Depois da divulgação de uma projeção da Climate Central que mostra os impactos da subida do nível das águas do mar em todo o mundo, e que pinta um cenário alarmante para Portugal, a Lusa questionou a geógrafa Ana Monteiro sobre a relevância destes dados.
“Podem ser relevantes se forem mobilizadores. Dentro da comunidade científica, não há neste momento dúvidas sobre o momento de grande impulsividade que está a sofrer o sistema climático. Essa impulsividade passa por consequências, designadamente ao nível a subida do nível médio das águas do mar”, afirmou a cientista.
A coordenadora do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas da Área Metropolitana do Porto destacou que há cenários “mais catastrofistas e outros menos, [mas] todos apontam para uma subida do nível médio das águas do mar em consequência de várias causas”.
Ana Monteiro recorda que “Portugal, tendo uma longa linha de costa, está particularmente vulnerável a essa modificação” e que “qualquer movimentação no nível médio das águas do mar implicará consequências de relocalização de pessoas, infraestruturas, etc”, pelo que essa consciencialização “é o lado positivo do cenário”.
Por outro lado, há “um grau de incerteza considerável” nestas “projeções e modelos com delimitação da linha de costa que, digamos, ficará propriedade do mar nos próximos anos”.
Esse aspeto revela o lado negativo da divulgação destes estudos, considera, “porque estas incertezas, típicas de qualquer modelo e qualquer cenário, não são mobilizadoras – ameaçam, assustam, mas não mobilizam”.
“Quando nos assustam com um fenómeno para o qual não nos oferecem nem um grau de certeza considerável nem uma solução convincente, remetemo-nos ao silêncio e esperamos pelo desfecho do episódio. Remetemos para o divino, não acreditamos que a ciência e a técnica sejam capazes de nos ajudar”, concretiza.
Para a especialista este tipo de informação que a comunicação social divulga “surte, do ponto de vista da ação política, da ação técnica, e da participação das pessoas, muito pouco efeito”.
“Há aqui uma ideia generalizada de que todos, enquanto sociedade, nos devemos ater às informações globais. Por isso, é o mês mais quente do ano, o mais chuvoso, o mais seco, o mais frio… É tudo para o Guinness”.
A cientista ressalva que “esse é um tipo de informação que chama muito à atenção, mas é tão repetida que é como as guerras e o sangue – vemos à segunda e à terça e paramos de jantar, mas à quarta, quinta e sexta continuamos a jantar”.
“É um foco ‘top-down’”, em que se olha para o que está a acontecer no planeta e se pensa em como agir localmente, só que “o foco tinha de ser ao contrário, tinha de ser ‘bottom-up’”, ou seja, deve-se pensar no que “acontece no bairro e o que se pode fazer nesse bairro”.
A ‘eco-ansiedade’, um problema que já existe em Portugal e afeta, sobretudo, jovens, ativistas e cientistas que estudam o clima, “surge de consciencialização cada vez maior da urgência do fenómeno das alterações climáticas, e a psicologia pode ter um papel importante na preparação das pessoas, no apoio, relativamente às respostas emocionais que podem ter a este problema”, explica à Lusa a psicóloga Teresa Pereira, que integra o EcoPsi, um grupo de psicólogos dedicados aos problemas de saúde mental ligados às alterações climáticas.
Ainda que as questões climáticas toquem a todos, há quem esteja mais vulnerável: “pessoas com alguns problemas de saúde ou alguma vulnerabilidade a nível de saúde mental podem ser mais afetadas, pessoas em situação de desigualdade económica e social, e outra franja da população que pode ser muito afetada são as crianças e jovens”.
Este último grupo está mais exposto porque é “um grupo com maior imaturidade fisiológica, capacidade de adaptação ainda limitada”, mas também “vão estar mais expostos ao longo da vida”.
“Estão a apanhar uma fase de evolução das alterações climáticas que terá repercussões bastante graves ao longo da sua vida. Isto depois vai-se traduzindo em questões específicas, como problemas ao nível do desenvolvimento, aprendizagem, comportamento, desempenho escolar, por exemplo”.
Mas todos são suscetíveis e a exposição às mensagens alarmistas pode suscitar três tipos de reposta.
Por um lado, pode haver “uma resposta emocional, mais associada a sentimentos esmagadores e desempoderadores, medo, pânico, falta de controlo, por outro lado uma ativação de defesas”, mas também uma “distância psicológica”, um processo de negação, “que pode dificultar a nossa capacidade de lidar ativamente com este fenómeno”.
A resposta ideal é uma “resposta emocional mais positiva, e o trabalho dos psicólogos também vai muito neste sentido”, frisa, que é o de “promover a integração das emoções negativas e ativar as positivas, como a esperança e o empoderamento, normalmente associado à ação”.
Comentários