Em abril, o primeiro-ministro, António Costa, designou cinco dos seus secretários de Estado para a coordenação da execução das medidas de combate à pandemia aos níveis local e regional.

A maioria dos presidentes de CIM ouvidos pela Lusa reconhece a importância deste papel e de o manter até a situação estar controlada. Já a continuidade do cargo no pós-pandemia divide mais as opiniões.

Para o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), a pandemia demonstrou que “é necessária a existência de uma figura que coordene a administração desconcentrada do Estado em cada região”, função desempenhada neste caso pelo secretário de Estado das Pescas, José Apolinário.

Porém, mais do que um secretário de Estado que estabeleça a ponte com o Governo, António Pina defende a recuperação da figura de governador civil e a aposta efetiva na regionalização.

O desaparecimento dos governadores civis deixou os distritos sem “uma figura que verdadeiramente coordene a administração central desconcentrada”, afirmou, defendendo “a necessidade de retomar o cargo” e de avançar com a regionalização, porque “permite uma verdadeira articulação política e a definição de políticas adaptadas a cada região - porque elas não são iguais, têm problemas diferentes e devem ter respostas diferentes”.

Para isso, acrescentou o também autarca socialista de Olhão, é “preciso um governo regional, democraticamente eleito, com orçamento próprio, que não dependa do beija-mão no Terreiro do Paço”.

O presidente da CIM do Alentejo Litoral, Vítor Proença, concorda que o país precisa da regionalização, com órgãos diretamente eleitos, mas não de "governadores ou comissários políticos de caráter regional".

Para o presidente comunista da Câmara de Alcácer do Sal, “não é apropriada” a criação da figura de coordenador a título permanente, além da resposta à pandemia, coordenada no Alentejo pelo secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches.

Por seu turno, o presidente da CIM do Alto Alentejo, Hugo Hilário, também presidente da Câmara de Ponte de Sor, pelo PS, considera a eventual manutenção do coordenador regional uma questão que deve ser “equacionada daqui a uns tempos”, quando for feito um ponto de situação em relação ao desenvolvimento da covid-19.

Para o autarca, “não é altura” de “misturar” o ressurgimento da figura do governador civil com o papel do coordenador regional – são temas “diferentes”, mas “pertinentes” para uma discussão futura.

O papel de “interlocutor” entre o poder central e o local deve ser assumido por outras estruturas, designadamente as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), defendeu, por seu lado, o presidente da CIM do Cávado, Ricardo Rio (PSD), para quem o secretário de Estado da Mobilidade, Ambiente e Ação Climática não deve manter-se como coordenador para a região Norte fora do contexto de pandemia.

A opinião é corroborada pelo presidente da Área Metropolitana do Porto, o socialista Eduardo Vítor Rodrigues, apesar de considerar que Eduardo Pinheiro contribuiu para uma articulação das diferentes entidades que, “de outra forma, dificilmente seriam articuláveis”.

Um papel que a CCDR “não pode desempenhar e que foi importante, nomeadamente, junto dos privados, que tinham um representante do Estado com quem articular as respostas diretamente”, afirmou o também presidente da Câmara de Gaia, defendendo a continuidade do cargo até à estabilização da crise pandémica.

Esse é também o prazo apontado pelo presidente da CIM do Oeste, Pedro Folgado, para que Duarte Cordeiro se mantenha como secretário de Estado coordenador para a Região de Lisboa e Vale do Tejo.

O também presidente da Câmara de Alenquer pelo PS enalteceu o papel do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares no atual contexto de pandemia, mas defendeu que o cargo não deve manter-se, “salvo em situações extraordinárias”.

Tanto mais que a continuidade dos secretários de Estado coordenadores iria, no seu entender, “criar uma burocracia desnecessária” entre as autarquias e o Estado central e “retirar legitimidade às CIM, que devem ser os interlocutores privilegiados nessa relação”.

Posição oposta assumiu o presidente da CIM da Lezíria do Tejo, Pedro Ribeiro, que defendeu a existência de um secretário de Estado por cada uma das cinco regiões, porque “seria tudo muito mais fácil”.

Segundo o também presidente da Câmara de Almeirim (PS), habitualmente há uma “falha enorme na articulação entre a administração central e o poder local”, bem como uma “falta de lógica” na organização dos organismos desconcentrados.

O autarca disse que a experiência com os secretários de Estado coordenadores, que vieram dar uma “voz de comando único”, deve prosseguir no futuro, com a criação de figuras próprias, já que não é viável a atual acumulação de funções.

Pedro Ribeiro considerou que faz sentido a existência de cinco secretários de Estado (um por NUT II, nomenclatura de unidade territorial que divide o continente português em cinco regiões), eventualmente dependentes da presidência do Conselho de Ministros, porque a presença na estrutura do Governo, com assento nas reuniões de secretários de Estado, permite resolver “problemas que são muitas vezes estruturais e complexos”.

A posição é partilhada pelo presidente da CIM da Região de Leiria, Gonçalo Lopes, para quem a presença de “elementos do Governo descentralizados pelo território”, assumido na região Centro por João Paulo Rebelo (Juventude e Desporto) “melhorou bastante o desempenho, o nível de diálogo e, sobretudo, o grau de decisão”, permitindo “uma visão diferente sobre aquilo que é a importância de ter um governante mais próximo do território”.

O também presidente socialista da Câmara de Leiria considera que, ainda que a representação dos municípios possa sair reforçada “através da eleição das CCDR”, o modelo encontrado durante a pandemia “é o ideal”, pelo que defende a continuidade dos secretários de Estado coordenadores.

Partidos que lideram municípios reconhecem papel de coordenadores mas maioria rejeita continuidade

Redação, 28 jun 2020 (Lusa) – O desempenho dos secretários de Estado nomeados para coordenar regionalmente a resposta à covid-19 é reconhecido por vários responsáveis autárquicos dos partidos que gerem câmaras municipais no continente, mas, à exceção do PS, rejeitam a eventual instituição da função.

Se a secretária nacional do PS para as autarquias, Maria da Luz Rosinha, admite fazer sentido a manutenção da função pós-pandemia, embora “em moldes diferentes”, os responsáveis do PSD, PCP, CDS e independentes ouvidos pela Lusa privilegiam outras soluções.

Estas incluem a defesa de uma reforma administrativa, a instituição da regionalização, o reforço do papel das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) ou das comunidades intermunicipais (CIM).

Luz Rosinha realça o “excelente” trabalho que tem sido feito pelos secretários de Estado Eduardo Pinheiro (da Mobilidade), nomeado para coordenar a resposta à covid-19 na região Norte, João Paulo Rebelo (da Juventude e Desporto), para a região Centro, Duarte Cordeiro (dos Assuntos Parlamentares), para a Região de Lisboa e Vale do Tejo, Jorge Seguro Sanches (Adjunto e da Defesa Nacional), para o Alentejo, e José Apolinário (das Pescas), para o Algarve.

“A proximidade e o conhecimento do território revelaram-se de grande importância” na articulação entre as autarquias e o Governo, afirma a deputada, admitindo a possibilidade de, num contexto pós-pandemia, se justificar “manter essa figura de forma permanente”.

Nesse cenário, “teriam de ser estudadas as competências” a atribuir aos coordenadores regionais, cuja função seria articulada “em moldes diferentes” daqueles que vigoram em situação de crise pandémica e que “se revelaram uma excelente solução e permitiram respostas que de outra forma teriam sido mais difíceis de articular nesta situação”, remata.

Isaura Morais, vice-presidente do PSD e membro da Comissão Nacional Autárquica do partido, faz uma apreciação positiva do papel que tem sido desempenhado pelos secretários de Estado coordenadores regionais no período da pandemia e considera que, passada esta fase, há uma discussão a fazer em torno da reforma administrativa do país.

“Percebo que a articulação que tem existido está a ser importante”, diz, salientando o papel de uma “autoridade legitimada para articular” todo um conjunto de entidades da administração desconcentrada - forças de segurança, proteção civil, saúde, segurança social - e com as autarquias locais, resolvendo problemas de forma “célere”.

Salientando que a atual situação pode ter de se prolongar, tendo em conta os surtos que têm surgido sobretudo na Grande Lisboa, mas também em lares e corporações de bombeiros, e que exigem uma “articulação mais musculada e assertiva”, a ex-presidente da Câmara de Rio Maior considera que, findo este período, terá de ser feito um balanço, em particular por “quem está no terreno”.

Contudo, no seu entender, o país necessita de uma reforma administrativa que acabe com as atuais incongruências e a discussão sobre a aproximação do poder central ao local e à realidade das populações tem de ser feita.

“A proximidade que todos estes secretários de Estado têm às regiões revelou que o facto de se conhecer a realidade é mais facilitador” da ação e da resolução dos problemas, diz.

Já Jorge Cordeiro, responsável do PCP pela área das autarquias, considera que a avaliação desta coordenação cabe ao Governo, sublinhando que “as autarquias locais dispõem de autonomia e qualquer forma de tutela política é proibida pela Constituição da República”.

O dirigente comunista frisa o entendimento do partido de que, “em matéria de articulação entre os vários níveis de administração, o que se impõe é a criação das regiões administrativas, com o que ela acrescentará de dimensão democrática de políticas regionais e a sua articulação com o nível local”.

Sem retirar valor ao papel desempenhado durante a pandemia, Fernando Barbosa, coordenador autárquico do CDS, considera que “não faz sentido nenhum” manter os coordenadores regionais no pós-pandemia.

“É mais um cargo a engordar a máquina do Estado e aumentar a sobreposição de poderes, com uma série de entidades a fazerem todas a mesma coisa”, afirma, defendendo que “o que é preciso é haver uma única entidade que faça a articulação entre as autarquias e o Governo”.

As CCDR “podem fazer esse papel, ainda que possam ter de ser reestruturadas as suas competências”, sugere Fernando Barbosa, sem fechar a porta a que essa função seja atribuída a “outra entidade, como as comunidades intermunicipais”.

O importante, reforça, “é que haja apenas uma entidade” e “uma verdadeira descentralização e desconcentração de poderes”.

Também o presidente da AMAI - Associação Nacional dos Movimentos Autárquicos Independentes, Aurélio Ferreira, defende que o papel dos secretários de Estado “não se justifica para além do contexto de pandemia”.

Para o vereador independente na Câmara da Marinha Grande, “o Estado tem de criar é um gabinete, departamento, ou o que lhe queiram chamar, onde as comunidades intermunicipais possam exigir respostas para os problemas das respetivas autarquias”, cabendo a este organismo o encaminhamento para os ministérios competentes.

Os cinco secretários de Estado foram nomeados, por despacho do primeiro-ministro, António Costa, em 06 de abril, no âmbito da declaração do estado de emergência, com o objetivo de “assegurar uma melhor coordenação dos serviços da administração central de nível regional ou distrital e a devida articulação supramunicipal”.

No despacho, António Costa considerava não ser “este o momento para a institucionalização de novas instâncias” para garantirem essa coordenação, devendo “antes aproveitar-se as estruturas existentes”.

*Por Maria de Lurdes Lopes e Dina Aleixo, da agência Lusa