Para o livro de Sara Crispim chegar a uma segunda edição bastou um mês, para alguém ter um ataque de pânico bastam segundos, para controlar a ansiedade é preciso mais tempo. Mas a psicóloga garante que é possível controlá-la, e tem andado nos últimos tempos a tentar dar às pessoas estratégias para que conheçam a sua ansiedade e aprendam a dominá-la. O livro aproveita um momento "em que as pessoas até estão mais recetivas a obter conhecimento sobre saúde mental." Mas ainda têm muitas dúvidas, "acho que ainda falta desmistificar a ansiedade, porque há quem ainda ache que a ansiedade é a pressa de querer ter tudo para ontem, ou coisa de pessoas muito apressadas. Mas é bem mais do que isso." E é esse "mais" que quer mostrar, provando a quem vive com ele que pode ser menos pesado.

O objetivo, explica ao SAPO24, não é viver sem ansiedade, até porque a ansiedade é muitas vezes o que nos mantém vivos. Mas sim com que essa não defina o dia-a-dia. Até porque mesmo que as pessoas ignorem os sintomas é fácil distinguir as borboletas na barriga, da ansiedade incapacitante. "É fácil na medida em que quando alguma coisa não está bem, as pessoas sentem." Mesmo que automaticamente não associem à ansiedade. "Aliás, normalmente associação é a problemas de saúde física" e Sara Crispim reconhece que os seus pacientes a visitam "depois de terem ido ao hospital, ao cardiologista, a especialistas de sono, depois de estarem convencidos ter algum problema de estômago. Ou seja, a primeira sintomatologia é sempre física." Depois, explica, começam a questionar se o que têm é grave, "e na maioria das vezes quando no hospital lhes é dito que é um problema de ansiedade há um caminho na aceitação. O que é isto da ansiedade se não é palpável? Se não dá para visualizar como uma ferida aberta?"

"Isto" é a vida de Sara Crispim desde 2019. Nesse ano começou a fazer terapia clínica presencial e pouco tempo depois dá-se a pandemia. Como se foi escrevendo, na altura, aumentaram os casos de transtornos de ansiedade mas também o medo de sair de casa. Sem ter uma estrutura montada online, a prática de Sara Crispim encaminhou-se naturalmente para a terapia através de um computador. "Foi um contacto nas minhas redes sociais de uma pessoa da Bélgica que gostou do meu trabalho e perguntou se eu a podia atender online", depois dessa experiência percebeu "que resultava tão bem ou melhor do que as consultas presenciais. Pelo menos em pessoas que sofrem de ansiedade. Porque muitas vezes as pessoas que sofrem de ansiedade nem conseguem sair de casa, quanto mais deslocarem a um lugar presencial para ter consultas."

Se a pandemia mudou a forma como os psicólogos operam, também mudou a forma como se olha para a saúde mental. Sara diz que continua a haver muita dificuldade de aceitação na necessidade de visitar um psicólogo, "as pessoas associam um psicólogo a uma sentença". Mas que no "pós-pandemia começa a ver-se uma mudança no paradigma, até porque houve muitas pessoas com uma presença forte nas redes sociais, na televisão - falo de figuras públicas - a assumirem publicamente que têm ansiedade ou depressão. Há já uma normalização no quanto se fala de saúde mental. Começa a ser tão normal quanto se falar em saúde física, as pessoas começam a assumir que é tão natural partilhar que têm diabetes, quanto dizerem que têm ansiedade."

Mas a ansiedade ainda gera muita dúvida. Começando pelo início, há una diferença entre ansiedade patológica e a ansiedade que nos mantém alerta no dia-a-dia. E para Sara Crispim é importante que se perceba que "todos temos ansiedade", "a chamada ansiedade normal, aquela que sentimos antes de um exame de condução, antes de uma apresentação oral no nosso trabalho. E é uma ansiedade que além de normal, é importante, na medida em que nos prepara para esse evento."

Por outro lado, a ansiedade patológica " é aquela que é limitadora. Envolve sintomas físicos e pensamentos intrusivos até mesmo após o evento." Voltando ao exemplo do exame de condução para distinguir uma da outra, "antes do exame é comum termos náuseas ou dor de barriga, até pensar-se "e se eu não conseguir?", "e se eu atropelar alguém?". Mas depois do exame isso tende a desaparecer, já no caso da ansiedade patológica estes sintomas continuam" e às vezes até impedem que o exame seja feito. Sara, continua, "é um tipo de ansiedade muito limitadora e persistente. Interfere na nossa vida, fazendo-nos deixar de fazer coisas que nós habitualmente fazíamos, provoca muitas vezes dificuldade em dormir. Começa a comprometer severamente a nossa saúde, tanto física como mental."

A ansiedade patológia é tão invasiva que tem uma "voz". Os chamados pensamentos  intrusivos que aparecem "em formas de frases ou de imagens". E, muitas vezes, aquilo que se pensa torna-se tão real que é quase palpável." São pensamentos que aparecem sem serem convidados. E têm muitas vezes um caráter mais obsceno". Para quem nunca teve um pensamento intrusivo a ideia pode ser difícil de entender e, por isso, Sara vai recorrendo aos exemplos que tornam mais fáceis as imagens para quem nunca viveu este tipo de pensamento, e de identificação imediata para quem já os teve, ou vive com eles. Como é o caso de uma pessoa ir a conduzir e pensar, "e se eu agora tivesse um acidente e morresse?", ou estar numa ponte e pensar  "e se eu agora caísse?". E, por mais curriqueiros, que estes pensamentos possam parecer, para quem tem ansiedade é o suficiente para "se ficar com as mãos a transpirar, para resultarem em sensações físicas. Quase como se as pessoas estivessem mesmo na iminência de ter um acidente ou cair da ponta, ou até como se o tivessem acabo de fazer.

E se, por um lado, estes pensamentos acontecem em todos nós - às vezes até há situações da vida em que eles se tornam mais intensos, por exemplo no pós parto - por outro, é preciso estar-lhes atento. Porque "é ténue a linha que faz com que limitem a vida de alguém. Tornam-se um problema quando "limitam a nossa vida. Por exemplo, alguém que deixa de passar a ponte 25 de abril por pensamos intrusivos."

E sim, todas as situações que mostrem que estamos a limitar as nossas vidas, as nossas escolhas, por causa de ansiedade são um sinal de que é preciso ajuda. "O objetivo é que a ansiedade seja normativa ao ponto de conseguirmos fazer a nossa vida, mesmo que ela exista. Até porque ela é importante, é ansiedade que nos permite não sermos atropelados quando passamos numa passadeira."

Até porque, se os sintomas psicológicos não forem suficientes para se pedir ajuda, infelizmente os físicos serão e a lista é longa. "As pessoas não têm noção que a ansiedade é muito física. A ansiedade consegue fazer com que as pessoas percam cabelo, que tenham uma erupção cutânea. Olhar para a pele e ver marcas e imaginar que são provocadas pela ansiedade é muito difícil." Ou ter "dor no peito, o coração muito acelerado de repente quase como se estivéssemos a fazer exercício físico, mas na realidade estamos só no sofá a ver televisão, por exemplo. As dores de cabeça, náuseas, tonturas, dificuldade em dormir. A queda de cabelo, dores de estômago, diarreia... Esta última é uma sintomatologia muito frequente em pessoas que estão expostas a eventos sociais, como apresentações orais. É uma descarga."

Se a saúde mental entrou no discurso diário, também nos habituámos a ouvir expressões como "ataques de pânico", "crises de ansiedade", entre outras. Mas muitas vezes há alguma confusão entre uma e outra. Sara Crispim separa as duas logo a partir de uma diferença "a crise de ansiedade é previsível, o nosso corpo vai dando sinais antes de acontecer". Às vezes são sinais subtis, é certo, mas acumulados ao longo do tempo tornam-se pesados. Um dia até pode ser uma dor de cabeça, noutro uma insónia e por aí fora. Em resumo, "além dos sinais, é duradoura no tempo e é menos intensa comparativamente com o ataque de pânico." Já um ataque de pânico "é expressão máxima da ansiedade, é uma descarga de adrenalina espontânea e imprevisível e, por isso, também só se consegue atuar no momento".

Sara volta aos exemplos para explicae que muitas vezes acontece estar-se, por exemplo, no cinema e em segundos "achar-se que se vai morrer". Dizer isto "não é exagerado", reforça. "Quem tem um ataque de pânico normalmente experencia sensações similares a um ataque cardíaco ou a um AVC. E, claro, é muito mais intenso do que uma crise de ansiedade e deixa um registo traumático para quem o experiencia. Tanto que, por isso, é que muitas vezes as pessoas evitam ir a um local onde já tenham vivido um ataque de pânico."

A ansiedade não manda em mim, de Sara Crispim
Livro A ansiedade não manda em mim, de Sara Crispim créditos: Contraponto

A ansiedade mata?

Não é de tal forma um exagero as pessoas acharem que vão morrer com um ataque de pânico que vários pacientes perguntam a Sara Crispim se a ansiedade mata. A pergunta é-lhe tantas vezes feita que dedicou um capitulo do seu livro a responder-lhe. E por mais descabida que possa parecer a quem não tem ansiedade, a pergunta é bastante oportuna depois de se sentir na pele um ataque de pânico sem aviso. "Porque as pessoas quando vão ao médico acham mesmo que vão morrer."

Afaste-se já qualquer dúvida: "a ansiedade não mata. Ninguém morre de ansiedade." "No entanto, a sensação física e psíquica faz com que a pessoa pense isso porque são tão fortes que há pessoas que inclusive chegam a desmaiar. Ou seja, a sensação que nós temos com um ataque de pânico é semelhante à sensação de uma morte iminente. Existe uma absoluta falta de controlo na cabeça e no corpo." E por isso é que se começam a evitar atividades de vida diárias.

Ora, se uma pessoa perde o controlo do seu corpo, e mente, a qualquer momento, não quer que isso aconteça enquanto está a conduzir, por exemplo. E, nas palavras da psicóloga clínica, nada disto é um exagero. Tanto que lembra o caso mais grave que teve, o de uma pessoa que ficou seis meses sem sair de casa. "Porque quando a ansiedade não é alvo de intervenção ela começa a migrar. Ficar em casa para não ter ansiedade, é a mesma coisa que se viajar para evitar uma constipação, se estamos constipados em Lisboa vamos estar constipados no Japão."

Sofrer de ansiedade tem tanto de complexo, como de simples. E, a experiência de Sara Crispim, diz-lhe que a maioria dos pacientes com ansiedade têm uma grande falta de autoconhecimento, as pessoas não se conhecem. "Às vezes eu pergunto a um cliente: diga-me quem é. E as pessoas não sabem falar sobre si mesmas, mais facilmente pedem a alguém que as defina do que conseguem definir-se a si mesmas. E isso é uma parte muito importante para nós conseguirmos conhecer a nossa ansiedade."

O auto-conhecimento dá respostas importantes para resolver problemas. "Se uma pessoa não se conhece, não sabe de onde vem a ansiedade e, por isso, não a consegue resolver". A psicóloga continua, "conhecer-nos permite-nos ir à raíz da nossa ansiedade e isso é fundamental. O livro permite que as pessoas façam uma viagem pela sua infância, adolescência, idade adulta e percebam como foi a sua vida, as experiências que tiveram. Conhecer não só a raíz da sua ansiedade no passado, mas também agora e perceber o que a está a gerar. Isto obriga a olhar para dentro. Não há problema nenhum em alguém dizer que não tem autoconfiança, assumir estas vulnerabilidades é ter autoconhecimento. E as pessoas não se conhecerem não é bom."

A propósito da viagem à infância, o SAPO24 questiona Sara Crispim se a tentativa de proteger as crianças de tudo o que lhes pode causar ansiedade é arriscada para o seu futuro. "Inconscientemente vamos tentando proteger sempre proteger os nossos filhos, mas é impossível protegê-los de tudo". Até porque um dia quer de forma mais ou menos intensa as crianças vão ser expostas à pressão, à ansiedade. A solução não é impedi-la de ver o mundo, é dar-lhe uma armadura forte o suficiente para enfrentar o mundo. "Hoje sabemos que uma criança que se se sinta protegida, amada e respeitada, está preparada para um futuro em que tenha que lidar com questões de ansiedade, ou em momentos em que a sua autoestima esteja à prova. Está mais que provado que essa forma de agir com as crianças é o que as vai preparar para a sociedade que tem todos estes perigos e coisas que não conseguimos controlar."

Mas, contudo, não é precisar chegar-se a adulto para se sofrer com ansiedade. Há crianças que lidam com esse problema e alguns dos sintomas não são muito diferentes dos dos adultos: dores de barriga, recusa em ir à escola, não conseguir comer. "Sintomas que nós adultos temos, mas que as crianças não sabem bem explicar". Importa estar atento ao momento em que as crianças começam a "recusar atividades diárias, que não querem ir brincar, não querem estar com certas pessoas, que não querem ir dormir, a dor de barriga é uma queixa muito frequente", reforça.

Seja em crianças ou em adultos, há uma altura em que ajuda profissional tem que ser procurada. Crispim explica que há dois momentos em que se pode consultar um psicólogo, Quando sentimos que alguma coisa na nossa vida não está bem - seja ansiedade ou não - e está a prejudicar a nossa saúde. "Mas também pode ser consultado sem estar em sofrimento. Autoconhecimento, desenvolvimento pessoal são motivos suficientemente bons para procurar ajuda."

Sara lembra que em alguns casos é necessário um combinado entre psicólogo e psiquiatra. "Claro que nem todas as pessoas precisam de psiquiatra e, nós psicólogos, fazemos a ponte. Se virmos a necessidade aconselhamos sempre." "Todas as pessoas que não consigam gerir a ansiedade precisam de um psicólogo e há algumas pessoas que precisam efetivamente de um psiquiatra. Não se pode desvalorizar a presença do psiquiatra, as pessoas têm muitos preconceitos em ir ao psiquiatra e tomar medicação. É errado. E a medicação tem uma função de avaliar um sofrimento que nem permite que as pessoas evoluam na psicoterapia."

Não só pelo bem estar imediato a ansiedade deve ser tratada, mas também porque "ansiedade é como um vírus que acaba por minar e acaba por presente noutras patologias." É, por isso, comum uma pessoa com ansiedade entrar num estado depressivo, numa perturbação obssessivo compulsivo - "as obsessões servem exactamente para aliviar a ansiedade" -, num transtorno alimentar - "porque a fome emocional não é nada mais do que comer as emoções - por exemplo, comer antes de uma reunião porque se está nervoso. O que está aqui é uma resposta inadequada à gestão das emoções e o que vamos fazer é aprender a gerir emoções e confrontá-las. Depois, há tanta coisa por trás que só mesmo caso a caso. A ansiedade é como um chapéu de chuva que abrange várias coisas lá dentro".

Mas se a ansiedade não mata, também não é uma sentença perpétua.  "A ansiedade é mutável, uma ansiedade normal vai-se adaptando aos nossos eventos de vida a patológica se não for tratada vai evoluindo e vai minando todas as nossas áreas de vida. Mas é possível aprender a geri-la. Aquela pessoa que não saía há seis meses de casa, voltou a ter uma vida normal. O primeiro passo é a consciencialização de que há um problema para resolver, depois há hábitos que têm que ser identificados e alterados. Não posso pensar em mudar a minha ansiedade se não dormir, se me alimentar mal, beber muitos cafés etc." Mas é possível viver com ansiedade. É normal viver com ansiedade.