Em entrevista à Lusa, o virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) reconheceu que uma má vacina, ainda assim, é melhor do que nenhuma, mas alertou para a necessidade de as pessoas continuarem a manter as medidas de proteção, como o uso de máscaras, higiene de mãos e afastamento social, o que nem sempre é fácil, e em algumas situações impossível, no continente africano.
África já começou a enfrentar a terceira vaga de covid-19, numa altura em que ainda contabiliza um número muito reduzido de pessoas vacinadas: 48,9 milhões de doses administradas a cerca de 34,4 milhões de pessoas, que, até 21 de junho, tinham recebido pelo menos uma dose da vacina, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) africano.
Para o ex-diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano, Tom Frieden, é “espantoso” e “inaceitável” que África tenha administrado até ao momento tantas vacinas quantas são ministradas semanalmente nos Estados Unidos, que têm menos de metade da população do continente.
Por seu lado, a diretora regional para África da Organização Mundial de Saúde (OMS), Matshidiso Moeti, disse recentemente que o cenário é “incrivelmente preocupante”, em parte devido à variante Delta do novo coronavírus.
Mas se a solução passa, em parte, pela vacinação do continente, esta é também um desafio, pois África tem recebido uma quantidade significativa de vacinas chinesas, com uma comprovada menor eficácia.
Uma investigação do New York Times, revelada na passada quarta-feira, indica que alguns países que utilizaram sobretudo vacinas desenvolvidas pela China estão a sofrer novos surtos de covid-19, sugerindo que estas têm baixa eficácia contra o coronavírus e novas variantes.
Para Celso Cunha, este é “um problema muito grande”, pois África está a depender muito de vacinas de outros países, nomeadamente das chinesas, que já demonstraram ser muito pouco eficazes.
Ainda assim, referiu, “é melhor vacinar com uma coisa menos eficaz do que não vacinar de todo”, embora a situação conduza a outro problema: O da falsa sensação de segurança.
“Podemos estar a causar em muitas pessoas a falsa sensação de estarem protegidas, e poderão não estar”, levando-as a se reinfetar ou a transmitir a infeção, disse, acrescentando que, “com vacinas mais eficazes, essa possibilidade é mais pequena”.
O virologista reconheceu a dificuldade de explicar às pessoas que estão a receber uma vacina que, afinal, não é assim tão eficaz, principalmente junto de populações que vivem numa grande densidade populacional, em situações de pobreza e grande fragilidade e com maior iliteracia, nomeadamente na área da saúde.
Sobre as vacinas que estão a chegar a África em maior quantidade, nomeadamente as chinesas, Celso Cunha recordou que a China, e também a Rússia, veem África como um continente estratégico e são quem atualmente compete pelos seus recursos naturais.
Uma das formas como estes países expressam o seu interesse no continente é através das doações, nomadamente de vacinas. O problema é que estas vacinas são as que têm demonstrado uma menor eficácia.
Apesar destas fragilidades, o continente conta com alguns “vantagens” na luta contra a pandemia, nomeadamente ter uma população jovem e geograficamente dispersa, com a exceção de algumas zonas altamente povoadas, indicou o especialista.
Estas condições terão contribuído para um número de casos e mortos menor ao que era esperado nas anteriores vagas, mas Celso Cunha aponta também outras razões para esses números menos maus, como um baixo número de testes.
“África no início teve muitos poucos casos diagnosticados, não por haver poucos casos, mas porque a testagem era muito limitada. Havia poucos laboratórios e com pouca capacidade de testagem e falta de recursos humanos qualificados”, disse.
O número de falsos negativos era “considerável”, em resultado dos kits, comprados na China, com baixa fiabilidade.
Para esta terceira vaga, “quantos mais casos houver, maior vai ser a probabilidade de entrarmos numa espiral de aumento de casos, com tendência para ficar incontrolável”, com “mais pessoas infetadas, mais vírus a circular na comunidade, em mais locais. É natural que este número vá continuar a subir muito”, disse.
Celso Cunha acredita que África enfrenta uma “corrida contra o tempo”, tal como todos os outros continentes, embora “com armas muito desiguais”.
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