“O sistema político do país é frágil e precisa de mais transparência, elasticidade e agilidade para identificar desafios”, disse à Lusa o sinólogo italiano Francesco Sisci, professor na Universidade Renmin, em Pequim.

Em pouco mais de um ano, Pequim passou a enfrentar uma custosa guerra comercial com os Estados Unidos, a pior crise política em Hong Kong em várias décadas, um surto de peste suína que fez disparar a inflação, ou a vitória nas eleições presidenciais em Taiwan do partido pró-independência da ilha.

“Todos estes desafios têm raízes no sistema chinês”, comentou Sisci. A “falta de transparência” torna “muito difícil” para a liderança em Pequim “avaliar a realidade de qualquer ameaça e reagir rapidamente”, resumiu.

A guerra comercial com Washington e os protestos que há meses abalam Hong Kong foram negligenciados pelo Governo central, em resultado da “rigidez e incapacidade de entender o cenário global”, enquanto a peste suína e o novo coronavírus refletem “falhas estruturais” na produção alimentar, acrescentou o académico, que em 1988 começou a fazer investigação na Academia Chinesa de Ciências Sociais.

O novo coronavírus foi inicialmente detetado no mês passado num mercado de mariscos nos subúrbios de Wuhan, centro do país, mas alastrou-se, entretanto, a toda a China.

Inicialmente, as autoridades locais reportaram apenas 41 pacientes, todos em Wuhan, e descartaram que a doença fosse transmissível entre seres humanos, mas o número de infetados aumentou rapidamente, na última semana, e atingiu hoje os 2.744. Pelo menos 80 pessoas morreram devido à doença.

Numa década, enquanto as economias desenvolvidas registavam sinais de estagnação, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de 80 aeroportos ou dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

O país carece, no entanto, de uma rede de segurança social, e cerca de 40% da população chinesa permanece no meio rural, sem acesso a serviços básicos.

“Os agricultores chineses, que permaneceriam desempregados em caso de modernização da indústria da carne, não têm acesso a um estado de bem-estar social”, disse Sisci. “O Estado não pode, portanto, ter práticas rurais modernas, e a produção alimentar chinesa carecerá de segurança durante muitos anos”, sublinhou.

O académico advertiu que estes problemas sistémicos poderão gerar “problemas em qualquer lugar” na China. “O sistema é extremamente frágil, fechado e sobrecarregado com enormes dívidas ocultas”, destacou.

Já na opinião do sinólogo norte-americano David Shambaugh, desde que ascendeu ao poder, em 2013, o atual Presidente chinês, Xi Jinping, reforçou o caráter totalitário do regime, abrindo um “precedente muito perigoso para o futuro”.

Deng Xiaoping, arquiteto-chefe das reformas económicas que abriram a China ao mundo, procurou basear a tomada de decisão num processo de consulta coletiva, separar o Partido do Governo e descentralizar a autoridade pelas províncias e localidades, visando evitar os excessos maoistas que quase destruíram a China.

Mas Xi reverteu aquelas normas e, sob a sua direção, o Partido Comunista Chinês voltou, nos últimos anos, a penetrar na vida política, social e económica da China, enquanto o poder político se centrou na sua figura.

“Governo, exército, sociedade e escolas – norte, sul, leste e oeste – o Partido é líder de tudo”, afirmou Xi, no último congresso do Partido Comunista, em 2017, citando Mao Zedong.

Sisci citou antes um provérbio chinês para alertar para a crescente centralização e rigidez do poder.

“Como os chineses sabem muito bem, o bambu que oscila com o sopro do vento é mais resistente do que o carvalho que resiste ao furacão”, descreveu. “E hoje não é só um, mas são vários furacões”.