“Era importante as democracias […] não aparecerem numa situação de desvantagem em termos de perceção pública face aos regimes autoritários na eficácia com que estão a lidar com esta crise” de saúde pública, afirmou hoje o especialista em assuntos europeus à Lusa.

Numa altura em que aumenta a insatisfação com os regimes democráticos, na Europa em particular, a crise criada pela pandemia de Covid-19 pode acentuá-la se houver uma perceção pública de que regimes autoritários, com medidas mais drásticas, são mais eficazes na resposta à crise, explicou.

“Isso aliás é explorado muitas vezes pelos populistas, que advogam a ideia de que são necessários poderes fortes para conseguir ser efetivo”, exemplificou.

“Do meu ponto de vista tem que ser o contrário, ou seja, a democracia tem precisamente de reivindicar a sua natureza democrática a autoridade para poder agir de forma eficaz”.

Para o académico, diretor da Escola de Governação Transnacional no Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, essa reivindicação implica que os atores políticos democráticos consigam “encontrar e dar uma legitimidade reforçada a essas decisões”, que “têm de ser assentes na transparência”, o que até constituirá uma vantagem face aos regimes não-democráticos.

“Acho que quando se vier a fazer uma avaliação, vamos descobrir, por exemplo, que os regimes autoritários em certos aspetos podem ter aparecido com mais eficazes, mas isso também em parte é devido a ter existido menos transparência”, considerou.

Poiares Maduro deu como exemplo informações hoje disponíveis de que “no início da crise a China ocultou dados sobre o vírus, sobre a evolução do vírus e de vozes que alertavam para isso”, o que pode ter atrasado a resposta à crise.

“Nós [as democracias] não podemos replicar [essa atuação], pelo contrário temos de ter uma política de enorme transparência […] de justificar as decisões que se tomam”, frisou.

Trata-se, explicou, “não de ter receio de tomar decisões, mas perceber que elas devem ser tomadas apoiando-se na ciência, mas também não refugiando-se na ciência para não tomar decisões”.

“Compete à política escolher uma dessas alternativas que a ciência apresenta, atendendo também a outros fatores relevantes […] Essa é a diferença de um regime democrático, quando se toma uma decisão ela tem que ser justificada”.

Essa postura “em certa medida tem estado a acontecer”, disse, embora não em todas as situações, porque, admitiu, a gestão política da resposta à crise é difícil e a natureza inesperada dela apanhou as democracias impreparadas.

“Onde acho que se viu essa dificuldade desde logo foi na pouca clareza da resposta política e da comunicação pública sobre a matéria”, explicou, identificando duas abordagens, uma “muito concentrada no risco para a saúde pública, com base naquilo que estava a acontecer na China”, outra “muito preocupada que a antecipação desse risco não gerasse em si mesma uma crise económica”.

Por outro lado, apontou, “em termos de transparência era necessário fazer mais”.

“Praticamente nenhum país na Europa apresentou dados sobre quantas pessoas estavam a testar e quais eram exatamente os critérios para testar as pessoas”, criticou, ou, no caso específico português, não ter sido divulgado “durante muito tempo qual era o número de ventiladores que tínhamos”.

Poiares Maduro admitiu contudo a “dificuldade muito grande de gestão política” desta crise.

“Um dos paradoxos de uma crise destas é que, quanto mais eficaz se for na sua resolução, provavelmente mais difícil são certas decisões terem imediatamente apoio público e estarem mais sujeitas a críticas no futuro”.

“Imaginemos que Portugal tinha antecipado ainda mais a tomada de decisões drásticas […]e que a partir daí tínhamos como se diz, achatado a curva ainda mais rapidamente […] Provavelmente iríamos ter pessoas a ter acusado as autoridades públicas de terem ido longe demais”, exemplificou.