeira potência produtora de canábis da Europa? A pergunta é lançada pelo diário espanhol EL ESPAÑOL na sequência do anúncio do Bloco de Esquerda que fez saber, no início deste mês, que, ainda em 2017, vai apresentar um projecto-lei de legalização da canábis. O projeto terá duas frentes: o uso para fins medicinais e o fim para o uso recreativo.
Mas o jornal espanhol vai mais longe, e expõe argumentos não para que, especificamente, Portugal legalize o consumo da marijuana, mas para que Portugal legalize o cultivo da planta. É necessário, diz o EL ESPAÑOL, que haja uma fonte lícita de produção de marijuana numa altura em que existem 12,5 milhões de pessoas na Europa que consomem canábis de uma forma regular, e 87 milhões que consomem esta droga leve ocasionalmente.
Torna-se ainda mais necessário quando existem países onde o consumo de canábis para fins recreativos é legal, mas que não têm uma fonte lícita próxima de onde possam importar a planta, acabando, os estabelecimentos, por ser alvo de pressões de grupos criminalizados que traficam o produto e impõe a sua venda nos espaços autorizados. A Holanda é o melhor exemplo.
É urgente que alguém dê o primeiro passo e tome conta deste mercado virgem, na Europa, que se estima que valha, anualmente, entre 15 a 35 mil milhões de euros. E o EL ESPAÑOL aponta Portugal como o cenário ideal para se dar a legalização da plantação da canábis. Há duas grandes razões: o clima, altamente propício à produção da planta, e a possibilidade de utilizar esta planta para reformular o setor agrícola, em crise desde a entrada do país na Comunidade Económica Europeia (atual União Europeia).
O diário espanhol diz que o clima português é uma grande vantagem para a plantação de marijuana, uma vez que apresenta condições tanto de luz, como de água, muito favoráveis à plantação da canábis. Segundo o grupo Marijuana Policy Group (MPG), a principal consultora do mercado internacional da canábis, o clima de Portugal torna-se ainda mais apelativo quando comparado com os países do norte da Europa, onde seriam necessários vários custos para que se produzisse a planta em larga escala.
Em declarações à publicação espanhola, Dinis Dias, diretor de la Cooperativa para o Desenvolvimento do Cânhamo e editor de A Folha, a principal revista de cultura canábica em Portugal vai de encontro à mesma ideia: “Poderia-se produzir em qualquer parte do país, temos condições muito melhores que os outros Estados europeus”, salienta.
Além disso, o EL ESPAÑOL diz ainda que a legalização do cultivo da marijuana poderia ser revolucionário para a agricultura portuguesa, devastada desde a entrada do nosso país na União Europeia. A publicação fala na possibilidade de se reativarem os campos no Alentejo e nos vales do Douro, onde mais de 100 mil hectares foram abandonados por pequenos agricultores sem meios para se tornarem competitivos no mercado único europeu.
A primeira plantação legal de marijuana em Portugal aconteceu há 3 anos
Em 2014 o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento) deu a autorização para a primeira plantação de canábis destinada à produção de uma espécie de marijuana (canábis sativa) com concentrações muito baixas de THC , a substância psicotrópica da planta.
A licença teve a duração de um ano e foi concedida à Terra Verde, Lda., empresa que passou a estar autorizada a cultivar canábis sativa em Portugal. A marijuana plantada seria transformada em pó que terá sido 100% exportado para o Reino Unido e utilizado para a produção de medicamentos a utilizar no alívio da dor derivada da doença oncológica, na esclerose múltipla e na epilepsia.
A localização da plantação nunca foi revelada, mas sabe-se que há mais empresas interessadas em produzir esta planta, para fins medicinais e para a indústria têxtil, apesar de ter muitas restrições e de estar dependente do “sim” do Infarmed. A publicação espanhola fala em duas empresas, uma israelita e outra canadiana, que têm neste momento projetos a serem avaliados junto do Governo português que representam, no seu conjunto, um possível investimento de 107 milhões de euros na economia do país.
Da inovação à estagnação nas legislação
Portugal foi sido pioneiro no que tocas às políticas de descriminalização de drogas. Em 2000, o consumo de todas as drogas foi descriminalizado. Atualmente, ninguém que tenha em sua posse uma quantidade de droga considerada inferior ao suficiente para um consumo de 10 dias - um grama de ecstasy, heroína, ou anfetaminas, dois gramas de cocaína, ou 25 gramas de canábis -, é preso. Por outro lado, as pessoas intimadas são citadas e obrigadas a comparecer num “painel de dissuasão”, formado por psiquiatras, psicólogos e especialistas legais. No caso de ser um indivíduo reincidente, pode ser prescrito algum tipo de tratamento.
Na altura, a medida foi revolucionária, uma vez que se estava a combater algo que todo o mundo queria colocar um fim com a descriminalização. Aliás, uma vez adotada a medida, os primeiros inquéritos que Portugal recebeu do Comité internacional de Controlo de Narcóticos - a estrutura de monitorização da organização da ONU - chegavam com um tom repreensivo.
Mas a realidade é que os resultados não tardaram: a taxa de novas infeções por HIV em Portugal caíram drasticamente, as mortes por overdose caíram e o número de consumidores, em vez aumentar, como tanto sentenciaram, baixou.
O ano passado, em Nova Iorque, João Goulão, médico especialista português em casos de adição, e um dos responsáveis pela lei de 2000, disse, numa reunião da ONU para discutir o futuro das políticas de combate à droga a nível global que as “as coisas mudaram por completo. Somos apontados como um exemplo de boas práticas".
No entanto, a legislação em Portugal estagnou no novo milénio. O consumo de drogas é descriminalizado, mas a compra e a plantação são considerados crimes. Nesse âmbito nada mudou, e espera-se que o ‘enguiço’ seja quebrado pela correlação de forças que sustenta o Governo minoritário do Partido Socialista, que é publicamente a favor da liberalização do consumo, tanto para fins recreativos como medicinais, assim como da plantação.
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