“Se no início era uma ideia, uma vontade, havia um risco associado, não sabíamos se a coisa ia resultar. Chegar às mil toneladas, aos 11 trabalhadores, aos 11 pontos de entrega e aos cinco mil associados, significa que não somos só uma ideia, é mesmo um modelo que funciona, uma proposta de consumo em que muita gente se revê e que tem provado a sua sustentabilidade tanto social, como financeira”, disse à agência Lusa Isabel Soares, uma das mentoras do projeto.
A cooperativa Fruta Feia, que tem hoje 158 agricultores como parceiros, resulta de uma ideia de quatro amigos para aproveitar cerca de um terço da fruta e vegetais que os supermercados desperdiçam, por considerarem que não têm o aspeto perfeito que os consumidores procuram ou o calibre necessário.
Isabel Soares explicou que com o dinheiro das receitas a Fruta Feia paga os custos de funcionamento, “um valor justo aos agricultores pelos seus produtos” e “um salário justo” aos trabalhadores, que possuem um contrato sem termo.
“É essa a prova de que o modelo funciona. É que mil toneladas já é muita fruta, não é ‘salvamos uns quilinhos do lixo’. Não é isso, já dá que pensar e há muita gente que se está a interessar pelo nosso modelo”, frisou.
É por isso que a Fruta Feia tem recebido muitos visitantes estrangeiros que querem replicar o modelo “inovador e que foi pensado do zero”, explicou Isabel Soares, avançando que já houve quem se inspirasse, apesar de ser uma empresa com fins lucrativos e não uma cooperativa, como o projeto português.
“Todo o dinheiro que fazemos é para pagar os nossos custos, não há lucro para ser repartido pelos fundadores da cooperativa. Nos Estados Unidos foi criada uma empresa, estiveram connosco uma semana para ver como funcionávamos e levaram o modelo com eles”, contou.
Isabel Soares reconhece que no início teve medo que o projeto não funcionasse, até porque era para ajudar os agricultores e a sua primeira reação “não foi muito boa”, por não acreditarem na sua veracidade.
“Comecei a pressentir que ia correr bem quando abrimos inscrições e em menos de uma semana já tínhamos mais de 100 inscrições. Tivemos de limitar o arranque a 120 pessoas quando o modelo estava pensado para 40″, contou.
Foi então que começou a sentir a adesão dos consumidores e a achar que iria correr bem, mas nunca ao nível do que acontece hoje, quando se chega às 1.080 toneladas de frutas e legumes salvos do lixo.
Neste momento, a Fruta Feia tem cinco mil associados e são salvas 15 toneladas por semana do desperdício. De acordo com Isabel Soares, há agricultores que só com o dinheiro da Fruta Feia conseguiram contratar mais um funcionário.
“Há muitos agricultores que através de nós, a maior parte mesmo, escoam tudo o que é ‘feios’. Isso é ótimo, sentir que há coisas que não estão a ir para o lixo por uma razão estética porque nós estamos lá e estamos a agir”, acrescentou.
Ainda existem agricultores interessados em participar no projeto, mas que, apesar de cumprirem o requisito de não terem práticas agressivas com o meio ambiente, têm de ficar de fora, já que a Fruta Feia segue uma política de consumo de proximidade e a cooperativa não se desloca mais de 70 quilómetros dos pontos de entrega para ir buscar os ‘feios’.
Nos últimos três anos, e devido a um projeto da União Europeia, foi possível abrir oito pontos de entrega, sendo Braga e Amadora os últimos dois e aqueles que vão agora necessitar de consolidação.
Para o futuro, Isabel Soares espera continuar a abrir delegações, embora a um ritmo “menos desenfreado”, lembrando que ainda há agricultores a precisar de ajuda e 14 mil pessoas em lista de espera.
Atualmente, as cestas de ‘fruta feia’ — pequenas (três/quatro quilos e cinco a sete variedades) e a grande (com seis/oito quilos e sete a nove variedades) — podem ser recolhidas em Lisboa (quatro pontos), Porto, Braga, Amadora, Parede, Matosinhos, Vila Nova de Gaia e Almada. Os cabazes são compostos por frutas e hortaliças, que variam semana a semana conforme a altura do ano.
“Gente bonita come fruta feia” é o lema do projeto, que pretende associar “bons ideais às pessoas que estão dispostas a comer” esta fruta não normalizada, para evitar o desperdício alimentar, concluiu Isabel Soares.
Comentários