Uma empresa que produz ou utiliza plástico pode comprar créditos de plástico de organizações que recolhem e reciclam resíduos plásticos ou que os utilizam para outros fins, como geração de energia.

Na prática, esses créditos servem como uma espécie de certificação de que uma determinada quantidade de plástico foi recuperada do meio ambiente. Em teoria, isso incentiva a reciclagem e a remoção de plástico dos ecossistemas.

Todavia, há contratempos associados a este método. Muitas vezes, esses créditos vêm de processos que envolvem a queima de plástico para gerar energia, o que gera emissões de gases poluentes.

Isso levanta críticas porque, em vez de realmente reduzir a produção de plástico ou promover a reciclagem, a prática pode acabar apenas a deslocar o problema para outra forma de poluição. Ou seja, a sua efetividade depende muito de como são implementados.

Uma "solução preguiçosa"

Há pouco debate sobre o problema da poluição plástica – pelo menos 22 milhões de toneladas foram despejadas no meio ambiente em 2019, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Os mais afetados são os países em desenvolvimento com infraestruturas limitadas de gestão de resíduos, como o Camboja, onde o plástico entope ruas, campos e rios.

Os créditos de plástico visam direcionar fundos para esse problema e são gerados por projetos que recolhem e processam resíduos, geralmente ao ritmo de uma tonelada por crédito.

Os compradores podem então reivindicar essa tonelada para "compensar" ou anular parte da sua pegada plástica ou ainda para demonstrar ação ambiental.

No entanto, o setor, concentrado principalmente na Ásia, América Latina e África, não possui regras universais. Auditores autodeclarados certificam créditos com base em diferentes padrões, sob pouca supervisão governamental.

Entre os compradores estão subsidiárias da Colgate-Palmolive, PepsiCo e Mondelez, e, embora o mercado ainda seja pequeno, a BloombergNEF projeta que a receita pode chegar a 4,2 mil milhões de dólares até 2050.

Para alguns, isso não é uma boa notícia. "É uma solução preguiçosa, muito preguiçosa", critica Piotr Barczak, gerente do programa de economia circular da Fundação ACEN. "Isso permite que as empresas produtoras de plástico continuem com o seu modelo de negócios."

As empresas que oferecem e certificam créditos reconhecem que os compradores não são obrigados a mudar, mas afirmam que a compra de créditos, cujo preço varia entre 140 e 67o dólares, cada, aumenta o custo de manter o status quo.

"Começa-se a atingir um ponto de equilíbrio, onde o incentivo económico é tomar mais medidas", disse Sebastian DiGrande, CEO da PCX Markets, principal registo de créditos.

Um caso prático: Camboja

Duas vezes por dia, sirenes tocam no forno de cimento da Chip Mong Insee, no Camboja, como alerta de que em breve o calcário será extraído da montanha que domina o extenso complexo industrial.

Fumo branca sai da sua chaminé prateada, visível apenas à noite contra o céu escuro, e a poeira cobre grande parte da área em redor, onde os moradores se queixam de doenças respiratórias persistentes que chegaram devido ao forno.

A fábrica pode parecer um símbolo improvável na luta contra a poluição plástica, com os fornos de cimento no centro do crescente setor de créditos de plástico, no qual compradores pagam pela recolha e descarte de resíduos plásticos. Mas pode não ser bem assim.

Os créditos têm como objetivo combater o flagelo da poluição plástica e aumentar a oferta de plástico reciclado. No entanto, não impõem nenhuma obrigação aos compradores de parar de produzir ou usar plástico não reciclável que acaba no meio ambiente.

Uma investigação da AFP e da SourceMaterial revela que o setor depende fortemente da poluente indústria do cimento para queimar os resíduos recolhidos, apesar das preocupações com os riscos para a saúde e as emissões de carbono.

Esta técnica, conhecida como coprocessamento, pode libertar produtos químicos tóxicos nas comunidades vizinhas, muitas vezes em países menos equipados para monitorizar e lidar com o problema.

"O fardo recai sobre a comunidade e o benefício sobre essas empresas", afirma Miriam Rotkin-Ellman, cientista da área de saúde pública. "Há uma completa desconexão entre quem se beneficia e quem é prejudicado."

O setor depende fortemente do coprocessamento, em que o plástico substitui o carvão nos fornos de cimento e parte das cinzas remanescentes é utilizada na produção de cimento.

Segundo a análise da AFP a quatro grandes mercados de crédito, apenas cerca de um quarto dos créditos emitidos eram para projetos de reciclagem e mais de dois terços eram destinados ao coprocessamento e outras formas de incineração. Isto ocorre, em parte, porque muitos dos resíduos plásticos não são recicláveis.

No entanto, o coprocessamento também oferece à indústria do cimento — responsável por cerca de 8% das emissões globais — uma rara oportunidade de se promover com credenciais "circulares".

Embora seja regulamentado e monitorizado em países desenvolvidos, a supervisão noutras regiões é frequentemente limitada, de acordo com Jorge Emmanuel, especialista em questões ambientais e de saúde da Universidade Silliman, nas Filipinas.

"Muitas vezes, até se pode ter leis no papel, mas estas podem ser completamente inúteis, pois não são aplicadas", explica.

"Ninguém está realmente a monitorizar as emissões", acrescenta o especialista, observando que os testes para detetar dioxinas em centrais de coprocessamento são extremamente raros devido ao alto custo.

créditos: TANG CHHIN SOTHY / AFP

Poluição e riscos para a saúde

Nos arredores do forno da Chip Mong Insee, meia-dúzia de moradores locais descrevem problemas de saúde.

"Estamos sempre a tossir", diz Pheara, que, assim como todos na região, pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome. "Antes, quando ficávamos doentes, tomávamos um pouco de remédio, mas agora temos de fazer vários tratamentos e até trocar de médico para melhorar."

O forno trouxe empregos para a região, mas não melhorou a vida dos moradores. "Eu não quero morar aqui porque é muito empoeirado", acrescenta. "Mas eu não sei quem compraria a minha casa."

Os fornos de cimento operam em altas temperaturas, o que deveria evitar a libertação de poluentes orgânicos persistentes, como dioxinas — associadas ao cancro — e PFAS, os chamados "produtos químicos eternos".

No entanto, Emmanuel alerta que há momentos em que as dioxinas são produzidas, incluindo períodos de variação de temperatura durante a divisão ou arrefecimento ou quando o combustível misturado é alimentado no forno.

Mesmo em países ricos, os sistemas geralmente não monitorizam estes poluentes de forma contínua.

"Quando se introduz resíduos está-se a trazer um cocktail totalmente novo de contaminantes", esclarece Lee Bell, assessor de políticas da ONG International Pollutants Elimination Network.

Estes contaminantes "acabam nos fornos de cimento, que não são projetados para filtrá-los".

Mesmo sem o coprocessamento, a produção de cimento está ligada à poluição e a riscos para a saúde, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA.

As comunidades locais enfrentam riscos que vão desde cancro a problemas cardíacos e pulmonares, além de complicações no nascimento, disse Rotkin-Ellman.

Logo do lado de fora dos muros do forno, Kongthy, de 56 anos, disse que o cheiro de plástico queimado frequentemente chega até ao seu café à beira da estrada.

Assim como seus vizinhos, parou de recolher água da chuva, apontando para a poeira que se acumula nas superfícies em redor da fábrica. "Não temos coragem de recolhê-la. Temos de beber água engarrafada em vez disso."

"Estamos a tentar fazer algo melhor"

Vários trabalhadores do forno disseram não estar preocupados com a segurança, citando exames de saúde anuais e equipamentos de proteção fornecidos pela empresa.

Além disso, afirmaram que o forno queima de tudo, desde óleo usado e roupas até sacos de plástico e garrafas de água, que geralmente são recicláveis.

"Têm filtros", diz Vork, que opera máquinas no forno. "Não é como se estivessem a queimar isto num campo."

A Chip Mong Insee não respondeu aos pedidos de comentário.

A empresa recebe plástico da Tontoton, que gera créditos comprados por companhias como a Celebrity Cruises e a Ernst & Young.

A Tontoton recusou-se a responder a perguntas sobre as suas operações.

Os seus créditos são vendidos numa bolsa operada pela Zero Plastic Oceans, cujo cofundador, Vincent Decap, disse que o coprocessamento é simplesmente a melhor opção para o lixo plástico em muitos países.

"Estamos a tentar fazer algo melhor", garante. "Não estamos a tentar fazer algo perfeito. Se tentamos fazer algo perfeito, acabamos por não fazer nada."

Cálculo de carvão

Um estudo realizado no ano passado revelou que o Camboja tem um dos maiores níveis de poluição plástica em áreas costeiras do mundo, e resíduos, incluindo plástico, são regularmente queimados ao ar livre.

A AFP e a SourceMaterial instalaram monitores de qualidade do ar em redor do forno da Chip Mong Insee e num local de referência afastado da indústria e das estradas.

Os monitores mostraram que os níveis de PM2.5 — partículas finas que podem penetrar nos pulmões — eram mais altos no local de referência, provavelmente devido à queima sazonal de plantações.

No entanto, especialistas alertam que monitores de qualidade do ar não conseguem detetar os poluentes mais nocivos libertados pela queima de plástico — e os testes para identificá-los são caros e pouco acessíveis.

O Ministério do Meio Ambiente do Camboja afirmou que a queima de plástico em fornos é regulamentada e monitorizada. Também declarou que a queima aberta de plástico é proibida.

SUY SE / AFP

"O que sugerem que façamos?"

O coprocessamento é frequentemente descrito como uma forma de reduzir as emissões ao substituir o carvão, mas alguns especialistas consideram esse cálculo simplista.

As emissões da queima de carvão e plástico são aproximadamente iguais, mas qualquer comparação deve levar em conta o ciclo de vida completo de ambos os materiais.

Isso inclui o processo de produção do plástico e as emissões do transporte, caso o carvão seja importado.

"A combustão de resíduos plásticos substituirá a extração adicional de carvão", diz Ed Cook, investigador em sistemas de economia circular para resíduos plásticos na Universidade de Leeds.

Mas isso não é reciclagem, e "devemos evitar e procurar alternativas para a queima de combustíveis fósseis, independentemente da sua origem", acrescenta.

DiGrande afirmou que os críticos dos créditos de plástico ignoram as realidades da poluição plástica.

Assim, reconheceu os temores em relação ao coprocessamento e disse que os créditos que utilizam essa técnica estão a diminuir ao longo do tempo na PCX Markets, à medida que o dinheiro é direcionado para instalações de reciclagem.

Mas instou os críticos a "comparar as preocupações com a saúde relacionadas com o coprocessamento com as preocupações com a saúde associadas à queima a céu aberto".

"Num mundo ideal, não teríamos estes plásticos de uso único, nem estes resíduos acumulados", justifica. "Até lá, a minha pergunta é sempre: o que sugerem que façamos?"

Isto cria um "falso dilema", segundo Neil Tangri, investigador sénior do Centro de Políticas Públicas Ambientais da Escola Goldman de Berkeley.

Para ele, o coprocessamento é "uma gestão inadequada de resíduos que se disfarça de sistema de gestão de resíduos", sem abordar a verdadeira questão: a redução da produção.

A OCDE prevê que o lixo plástico vai triplicar até 2060, com menos de um quinto a ser reciclado.

As negociações do ano passado para alcançar o primeiro acordo global sobre poluição plástica terminaram sem um consenso.

*Com AFP