António Costa e Silva admitiu não ter "certeza nenhuma" sobre se o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vai ser implementado: "O país já teve muitos programas que foram parar à gaveta". Questionado sobre se tem a certeza sobre se este não vai ter o mesmo destino, responde que não tem "certeza nenhuma", já que "as coisas estão extremamente complicadas". E frisou que o que tentou fazer foi um "contributo", mas não deixa de ter esperança: "Quero ter a crença de que o programa vá ser implementado", mesmo falando de cenários como a “falta de abrangência política” ou a “entrada numa espécie de deriva”.
Como convidado do programa "Geometria Variável", de Maria Flor Pedroso, na Antena 1, António Costa e Silva fala sobre o PRR, que fez sem receber remuneração (que também não lhe foi proposta pelo Governo, revela, mas que também foi sua condição) e que foi apresentado esta quinta-feira em Bruxelas pelo primeiro-ministro, António Costa: "Fiz isto porque pensei que podia dar um contributo ao país e agilizar um conjunto de ideias que podiam ser importantes para a próxima década".
"Fi-lo porque acho que a dimensão da crise em que estamos é brutal e, portanto, temos de procurar - cidadãos e partidos políticos - mais aquilo que nos une do que aquilo que nos divide para desenvolver uma plataforma abrangente, que permita fazer face aos grandes problemas com que estamos confrontados", disse esta sexta-feira.
Para Costa e Silva, "a crise sanitária já se transformou numa crise económica e social profunda". Lembra que há "mais de um milhão de pessoas em Portugal que vive abaixo do limiar de pobreza e "isso deve-se acentuar em cima desta crise".
O autor do Plano de Recuperação mostra preocupações ambientais, como já fez anteriormente: "Também não devemos esquecer que estamos sentados em cima de uma crise climática e ambiental sem precedentes na história do planeta". Sendo assim, Costa e Silva diz que se não "aproveitarmos esta oportunidade para fazer a transformação adequada com a transição energética, a descarbonização da economia e desenvolver um país mais justo e coeso vamos enfrentar problemas muito graves no futuro".
Questionado sobre se o seu trabalho com o PRR acabou, Costa e Silva respondeu que "há um conjunto de instrumentos e políticas que vão servir para desenvolver políticas ao longo da próxima década, com diferentes governos. (...) Eu fiz uma visão estratégica, um conjunto de caminhos possíveis para o país e compete ao Governo agora definir as prioridades, alocar os recursos".
Costa e Silva explica que António Costa foi a Bruxelas, esta quinta-feira, "apresentar um primeiro instrumento. Há outros como o Quadro Financeiro Plurianual".
Ainda sobre o início do PRR, Costa e Silva diz que pôs "duas condições de base ao sr. primeiro-ministro": "Primeiro, o trabalho era pro bono e a segunda é que não ia falar de petróleo e gás porque considero que, como a minha empresa trabalha nessa área, havia um conflito de interesses estrutural". Costa e Silva é gestor da Partex, o negócio petrolífero do grupo Gulbenkian.
O economista falou ainda da economia e tecnologia que o país tem, destacando universidades e áreas do país, como o Fundão, Évora, Castelo Branco. "O país tem competências funcionais, falhamos é nas competências institucionais. E desde logo a persistência das políticas públicas: quando os governos mudam, não é preciso recomeçar do zero. Respeito imenso os partidos políticos (...), mas tem de haver uma certa convergência e continuidade".
"Acho que temos condições para dar um salto e avançar na cadeia de valor e andarmos alguns patamares. Temos as competências funcionais. Tudo o resto é organização, capacidade de reunir os ecossistemas que existem - desde as universidades, centros de investigação, empresas (absolutamente cruciais e têm de estar no centro deste plano de recuperação, como têm de estar as pessoas). Acho que assim podemos mudar ou pelo menos avançar", explicou.
Sobre o que defende em relação ao papel do Estado, Costa e Silva acha que pode ter sido mal interpretado: "Nós vimos de um ciclo em que os mercados autorregulados eram a solução de tudo. Sabemos hoje que não é assim. Esses mercados não trabalham necessariamente para o bem público e eu sou uma pessoa das empresas e os mercados são vitais. São máquinas de criação de inovação, de prosperidade, geram riqueza, mas tem de haver uma combinação virtuosa entre os mercados e o Estado”.
Costa e Silva justifica isto dizendo que quando um país tem uma crise sanitária como esta “não é o mercado que nos vai salvar, mas sim o SNS", acrescentando que "[n]ão podemos desmantelar ou privatizar alguns dos serviços públicos. Temos de ter muita atenção a isso e combinar com o setor privado. Esta articulação virtuosa é fulcral para o futuro", conclui.
O economista diz que este é um debate "que está em cima da mesa". Destaca ainda a "situação dramática" dos Estados Unidos: "Como é que o país mais poderoso do mundo tem hoje 30 a 40 milhões de pessoas que nem sequer têm seguros e numa situação sanitária dificílima, está em grande tensão".
António Costa e Silva disse ainda que gostava realmente é que "fôssemos capazes de reunir o dinamismo do mercado, como existe nos Estados Unidos, com o Estado Social Europeu. Estou absolutamente convencido de que combinar os dois é o caminho para o futuro - senão vamos ter sociedades cada vez mais desiguais, uma proletarização cada vez mais avançada das classes médias. Temos de ter nas políticas públicas mecanismos de destruição de riqueza e temos de desenvolver um sistema provavelmente diferente".
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