“Primeiramente, falhou o discurso do Presidente, que ficou entre um discurso mal-intencionado e um discurso de um ‘teenager’, como se fosse uma pessoa de 17 anos de idade. Um bom gestor deve preferir sempre o desagradável para evitar o desastroso. O gestor leviano prefere o agradável, e depois tenta arranjar desculpas para o desastroso”, afirmou o autarca em entrevista à agência Lusa.

“No Brasil falhou a presença do líder, que não falhou em Portugal, e que de alguma maneira se recuperou em Inglaterra e se tenta recuperar nos Estados Unidos da América, depois de muita coisa ruim já acontecida”, acrescentou o prefeito da capital do Amazonas.

Em causa está o discurso de Bolsonaro, um dos líderes mais céticos em relação à gravidade da pandemia de covid-19, que classificou de “absurdas” as medidas de isolamento social adotadas pelos governadores do país para conter o avanço da pandemia e vem apelando, diariamente, à reabertura da economia.

A postura do chefe de Estado em relação à pandemia levou o prefeito de Manaus, cidade amazónica que há semanas sofreu um colapso no seu sistema de saúde, a enviar um pedido de ajuda a 21 países, incluindo a Portugal, num vídeo endereçado ao primeiro-ministro, António Costa.

Em cartas e vídeos encaminhados às embaixadas no início do mês, Virgílio relatou os esforços da gestão municipal para conter o avanço do novo coronavírus e ressaltou o papel histórico do povo da região da Amazónia na preservação daquela que é a maior floresta tropical do mundo.

“Dirigi-me (aos 21 países) porque precisamos de medicamentos, de equipamentos de proteção individual, precisamos muito de um ou dois tomógrafos para colocarmos em locais estratégicos, para facilitarmos o diagnóstico da doença. Qualquer ajuda é bem-vinda. Por exemplo, a Bélgica ajudou-nos com cestas básicas [alimentos e produtos de higiene pessoal]. Há uma população desempregada grande, e vai ajudar”, explicou o prefeito.

Contudo, Arthur Virgílio revelou que foram poucas as respostas que recebeu ao seu pedido de auxílio, afirmando que ainda não chegou nenhuma ajuda concreta proveniente de Portugal.

“Não recebi nenhuma resposta direta do primeiro-ministro português, mas a embaixada interessou-se e designou pessoas para cuidarem disso. Estamos à espera que efetivem (a ajuda)”, apelou mais uma vez o prefeito, que já viveu em Portugal, quando trabalhou como conselheiro político da embaixada do Brasil em Lisboa.

Apesar dos líderes mundiais não terem respondido ao seu apelo, Arthur Virgílio destacou a ajuda e interesse oferecidos pela jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg, que mobilizou uma campanha mundial para apoiar Manaus no combate à covid-19.

Num vídeo divulgado nas suas redes sociais, na quinta-feira, Greta pediu que líderes globais, principalmente de países desenvolvidos que já venceram a doença, possam colaborar para salvar a cidade, localizada no coração da Amazónia, através do envio de equipamentos médicos, pessoal qualificado e voluntários.

“Aquela jovem, Greta Thunberg, tem-nos dado muita atenção e está a fazer um pronunciamento pedindo ajuda para a Amazónia, para os indígenas, para Manaus, para o interior do estado. O nosso Presidente chamou-a de ‘pirralha’, ele sempre trata toda a gente com desrespeito, mas a ‘pirralha’ foi a primeira que se manifestou depois de eu ter recebido notícias, certamente enviadas pelo Primeiro-Ministro de Portugal, mas cuja ajuda ainda não se efetivou”, indicou o prefeito.

No final de dezembro último, Bolsonaro chamou Greta Thunberg de “pirralha”, após a ambientalista ter alertado para as lutas dos povos indígenas e mostrado preocupação com o assassinato de líderes nativos no Brasil.

O Amazonas, na Amazónia brasileira, era até sábado o quarto estado com maior número de casos de covid-19 no país, num total de 1.375 mortos e 19.677 pessoas diagnosticadas com a doença.

O prefeito admitiu, porém, que a situação de Manaus tem melhorado dos últimos dias, afirmando que já começa a ver a “luz ao fundo do túnel”, apesar de garantir que nem todos os municípios do Amazonas se encontram na mesma situação.

No início de maio, Manaus foi notícia por ter começado a abrir valas comuns para agilizar os enterros dos mortos por covid-19.

“Naquele momento agudo, nós tínhamos de enterrar (os corpos), era uma guerra (…) contra um inimigo desconhecido. Sepultamos todos os cadáveres, todos foram identificados”, disse o autarca, acrescentando que será feito um memorial para todas as pessoas que perderam a vida em contexto da pandemia.

“Estamos a ver uma luzinha ao fundo do túnel em Manaus. Os números vão caindo, mas o interior do estado (do Amazonas) está uma lástima. Temos, no máximo, seis hospitais com unidades de terapia intensiva (UTI), não temos mais do que isso, e temos 61 municípios no interior do Amazonas, que, na maioria, estão sem camas de UTIs”, relatou à Lusa.

Apesar da melhora nos números, o prefeito considerou “grave e humilhante” para o Brasil a morte de indígenas. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) informou na sexta-feira que 38 povos indígenas do país já foram afetados pelo novo coronavírus, tendo sido registados, pelo menos, 446 casos de infeção e 92 mortes entre os povos originários.

Em entrevista à agência Lusa, Arthur Virgílio disse ainda que aguarda em especial a resposta do Presidente francês, Emmanuel Macron, ao seu pedido de ajuda.

“Estou à espera de uma ajuda expressiva de uma figura que eu admiro muito, que é Emmanuel Macron, que ainda não nos respondeu. E porquê? porque ele era o líder mais entusiasmado do G7 [Grupo dos Sete países mais industrializados do mundo], o líder mais entusiasmado na luta contra o aquecimento global, em defesa da floresta, contra a desflorestação”, disse o prefeito.

“O Presidente Macron não pode ter um determinado discurso e uma prática diferente, e eu vou dizer isso à imprensa francesa: ou irei agradecer a sua sensibilidade (caso a ajuda se concretize) ou dizer que, infelizmente, estou a lidar com uma pessoa que se mostra um defensor da Amazónia, mas, na prática, na hora de socorrer o povo que está em perigo, está a custar em manifestar-se. Ninguém entrou ainda e contacto comigo”, concluiu.

Até este fim de semana, o Brasil totalizava perto de 16 mil óbitos e cerca de 240 mil pessoas diagnosticados com Covid-19 desde o início da pandemia.